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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

RELEMBRAR O PASSADO: ACIDENTE OU CRIME?

FAZ HOJE PRECISAMENTE VINTE E NOVE ANOS QUE O JOVEM ATLETA POVOACENSE ANTÓNIO FRANCISCO (ZÉ LEITE) DESAPARECEU MISTERIOSAMENTE.

ACIDENTE OU CRIME?

Tudo começou a 20 de janeiro de 1985. Era um domingo primaveril em que o sol raiava num lindo céu azul. Era realmente um daqueles dias que convidava ao passeio pelas ruas e estradas da nossa linda ilha. Mas, aquele domingo de 20 de janeiro de 1985, infelizmente, para os povoacenses terminou de forma triste, feio e trágico, não só para a família do António Francisco (Zé Leite) como também para toda a Vila que, até hoje chocada, ainda não se conforma.

Faz hoje precisamente 29 anos sobre o dia em que o nosso compatriota António Francisco Amaral Ferreira (Zé Leite) desapareceu sem deixar rasto. O Zé Leite desapareceu numa manhã de um dia lindo que, como em tantos outros, fora correr, pois era uma das suas paixões. Afinal, aquela foi a sua última corrida que teve como meta o desconhecido, a morte provável, um assassínio possível, a dar crédito aos rumores que passaram e ainda hoje passam de boca em boca. Uma meta cortada prematuramente por um jovem simples, tímido, correto, estimado e introvertido que fazia do atletismo a sua válvula de escape dedicando-se a ele de corpo e alma.

Zé Leite desapareceu, já lá vão vinte e nove anos e, até hoje, esfumou-se, sem deixar qualquer vestígio, até hoje, nada mais se soube dele nem do seu corpo. O que lhe terá acontecido naquela manhã linda de domingo o dia 20 de janeiro de 1985?

António Francisco Amaral Ferreira (Zé Leite) é filho de Maria Teresa de Jesus Ferreira (falecida) e Manuel Ferreira (falecido). Tal como os seus sete irmãos, quatro rapazes e três raparigas, nasceu na Vila da Povoação. Uma família pobre e humilde cuja vida foi melhorando com a emigração de alguns filhos para terras da América. O Zé Leite ficou na Vila, esperando uma oportunidade.

Zé Leite era um jovem muito calado e tímido que só falava quando lhe procuravam palavra. O atletismo serviu-lhe como escape para a sua timidez. Começou tarde, em provas populares, mas começou muito bem. Tinha “pulmão”, era perseverante e muito dedicado. Sacrificava-se, treinava-se muito, fazia muitos, mas muitos quilómetros sozinho. Todos os povoacenses se recordam de o ver calcorrear as suas estradas, devorando quilómetros atrás de quilómetros, sempre só e, de vez em quanto, acompanhado pelo seu cão. Chegava a fazer noventa quilómetros num só dia. Mesmo quando ia em serviço – era ajudante de motorista do armazém dos Pachecos -, depois de feitas as entregas, calçava as sapatilhas e regressava a correr. O seu forte era o corta-mato, modalidade em que se chegou a sagrar campeão regional, à custa de muito trabalho e graças a condições físicas invulgares. Zé Leite era um jovem que não tinha vícios, apenas gostava de jogar bilhar. Era bom jogador e tinha sorte, daí lhe tivessem posto a alcunha do Zé Leites. Também gostava de dançar. Bailarico, onde os houvesse lá estava caído. Mas nada de namoricos que, porventura, a timidez lhe impedia. Só lhe foi conhecida uma ligação esporádica a uma rapariga da Vila do Nordeste que fica a uns 70 km ida e volta da Vila da Povoação, quilómetros estes que ele galgava à laia de treino que nunca descurava. Não fumava, não bebia bebidas alcoólicas, levantava-se cedo e fazia ginástica, seguindo as orientações do seu treinador, Alberto Ferreira, e aquilo que lia nos livros que, entretanto, comprara. De tarde, findo o trabalho, calçava as sapatilhas e lá ia ele, por ali fora… habitualmente a corta-mato, já que pistas na Povoação não existiam, nem hoje em dia existem.

Era realmente uma “força da natureza”, um predestinado que, infelizmente, despontou tarde. Mas estava fadado para altos voos, não fora ter desaparecido. Misteriosamente ou criminosamente? Há quem diga que sim, mas ninguém o sabe ao certo. Apenas se sabe que o Zé Leite se estava a preparar para uma prova que o poderia levar ao continente para competir e que, naquela linda manhã de domingo, se esfumou, sem deixar rasto, de nada valendo as buscas feitas, durante dias, pela população, pelo Exército, pelos Bombeiros, pela Polícia e até Força Aérea, num caso que, na altura, deu muito que falar por todas as ilhas e Portugal continental. Num concelho onde todos se conhecem, um mistério? Um trágico mistério!

