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domingo, 19 de outubro de 2014

HISTÓRIA DO PARQUE TERRA NOSTRA

Há um jardim no Vale das Furnas há mais de duzentos anos. Do alto do Miradouro do Pico do Ferro percebe-se que não é propriamente um vale. É uma cratera, com 7 quilómetros de diâmetro, última memória de um vulcão há muito inativo.

Embora inicialmente ignorado pelos primeiros povoadores, o Vale das Furnas começou a ser popular no final do séc. XVIII, devido ao crescente interesse no uso de águas minerais para o tratamento de doenças como o reumatismo e a obesidade. As Furnas possuíam centenas de pequenas nascentes e cursos de água, todas com diferentes propriedades. O Parque Terra Nostra estava no centro desta magnífica hidrópole.

Século XVIII

Por volta de 1775, Thomas Hickling, um abastado comerciante originário de Boston, que foi Cônsul Honorário dos Estados Unidos em São Miguel, mandou construir uma casa de madeira, que tomou o nome de Yankee Hall, assim como um grande tanque de água com uma ilha no meio e rodeou-o de árvores. Ainda é possível hoje em dia ver um carvalho inglês plantado por Hickling.

Século XIX

Em 1848 a propriedade foi comprada pelo Visconde da Praia, que construiu a atual casa do Parque em 1854 no lugar da Yankee Hall. A Viscondessa interessava-se por jardinagem, e o casal aumentou os dois hectares originais plantando um belo jardim com água, alamedas sombrias e tabuleiros de flores. Em 1896 o filho dos Viscondes erigiu um memorial aos pais que se encontra no jardim.


Depois da morte do Visconde, em 1872, este mesmo filho, o Marquês da Praia e Monforte embelezou a casa, e o seu arquiteto apresentou um esboço ambicioso para o desenho do jardim. Incluía um canal serpentiforme, grutas, avenidas de buxo, e caminhos ladeados de laranjeiras. Existem provas escritas que um jardineiro inglês chamado Milton ou Middleton foi responsável por realizar o projeto, mas até hoje não foi encontrada mais informação sobre o jardineiro inglês.

O terreno adjacente estava dividido em pequenas parcelas, com muitos donos, que tornou moroso o processo de aquisição de terras para o jardim, cuja ampliação continuou até 1890.

Novas espécies oriundas da América do Norte, da Austrália, da Nova Zelândia, da China e da África do Sul, algumas das quais ainda existem e dominam certas áreas do Parque.

A segunda metade do séc. XIX marcou o auge da jardinagem nos Açores. De entre vários outros, destacam-se os nomes de António Borges, José do Canto e José Jácome Correia, que concorreram entre si para conseguir os jardins mais belos e as melhores coleções de espécies raras. José do Canto interessou-se especialmente pelas plantas económicas e teve a ideia de desenvolver os Açores como centro para aclimatação de plantas.

Acumulou uma coleção de alguns milhares de espécies de árvores e outras plantas, inclusive as orquídeas. Pelo menos dois jardineiros britânicos foram contratados, P. Wallace, e em 1845, George Brown, que foi recomendado pelo viveiro já bem conhecido de Whitley and Osborne em Fulham, Londres. Este último veio a empreender uma série de iniciativas, como o desenho e construção do Parque das Murtas (atualmente o Parque Beatriz do Canto, um jardim particular) perto do Hotel Terra Nostra. Também dirigiu hotéis nas Furnas e em Ponta Delgada e tinha um viveiro de plantas.

Século XX

O início deste século, é marcado pela visita régia à Casa do Parque. Em junho de 1901 e a convite do Marquês da Praia e Monforte, o Rei D. Carlos I é recebido com “uma festa de Monarca para Monarca”, conforme as suas palavras de agradecimento, tendo pernoitado na Casa do Parque por uma noite.

Após a morte dos Viscondes da Praia, o Parque Terra Nostra ficou a marcar passo e nos anos vinte do século passado estava já em estado de degradação. Em 1935 o Hotel Terra Nostra, localizado num terreno adjacente ao Parque, abriu ao público e alguns anos mais tarde toda a propriedade foi adquirida pela Sociedade Terra Nostra sob a direção de Vasco Bensaude, que era também um apaixonado pela botânica, tendo sido responsável pela vinda do jardineiro escocês John McInroy que viria supervisionar a restauração do Parque Terra Nostra. Nessa altura foi acrescentada mais uma porção de terreno, tendo o Parque ganho a sua atual configuração e área de 12,5 ha.

A casa do Parque foi totalmente renovada, o tanque de água agora com água termal, foi aumentado e forrado com pedra de cantaria, o canal e os lagos foram restaurados, muitos dos caminhos foram novamente descobertos e conservados, e fizeram-se novas plantações. Os trabalhos, que se prolongaram por dois anos, foram finalmente concluídos e o Parque Terra Nostra abriu novamente ao público.

Estávamos então na década de 30, e as Furnas ganhavam fama como centro termal. Foi construído nesta altura o Casino, que se destinava ao entretenimento dos hóspedes do Hotel e da sociedade micaelense. Contudo, no final da década começava a II Guerra Mundial, que provocou um declínio acentuado no fluxo de visitantes.

