Carta
Arqueológica
Conjunto
de moagens do vale da Ribeira dos Bispos
CRS:
309-A
Tipo
de Sítio: Agrícola
Localização:
São Miguel» Povoação» Lomba do Loução
Zona:
Ribeira dos Bispos
Meio:
Terrestre
Cronologia:
sécs. XVI-XX
A
5 de setembro de 2018, deu entrada, na Direção Regional de Cultura, uma
comunicação, intitulada: “Comunicação da existência de uma estrutura escavada
na rocha na freguesia de Nossa Senhora dos Remédios, Concelho da Povoação.”,
datando de 14 de dezembro de 2017. Essa comunicação dá conta da descoberta de
uma construção escavada em pedra, com duas portas de entrada, formando dois
compartimentos, ligados entre si por uma passagem escavada. No interior destes
compartimentos, refere a existência de nichos quadrangulares colocados junto ao
solo. Acresce uma menção à existência de marcas de fecho nas portas. Trata-se
de uma comunicação de descoberta de um sítio com “aparente interesse
arqueológico” (citação dos proponentes), pretendendo-se a sua inscrição na lista
do Património Arqueológico dos Açores.
Foi
organizada visita ao local, para realizar uma peritagem técnica e procurar
atestar a pretensão dos proponentes.
A
freguesia de Nossa Senhora dos Remédios faz parte do concelho da Povoação, na
ilha de São Miguel, tendo sido formada em 1957. As suas fronteiras geográficas
englobam duas “lombas” e um curso de água de considerável tamanho, conhecido
como Ribeira dos Bispos.
É
importante referir os motivos históricos que estão por detrás da origem dos
nomes destas duas “lombas”, atendendo a que, muito antes de ter sido criada a
jurisdição política e geográfica da freguesia, já estes lugares se encontravam
habitados. A “Lomba do Alcaide” remonta a sua origem toponímica aos “Alcaides
da Povoação”, que ali instalaram residência, durante o século XVII. A “Lomba de
João Loução” é referente a um indivíduo com esse nome que ali habitava no
século XVI, de acordo com o que nos relata Gaspar Frutuoso, na sua descrição
das terras que circundam a “Povoação Velha”, onde refere, a existência de, pelo
menos, um moinho de água, acrescentando que as condições hídricas daquele lugar
eram de qualidade suficiente para “moer azenhas”.
Remontando,
assim, a ocupação do espaço ao século XVI, importa referir, também, que a
Povoação corresponde à zona de primeira ocupação humana da ilha de São Miguel,
no segundo quartel dessa centúria.
A
partir do centro do povoado da atual freguesia de Nossa Senhora dos Remédios, é
possível aceder a um caminho agrícola, junto à Ribeira dos Bispos, que faz a
ligação a uma zona de vale, entre a “Lomba do Alcaide” e a “Lomba de João
Loução”, onde se situa a estrutura escavada na rocha referida pelos
proponentes.
A
visita ao local decorreu no dia 20 de setembro, tendo observado a existência de
uma parte da barreira, a nascente da Ribeira dos Bispos, que apresenta
vestígios de escavação por origem humana. Trata-se de uma estrutura com dois
compartimentos, conforme a informação apresentada pelos achadores, com duas
entradas recortadas na pedra (uma retangular e outra com formato semicircular
no topo e retangular junto ao chão), apresentando vestígios de madeira e
pregos, que indicam que ali tinham existido dois portões, recentemente. No
interior, registaram-se vários nichos, de diferentes formatos, ao longo do chão
da estrutura, e alguns ao nível do olhar (a cerca de 1,80 metros de altura),
que aparentam estar associados aos antigos portões de madeira, possivelmente
como suporte para um mecanismo de tranca. Os compartimentos estão ligados por
um nicho, escavado na pedra, de forma aproximadamente circular. Os nichos
variam em largura, entre 20 e 50 centímetros, com profundidades máximas de 30 a
40 centímetros.
Através
do contacto com os habitantes da zona circundante, a funcionalidade da
estrutura foi referenciada como tendo servido para apoio agrícola e zona de
arrumo de material de cultivo (enxadas, foices, etc). Alguns dos moradores mais
velhos afirmam que sempre se lembram da sua existência, o que indicia que ali
se encontra há, pelo menos, um século.