“ESTÁ ENTREGUE A DEUS”

Agora recordemos como foram as últimas horas vividas por Zé Leite contadas pela sua mãe. “Ele tinha ido dançar no sábado, voltou muito tarde, já de manhã. Dormiu umas horas e levantou-se para ir correr. Porque é que sais de casa? Hoje é domingo. Não comeu, tinha medo de correr com a barriga cheia, só comia cozidos. Fiquei consumida por ele ter ido. Depois quando o tempo começou a passar e ele não vinha, fiquei assustada, estava a demorar-se muito, ele chegava sempre à hora do almoço. A manhã estava linda, mas o tempo começou a piorar. Eu chorei muito. Nesse dia fomos procura-lo, fomos de carro. No dia seguinte vieram Soldados, Bombeiros. Ele tinha ido até à tronqueira, um carro ia para lá e bateu nele, meteram-no no porta-bagagem e levaram-no para as furnas, para uma garagem, e depois enterraram-no nas Sete Cidades, está entregue a Deus. Houve um velho que viu, mas calou-se, todos os meses lhe mandam dinheiro da América. Foi o ?????? que o atropelou. Até meti uma curandeira em casa, para que me dissesse onde é que o meu filho estava enterrado. Coitado morreu à míngua. O meu marido conheceu aquele que o matou - é um cara de carrasco. “Ele corria todos os dias, levantava-se à seis da manhã e dizia vou às Furnas, vou ao Nordeste. Chegava, tomava um copo de leite e regressava a casa. Era muito calado, não falava com ninguém, a não ser que falassem com ele. Em casa, ninguém podia vestir a roupa que era dele. Quando ganhou a primeira prova dei-lhe um beijo, fiquei muito contente, mas ele não queria, era muito envergonhado. Comprei-lhe um fato de treino vermelho, era a cor que ele mais gostava, corria sempre com um calção e uma camisola vermelhos”.

Esta mãe amargurada já perdeu a esperança em encontrar o corpo de seu filho para poder dar-lhe uma sepultura cristã. “O meu António Francisco (Zé Leite) está entregue a Deus, mas eu queria enterra-lo. Isto vai-me matando aos poucos”.

O seu vizinho, amigo e primo António Araújo foi um dos últimos que o viu partir. “Disse-me que ia até ao Pico da Vara. Era normal ele fazer coisas assim. Lembro-me que ele ia sem óculos. Corremos tudo à procura dele”.

Dionísio Medeiros também conheceu bem Zé Leite, tendo acompanhado a sua carreira desportiva como correspondente do jornal Correio dos Açores. “Começou nas provas populares, tinha valor e conseguiu ganhar provas de 10 mil metros, em estrada. Foi com ele que apareceu a secção de atletismo do Mira-Mar Sport Clube, clube que Zé Leite representava. Se não tivesse desaparecido…tinha boas condições para uma boa carreira, sobretudo na maratona”.

Caros leitores, quero-vos dizer que relembrar o passado é importante para que não caia na escuridão do esquecimento. Zé Leite, para mim, foi uma grande referência a nível desportivo, nesse caso no atletismo. Foi com ele que o atletismo no concelho ganhou força e somou êxitos. Muitos jovens, tal como eu, posteriormente apareceram a competir, graças à fama e êxito que Zé Leite alcançou. Não esquecendo o seu treinador Alberto Ferreira que implementou a modalidade no concelho, e, que após o desaparecimento de Zé Leite, agarrou a modalidade com mais força e garra. Para mim, que na época era uma criança, Zé Leite era mais um ídolo. Ídolo esse que jamais poderá ser esquecido e apagado da nossa memória.

Para terminar, gostaria de deixar a minha opinião que, embora muito pessoal, espero que surta algum efeito sob as entidades deste concelho. Na minha simplicidade de cidadão desta terra, acho que prestar uma homenagem pública a este povoacense misteriosamente desaparecido seria um gesto louvável. O atribuir o seu nome a um miradouro, parque, rua desta freguesia, o criar uma importante prova de atletismo com o seu nome, o construir um busto em sua memória etc… qualquer uma destas iniciativas seria justa. Assim, jamais o seu misterioso desaparecimento seria esquecido. Homenagear com justiça o homem, o bom cidadão e o grande atleta que foi António Francisco Amaral Ferreira (Zé Leite), será extremamente útil, justo e importante.

Pedro Damião Ponte

3 comentários:

  1. José Leite era um amante incondicional do atletismo. Concordo que se atribua o seu nome a uma prova dessa modalidade, o que, para além da merecida homenagem, poderia contribuir para que o atletismo na Povoação fosse revalorizado pelas associações e clubes deste concelho. Bem haja a "UM OLHAR POVOACENSE" por esta publicação.

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  2. António Francisco( Zé Leite), é irmão de uma tia minha. Recordo como foi doloroso para a família, a perda de um irmão. O seu exemplo e contributo para o Atletismo local foi importantíssimo, para o despertar de potencialidades a nível locais, que vieram a demonstrar os seus valores, a nível regional e a nível nacional. Se estivesse vivo, faria sem dúvida, um ótimo percurso no Atletismo. Mas certamente fica o seu exemplo de vida.

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  3. Sabes que nunca ouvi dessa historia nunca ouvi. E ao ler isso antes de chegar ao fim eu disse para mim mesma,um carro o atropelou e o condutor enterrou o num lugar sem nimgém saber. Triste nunca o terem encontrado. Pobre família morreram sem saberem onde ele estava. Triste mesmo.

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