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sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

RIBEIRA QUENTE - OS TÚNEIS DA LIBERDADE: TRABALHADORES, ENGENHEIROS E FERRAMENTAS DE TRABALHO (CONTINUAÇÃO)

Para além das técnicas e materiais de construção, importa referir alguns aspetos que se prendem com os seus executores: Os trabalhadores e os utensílios de que estes se serviam no trabalho.

Os trabalhadores vinham da Povoação, das Furnas, da Ribeira Quente, de Rabo de Peixe, de Ponta Garça e do Nordeste. A maioria vinha a pé calçando galochas, à exceção de algum que vinha de bicicleta. Por vezes tinham de partir no dia anterior para chegarem à Ribeira Quente de manhã cedo.

A execução deste trabalho integrava dois mestres gerais, um grupo de pedreiros, de canteiros, de cabouqueiros, crianças (que desempenhavam no papel de serventes), um vigia, um apontador, um capataz, o engenheiro auxiliar e o engenheiro encarregado da obra.

Todos cumpriam a sua função na obra.

Quanto aos mestres gerais, havia dois, que acompanharam a maior parte da obra: O mestre carpinteiro, Sr. Manuel Vieira Galante e o mestre pedreiro, Sr. José Pimentel.

Regra geral, era distribuído um mestre para cada esquadra de vinte homens.

Cada um tinha como funções dirigir, governar e promover o trabalho aos homens da sua esquadra, consoante as ordens do engenheiro auxiliar (8).

Das funções delegadas aos mestres, cabia ainda ao mestre pedreiro medir com escala métrica a quantidade de pedra colocada pelos pedreiros.

Para além de ter a obra dos túneis a seu cardo, José Pimentel fiscalizava os pedreiros que colocavam as paradamas da estrada.

José Pimentel fora também o mestre pedreiro de vinte e quatro escolas primárias da ilha de São Miguel, desde as Furnas à Achadinha, bem como o mestre das obras da Casa dos Banhos das Furnas.

Quanto ao mestre carpinteiro, Manuel Vieira Galante, para além dos trabalhos de carpintaria nas obras dos túneis, há a destacar a obra da ponte da Ribeira dos Tambores, da qual foi autor e executor.

O mestre Manuel Galante, obteve o 2º grau dos estudos primários com a sua mãe, que era professora. Iniciou-se na arte de carpintaria na oficina de seus padrinhos, nas Furnas, mestres da área da construção civil.

Em 1935, por intermédio do engenheiro Pacheco Vieira, que o conhecia como trabalhador das centrais elétricas, foi chamado para trabalhar na obra dos túneis.

Quanto aos cabouqueiros, estes tinham como função escoar o terreno e retirar da pedreira a pedra para a obra.

Os canteiros transformavam essa pedra em cantaria que revestiria os arcos e o interior dos túneis.

As crianças tinham a função de servente. Cabia a elas construir os carrinhos em madeira, transportar neles, ou em cestos, as pedras e a terra para a Grota Suja e ir buscar água à nascente em canados, que eram executados pelos carpinteiros de construção.

Toda esta perseverança dos homens e da ajuda prestimosa das crianças na obra, revelam uma necessidade desmedida de trabalhar o sustento da casa.

Quanto aos olheiros, nome que designava os vigias, fala-se de um Manuel Lázaro, um velho muito falador, que tinha como função vigiar e anunciar, de cima do túnel, os desabamentos da pedreira.

O apontador era um funcionário da Junta Geral, tendo como funções na obra fazer o ponto e as folhas de serviço. Era ele que apontava os metros de cantaria colocada pelos pedreiros e fazia cumprir as ordens dos seus superiores.

Um dos apontadores da obra dos túneis foi António Inácio de Medeiros, caracterizado como sendo “um empregado zeloso, ativo e competente, que cumpria as ordens recebidas e as fazia cumprir rigorosamente” (9).

Segundo revelaram os trabalhadores entrevistados, era hábito o apontador motivar neles a competição com o objetivo de acelerar os trabalhos.

No caso particular do revestimento da abóbada dos túneis com a cantaria, o apontador utilizava a seguinte estratégia: agrupava os trabalhadores por localidades e destinava um lado do arco a cada grupo, sendo o objetivo concluir primeiro o lado do arco, atingindo o fecho do arco.

Como consequência desta competição por localidade, era natural que, surgissem alguns distúrbios ou discussões por parte dos trabalhadores na hora do almoço ou depois do serviço.

Além do apontador, havia ainda um capataz, que era funcionário da Junta Geral e que tinha como funções vigiar a obra e fazer por vezes o ponto.

Do quanto nos foi possível apurar sobre o assunto, sabemos que um dos capatazes da obra dos túneis foi Belarmino Soares de Mendonça.

Estes eram os trabalhadores que, de uma maneira geral, trabalhavam assiduamente na obra.

No caso da obra dos túneis da Ribeira Quente, o engenheiro nomeado foi Francisco Pacheco de Castro. Ele efetuou o estudo da obra e projetou a construção do dito ramal, à exceção dos túneis que foram da autoria do engenheiro auxiliar Floriano Victor Borges que tomara a direção da obra. Foi ele que efetuou os trabalhos preliminares (a mira, as medições para a escavação), e a acompanhou com uma certa regularidade.

Passemos ao terceiro aspeto que se prende diretamente com a construção dos túneis: as ferramentas de trabalho.

No procedimento de abertura dos túneis não se utilizou maquinaria. Os túneis foram abertos com os mais rudimentares instrumentos: picaretas e sachos, “numa luta titânica contra a rocha que eles a pouco e pouco vão dominando e vencendo” (10).  

Foi sem dúvida a força braçal que dominou tanto a abertura dos túneis, como a construção e fixação da ponte da Ribeira dos Tambores.

As pedras enormes, retiradas da abertura dos túneis eram arrastadas pelos homens, com cordas. Só mais tarde, na última fase da obra, existiu uma vangonete que ajudava a descarregar em maior quantidade, o entulho tirado do túnel para a ribeira.

Refira-se a propósito a ferramenta em regra utilizada na construção dos túneis.

Os pedreiros utilizavam sobretudo os picões e os escolpes para moldar a pedra, informou-nos o mestre pedreiro da obra, Sr. José Pimentel.

Quanto aos carpinteiros, o serrote, o martelo, a plaina o arco de pua, o rebote, o desbastador, os ferros, o cantilo, o compasso e o esquadro, eram as ferramentas básicas utilizadas neste tipo de obra, informou-nos o mestre António Galante.

Todas as ferramentas, que pertenciam aos mestres e a que era propriedade da Junta Geral, na sua larga escala pás e picaretas, bem como os carrinhos e os broncos, eram guardadas num barracão de madeira provisório, junto à obra.

Os trabalhadores entrevistados, falam ainda de um segundo barracão separado, onde o apontador redigia a escrituração da obra.    

(8) Matos, Artur Teodoro de, Transportes e Comunicações, p. 509
(9) Diário dos Açores, de 19 de Agosto de 1940, p.4
(10) In jornal A Ilha, 18-06-1939.0

Fonte: Livro de Maria de Deus Raposo Medeiros Costa “Os Túneis da Liberdade”

  

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