FAZ HOJE
PRECISAMENTE VINTE E NOVE ANOS QUE O JOVEM ATLETA POVOACENSE ANTÓNIO FRANCISCO
(ZÉ LEITE) DESAPARECEU MISTERIOSAMENTE.
ACIDENTE
OU CRIME?
Tudo
começou a 20 de janeiro de 1985. Era um domingo primaveril em que o sol raiava
num lindo céu azul. Era realmente um daqueles dias que convidava ao passeio
pelas ruas e estradas da nossa linda ilha. Mas, aquele domingo de 20 de janeiro
de 1985, infelizmente, para os povoacenses terminou de forma triste, feio e
trágico, não só para a família do António Francisco (Zé Leite) como também para
toda a Vila que, até hoje chocada, ainda não se conforma.
Faz
hoje precisamente 29 anos sobre o dia em que o nosso compatriota António
Francisco Amaral Ferreira (Zé Leite) desapareceu sem deixar rasto. O Zé Leite
desapareceu numa manhã de um dia lindo que, como em tantos outros, fora correr,
pois era uma das suas paixões. Afinal, aquela foi a sua última corrida que teve
como meta o desconhecido, a morte provável, um assassínio possível, a dar
crédito aos rumores que passaram e ainda hoje passam de boca em boca. Uma meta
cortada prematuramente por um jovem simples, tímido, correto, estimado e
introvertido que fazia do atletismo a sua válvula de escape dedicando-se a ele
de corpo e alma.
Zé
Leite desapareceu, já lá vão vinte e nove anos e, até hoje, esfumou-se, sem
deixar qualquer vestígio, até hoje, nada mais se soube dele nem do seu corpo. O
que lhe terá acontecido naquela manhã linda de domingo o dia 20 de janeiro de
1985?
António
Francisco Amaral Ferreira (Zé Leite) é filho de Maria Teresa de Jesus Ferreira (falecida) e Manuel Ferreira (falecido). Tal como os seus sete irmãos, quatro rapazes e
três raparigas, nasceu na Vila da Povoação. Uma família pobre e humilde cuja
vida foi melhorando com a emigração de alguns filhos para terras da América. O
Zé Leite ficou na Vila, esperando uma oportunidade.
Zé
Leite era um jovem muito calado e tímido que só falava quando lhe procuravam
palavra. O atletismo serviu-lhe como escape para a sua timidez. Começou tarde,
em provas populares, mas começou muito bem. Tinha “pulmão”, era perseverante e
muito dedicado. Sacrificava-se, treinava-se muito, fazia muitos, mas muitos
quilómetros sozinho. Todos os povoacenses se recordam de o ver calcorrear as
suas estradas, devorando quilómetros atrás de quilómetros, sempre só e, de vez
em quanto, acompanhado pelo seu cão. Chegava a fazer noventa quilómetros num só
dia. Mesmo quando ia em serviço – era ajudante de motorista do armazém dos
Pachecos -, depois de feitas as entregas, calçava as sapatilhas e regressava a
correr. O seu forte era o corta-mato, modalidade em que se chegou a sagrar
campeão regional, à custa de muito trabalho e graças a condições físicas
invulgares. Zé Leite era um jovem que não tinha vícios, apenas gostava de jogar
bilhar. Era bom jogador e tinha sorte, daí lhe tivessem posto a alcunha do Zé
Leites. Também gostava de dançar. Bailarico, onde os houvesse lá estava caído.
Mas nada de namoricos que, porventura, a timidez lhe impedia. Só lhe foi
conhecida uma ligação esporádica a uma rapariga da Vila do Nordeste que fica a
uns 70 km ida e volta da Vila da Povoação, quilómetros estes que ele galgava à
laia de treino que nunca descurava. Não fumava, não bebia bebidas alcoólicas,
levantava-se cedo e fazia ginástica, seguindo as orientações do seu treinador,
Alberto Ferreira, e aquilo que lia nos livros que, entretanto, comprara. De
tarde, findo o trabalho, calçava as sapatilhas e lá ia ele, por ali fora…
habitualmente a corta-mato, já que pistas na Povoação não existiam, nem hoje em
dia existem.
Era
realmente uma “força da natureza”, um predestinado que, infelizmente, despontou
tarde. Mas estava fadado para altos voos, não fora ter desaparecido.
Misteriosamente ou criminosamente? Há quem diga que sim, mas ninguém o sabe ao
certo. Apenas se sabe que o Zé Leite se estava a preparar para uma prova que o
poderia levar ao continente para competir e que, naquela linda manhã de
domingo, se esfumou, sem deixar rasto, de nada valendo as buscas feitas,
durante dias, pela população, pelo Exército, pelos Bombeiros, pela Polícia e
até Força Aérea, num caso que, na altura, deu muito que falar por todas as
ilhas e Portugal continental. Num concelho onde todos se conhecem, um mistério?
Um trágico mistério!
“ESTÁ ENTREGUE A
DEUS”
Agora
recordemos como foram as últimas horas vividas por Zé Leite contadas pela sua
mãe. “Ele tinha ido dançar no sábado, voltou muito tarde, já de manhã. Dormiu
umas horas e levantou-se para ir correr. Porque é que sais de casa? Hoje é
domingo. Não comeu, tinha medo de correr com a barriga cheia, só comia cozidos.
