Tratamento
aplicado nos animais de laboratório reverteu progressão das células cancerosas
do tecido mamário. Investigadores querem tentar aplicar técnica em humanos.
Uma
equipa de investigadores da Faculdade Médica de Harvard, em Boston, nos Estados
Unidos, silenciou a actividade de um gene em células do tecido mamário de
ratinhos, que é importante para o desenvolvimento do cancro da mama. Estas
células estavam a percorrer o caminho para se tornarem cancerosas, mas a
terapia genética conseguiu reverter o processo e normalizá-las. Publicada na
revista Science Translational Medicine, a descoberta poderá vir a ser aplicada
no combate ao cancro da mama.
O
trabalho, liderado por Donald Ingber, centrou-se nas células dos ductos
mamários, por onde passa o leite. “Apesar de haver algumas excepções, a maioria
dos cancros da mama [cerca de 75%] aparece nas células epiteliais dos ductos”,
disse ao PÚBLICO o investigador e fundador do Instituto Wyss para a Engenharia
Inspirada na Biologia, da Universidade de Harvard.
Muitas
vezes, são detectadas lesões nas células do epitélio dos ductos mamários, que
podem desenvolver-se em cancros. Mas o problema é identificar quais as lesões
que efectivamente estão nesse caminho. Como a medicina ainda não é capaz de
fazer essa triagem, recorre-se a soluções drásticas como a radioterapia ou
mesmo a mastectomia, dois tratamentos violentos com efeitos secundários a nível
físico e psicológico.
Por
isso, uma avaliação feita por especialistas em cancro da mama, publicada em
2007, “identificou a necessidade urgente de se desenvolverem terapias
minimamente invasivas que possam ser direccionadas directamente para o epitélio
do ducto, de forma a prevenir a progressão de lesões pré-malignas sem produzir
uma toxicidade sistémica”, lê-se no artigo.
Os
investigadores escolheram uma abordagem genética, através da utilização do
chamado “ARN de interferência”. Esta técnica trava a actividade genética nas
células. A informação contida nos genes, que estão inseridos nas longas cadeias
de ADN, é o molde inicial para se produzirem proteínas. Para isso, a maquinaria
celular começa por passar a informação do ADN para o ARN – uma molécula que
pode navegar à vontade na célula –, e finalmente traduz a informação contida na
molécula de ARN nos aminoácidos que formam as proteínas. O ARN de interferência
está concebido para se ligar ao ARN mensageiro que foi transcrito a partir do
ADN, impedindo-o assim de ser traduzido na proteína.
Outras
equipas já tinham usado com sucesso a técnica do ARN de interferência, para
tratar cancros da mama de origem humana que foram implantados em ratinhos. Mas
uma barreira existente era identificar um gene que fosse muito importante para
desencadear o cancro.
Por
isso, os investigadores foram à caça desse gene. Através de um algoritmo
matemático, a equipa identificou ligações entre genes mais activos durante o
desenvolvimento do cancro da mama em ratinhos. Ou seja, produziram uma rede
onde uma ligação entre dois genes implica que a actividade de um deles activa a
actividade do outro. Em cancros da mama mais tardios, há uma grande
heterogeneidade nestas ligações observada em ratinhos. Mas segundo a equipa,
quando se observam cancros da mama em fases mais iniciais, o conjunto de genes
especialmente activos é cada vez mais semelhante.
No
início deste processo, quando as futuras células cancerosas já têm uma
actividade genética própria, mas o seu aspecto ainda é igual ao das células
saudáveis do epitélio dos ductos, os cientistas descobriram que o gene HoxA1
tinha uma actividade anormal e parecia ser o mais importante.
O
HoxA1 está activo durante o desenvolvimento embrionário humano, mas não é
utilizado pelas células saudáveis do tecido mamário adulto, onde está
silenciado. Além disso, há vários estudos que indicam que a sua actividade está
associada ao aparecimento do cancro da mama nas mulheres. Todas estas provas
tornaram-no num bom candidato para ser silenciado pelo ARN de interferência.
Próximo
passo é em coelhos
Primeiro,
os cientistas experimentaram in vitro silenciar este gene, em células
cancerosas do epitélio dos ductos de ratinhos. Ao contrário das células
saudáveis, que formavam tubos, as células cancerosas aglomeravam-se numa massa
desestruturada. Mas quando os cientistas aplicaram o ARN de interferência, as
células reverteram o processo canceroso e voltaram a ter um aspecto saudável.
Depois,
a equipa fez o mesmo in vivo, em ratinhos. Para isso, injectou a solução com o
ARN de interferência – que estava dentro de pequeníssimas bolas ocas de
gordura, uma técnica desenvolvida há poucos anos por um dos elementos da equipa
– através dos mamilos dos ratinhos. O líquido entrou pelos ductos mamários,
fazendo o caminho inverso do leite. Estes ratinhos eram transgénicos, tendo um
outro gene responsável pelo cancro da mama. O tratamento foi aplicado durante a
fase inicial do cancro, e a incidência de tumores reduziu-se em 75%. Os
cientistas verificaram ainda que as células passaram a multiplicar-se menos.
Para
perceber se a terapia atingia outros tecidos, o que poderia comprometer um
tratamento em humanos, a equipa utilizou um marcador fluorescente ligado ao ARN
de interferência para observar, por microscopia, o seu comportamento. “Não
vimos quaisquer sinais do ARN de interferência em tecidos periféricos,
indicando que as moléculas são apanhadas pelas glândulas mamárias e não entram
na corrente sanguínea”, explicou ao PÚBLICO Amy Brock, uma das autoras do
estudo que agora trabalha na Universidade de Austin, no Texas.
O
próximo passo da equipa será testar a terapia noutra cobaia cuja anatomia dos
ductos da mama seja semelhante à das mulheres – como os coelhos – e procurar
efeitos secundários da técnica, para se poder passar aos ensaios clínicos. Uma
questão que ainda falta responder é saber a dose que este tratamento requer em
humanos, explica-nos Donald Ingber: “Mulheres com propensão para esta doença
terão provavelmente de receber tratamentos de poucos em poucos meses. O mesmo
tratamento poderá também ser administrado em locais [da mama] onde houve
cirurgias de remoção de tumores, para induzir a reversão das células que
ficaram em tecido mais normal.”
Fonte:
Público, por: Nicolau Ferreira 06/01/2014
Fotos: Google imagens
Sem comentários:
Enviar um comentário