Contudo, o Hotel manteve a sua elegância original e o Parque Terra Nostra foi cuidadosamente tratado. Os Açores eram pouco conhecidos pelo resto do Mundo e os únicos visitantes das Furnas eram viajantes curiosos ou muito bem informados. Com a chegada dos anos 70, os encantos dos Açores e as suas paisagens luxuriantes começaram a ser descobertos.Em 1989 uma nova ala foi adicionada ao Hotel Terra Nostra, e Filipe Bensaude, filho de Vasco Bensaude, decide renovar o Jardim.

Esta renovação seria confiada ao horticultor David Sayers, que em conjunto com o silvicultor Richard Green, procedeu à recuperação do Parque, e projetando o seu desenvolvimento para o futuro. A operação foi completada no inverno de 1992/93 e uma nova geração de mais de 3000 exemplares de espécies arbóreas e arbustos foram plantados para garantir que o Parque Terra Nostra continuará a ser um local exuberante e único durante muitos anos.

Hoje em dia

No Parque Terra Nostra, poderá encontrar flora endémica dos Açores, mas também inúmeras plantas nativas de países com climas completamente distintos do existente nas Furnas. Esta adaptação é possível, em muito, graças à experiência de trabalho partilhada pela equipa de jardineiros do Parque Terra Nostra que conseguem adaptar, da forma mais ecológica possível, as condições existentes no Parque à realidade ocorrente nos países de onde as plantas são oriundas, obtendo-se assim excelentes resultados.

Num parque bicentenário, encontram-se, ao longo dos vários percursos possíveis, plantas em fases de crescimento muito distintas. É possível observar: árvores centenárias dos géneros Metrosideros e Araucaria, e espécies liriodendron tulipifera, Sequoias sempervirens, Quercus robur, Taxodium ascendens, Taxodium distichum, Eucalyptus globulus, Ginkgo biloba, entre outras; inúmeras espécies de porte arbóreo como por exemplo, os fetos arbóreos, os rhododendrons, as magnólias e as cameleiras; e ainda os mais diversos arbustos e flores, nomeadamente as azáleas, as hydrangeas, as clívias, os jarros, da Família Araceae, e inúmeras outras espécies que contribuem com suas cores, formas e hábitos de crescimento, para que o parque seja um jardim agradável e aprazível de frequentar em qualquer altura do ano.

Nas últimas duas décadas, o parque tem vindo a enriquecer, ainda mais, o seu património botânico com a aquisição de novas espécies vegetais. Esta constante preocupação em diversificar para enriquecer a flora existente levou a que, atualmente, o parque possua grandes coleções e jardins com plantas de importante valor histórico e cultural. Estas coleções e jardins são, designadamente, a Coleção de Fetos (com cerca de 300 exemplares, de diferentes espécies, variedades e cultivares), a Coleção de Cycadales (com 85 exemplares, de diferentes espécies e subespécies), a Coleção de Camélias (com mais de 600 exemplares, de diferentes espécies e cultivares), o Jardim da Flora Endémica e Nativa dos Açores (onde estão reunidos alguns exemplares das principais plantas endémicas da ilha de São Miguel) e, por fim, o Jardim de Vireyas – Rhododendrons da Malásia, com exemplares em tons branco, laranja, rosa, salmão e vermelho.

Recentemente, em 2010, e para beneficiar uma área até então desaproveitada, foi construído ao lado do jardim das plantas endémicas e nativas dos Açores, um novo espaço com o intuito de receber a mais recente coleção do parque – a de Bromeliáceas (plantas da Família Bromeliaceae).

Esta coleção ainda se encontra em fase de experimentação. As plantas estão a ambientar-se às condições edafoclimáticas existentes. No entanto, o novo jardim já conta com cerca de 100 bromélias distintas, algumas delas dispostas sobre as magníficas raízes de algumas árvores existentes, conhecidas vulgarmente por “Til”, de nome científico Ocotea foentes.

Novos projetos continuam em desenvolvimento de modo a garantir a conservação deste ambiente único, nomeadamente a criação de um jardim de Bambus e a criação de um lago artificial, ao ar livre, que acolherá a Victoria cruziana Orb., uma planta aquática da Família Nymphaeaceae, originária do Norte da Argentina, Paraguai, Brasil e Bolívia.

Esta espécie de planta é um nenúfar gigante, que se torna original e fascinante graças à morfologia das suas folhas (fazem lembrar autênticas formas de tarte) que podem alcançar mais de 1 m de diâmetro. As suas flores adquirem várias tonalidades e formas durante o seu ciclo de vida, beleza rara e que sobrevive apenas 48h.

O Parque Terra Nostra, encerra hoje em dia, uma das mais notáveis coleções do mundo de camélias, com mais de 600 exemplares, de diferentes espécies e cultivares, e também, se não a maior coleção, certamente uma das maiores coleções da Europa de Cycadales.

Em 2010 já foi possível observar a Victoria cruziana no Parque Terra Nostra, que se tornou assim, um dos únicos jardins de Portugal a possuir esta planta ao ar livre.

A grandiosidade e beleza ímpar do Parque deve-se sobretudo à constante ação dinâmica da Família proprietária, nomeadamente nas pessoas de Patrícia e Joaquim Bensaude.

É, efetivamente, a enorme preocupação e ansejo em preservar a majestosa beleza do Parque que move esta Família em envidar recursos na perpetuação deste património na história duma ilha que acolhe no seu seio esta referência paisagística, ponto obrigatório no roteiro turístico dos Açores.

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