Fiquei consumida por ele ter ido. Depois quando o tempo começou a passar e ele
não vinha, fiquei assustada, estava a demorar-se muito, ele chegava sempre à
hora do almoço. A manhã estava linda, mas o tempo começou a piorar. Eu chorei
muito. Nesse dia fomos procura-lo, fomos de carro. No dia seguinte vieram
Soldados, Bombeiros. Ele tinha ido até à tronqueira, um carro ia para lá e
bateu nele, meteram-no no porta-bagagem e levaram-no para as furnas, para uma
garagem, e depois enterraram-no nas Sete Cidades, está entregue a Deus. Houve
um velho que viu, mas calou-se, todos os meses lhe mandam dinheiro da América.
Foi o ?????? que o atropelou. Até meti uma curandeira em casa, para que me
dissesse onde é que o meu filho estava enterrado. Coitado morreu à míngua. O
meu marido conheceu aquele que o matou - é um cara de carrasco. “Ele corria
todos os dias, levantava-se à seis da manhã e dizia vou às Furnas, vou ao
Nordeste. Chegava, tomava um copo de leite e regressava a casa. Era muito
calado, não falava com ninguém, a não ser que falassem com ele. Em casa,
ninguém podia vestir a roupa que era dele. Quando ganhou a primeira prova
dei-lhe um beijo, fiquei muito contente, mas ele não queria, era muito
envergonhado. Comprei-lhe um fato de treino vermelho, era a cor que ele mais
gostava, corria sempre com um calção e uma camisola vermelhos”.
Esta
mãe amargurada já perdeu a esperança em encontrar o corpo de seu filho para
poder dar-lhe uma sepultura cristã. “O meu António Francisco (Zé Leite) está
entregue a Deus, mas eu queria enterra-lo. Isto vai-me matando aos poucos”.
O
seu vizinho, amigo e primo António Araújo foi um dos últimos que o viu partir.
“Disse-me que ia até ao Pico da Vara. Era normal ele fazer coisas assim.
Lembro-me que ele ia sem óculos. Corremos tudo à procura dele”.
Dionísio
Medeiros também conheceu bem Zé Leite, tendo acompanhado a sua carreira
desportiva como correspondente do jornal Correio dos Açores. “Começou nas
provas populares, tinha valor e conseguiu ganhar provas de 10 mil metros, em
estrada. Foi com ele que apareceu a secção de atletismo do Mira-Mar Sport
Clube, clube que Zé Leite representava. Se não tivesse desaparecido…tinha boas
condições para uma boa carreira, sobretudo na maratona”.
Caros
leitores, quero-vos dizer que relembrar o passado é importante para que não
caia na escuridão do esquecimento. Zé Leite, para mim, foi uma grande
referência a nível desportivo, nesse caso no atletismo. Foi com ele que o
atletismo no concelho ganhou força e somou êxitos. Muitos jovens, tal como eu,
posteriormente apareceram a competir, graças à fama e êxito que Zé Leite
alcançou. Não esquecendo o seu treinador Alberto Ferreira que implementou a
modalidade no concelho, e, que após o desaparecimento de Zé Leite, agarrou a
modalidade com mais força e garra. Para mim, que na época era uma criança, Zé
Leite era mais um ídolo. Ídolo esse que jamais poderá ser esquecido e apagado
da nossa memória.
Para
terminar, gostaria de deixar a minha opinião que, embora muito pessoal, espero
que surta algum efeito sob as entidades deste concelho. Na minha simplicidade
de cidadão desta terra, acho que prestar uma homenagem pública a este
povoacense misteriosamente desaparecido seria um gesto louvável. O atribuir o
seu nome a um miradouro, parque, rua desta freguesia, o criar uma importante
prova de atletismo com o seu nome, o construir um busto em sua memória etc…
qualquer uma destas iniciativas seria justa. Assim, jamais o seu misterioso
desaparecimento seria esquecido. Homenagear com justiça o homem, o bom cidadão
e o grande atleta que foi António Francisco Amaral Ferreira (Zé Leite), será
extremamente útil, justo e importante.
Pedro
Damião Ponte
José Leite era um amante incondicional do atletismo. Concordo que se atribua o seu nome a uma prova dessa modalidade, o que, para além da merecida homenagem, poderia contribuir para que o atletismo na Povoação fosse revalorizado pelas associações e clubes deste concelho. Bem haja a "UM OLHAR POVOACENSE" por esta publicação.
ResponderEliminarAntónio Francisco( Zé Leite), é irmão de uma tia minha. Recordo como foi doloroso para a família, a perda de um irmão. O seu exemplo e contributo para o Atletismo local foi importantíssimo, para o despertar de potencialidades a nível locais, que vieram a demonstrar os seus valores, a nível regional e a nível nacional. Se estivesse vivo, faria sem dúvida, um ótimo percurso no Atletismo. Mas certamente fica o seu exemplo de vida.
ResponderEliminarSabes que nunca ouvi dessa historia nunca ouvi. E ao ler isso antes de chegar ao fim eu disse para mim mesma,um carro o atropelou e o condutor enterrou o num lugar sem nimgém saber. Triste nunca o terem encontrado. Pobre família morreram sem saberem onde ele estava. Triste mesmo.
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