Uma
possível explicação para a criação de uma estrutura deste género, prende-se com
a existência de habitações e abrigos primitivos, por todo o arquipélago,
identificados em trabalhos como o de Francisco Carreiro da Costa, que refere
que durante o século XIX, muitas destas “cafuas escavadas nas barreiras e
algumas de razoáveis dimensões” ainda eram observáveis frequentemente, em Santa
Maria e São Miguel. São várias as referências a este tipo de construções
noutras ilhas dos Açores, apresentando funcionalidades variadas: cafuas
habitacionais (ilha das Flores), abrigos agrícolas (Faial) ou estruturas de
apoio agrário (Terceira).
Carecendo
de uma pesquisa documental mais detalhada, e de eventuais futuros trabalhos de
registo arqueológico, não é possível avançar com uma datação exata para esta
estrutura, na Ribeira dos Bispos. Todavia, a prospeção da área circundante, com
o apoio com a Junta de Freguesia de Nossa Senhora dos Remédios, revelou a
existência de um conjunto de imóveis que poderão explicar o seu enquadramento na
paisagem.
Ao
longo do caudal da ribeira, e em zona adjacente à estrutura, identificaram-se
cinco antigos moinhos de água, conjuntamente com uma levada e um espaço que
serviu em tempos como lavadouro público. Próximo da ligação do antigo caminho
agrícola ao povoado de Nossa Senhora dos Remédios, encontra-se um desses
moinhos, em razoável estado de conservação, pertença de proprietário privado,
que tem vindo a efetuar obras de manutenção, nos últimos anos (pretende
instalar ali uma habitação de alojamento local). Seguindo pelo caminho
secundário, que faz ligação à estrutura escavada na rocha, e indo em direção à
nascente da ribeira, registam-se outros quatro moinhos, em diferentes estados
de ruína, e vários troços da antiga levada que fazia funcionar as azenhas, bem
como pequenas pontes de pedra, parcialmente destruídas pela passagem do tempo.
Acresce a presença de uma antiga debulhadora (localmente apodada de “engenho”),
que funcionava, igualmente, com recurso à levada de água e que atualmente se
encontra musealizada, por iniciativa da Câmara Municipal da Povoação, e
museografia de Rui Sousa Martins (Museu do Trigo da Povoação).
O
vale da Povoação, e, em particular, a zona das “lombas”, sempre foi considerada
uma região de enorme fertilidade agrícola. Toda a zona que circunda a Ribeira
dos Bispos foi, historicamente, trabalhada em pequenas parcelas, arrendadas a
algumas das famílias mais ricas da Povoação, donas dos terrenos. Ali plantavam
diversas árvores de fruto, leguminosas e, principalmente, o trigo e, mais tarde,
o milho. A indústria cerealífera foi a base da economia do povoado, até meados
da segunda metade do século XX, sendo para tal fundamental a presença dos
moinhos, para transformação da matéria-prima. A atestar esta importância,
destacamos o topónimo “Canada das Covas”, na Lomba de João Loução, que indicia
a presença de antigos silos subterrâneo para o armazenamento de cereal,
entretanto desaparecidos.
A
abundância do produto agrícola, e o caudal volumoso e contínuo da ribeira,
levou a que funcionassem cinco azenhas todo o ano. De acordo com a pesquisa de
José de Almeida Mello: “(…) os moinhos de Germano Vieira, de António Amaral, de
Eduardo Frias, de José Virgínio e o da Canada da Ponte.” Para o funcionamento
destas indústrias, a ribeira foi canalizada, criando uma levada principal, com
subdivisões para cada uma das azenhas, e outra para a debulhadora, servindo
ainda como zona de lavadouro. Todo o complexo encontra-se, presentemente,
parcialmente abandonado.
O
cultivo intensivo desta área, remontando ao tempo de Gaspar Frutuoso, poderá
explicar a presença de estruturas escavadas na rocha, para abrigo agrícola, ou
apoio à atividade de cultivo, arrumos ou, possivelmente, associada à exploração
pecuária. O que é possível afirmar, após prospeção do terreno, é que todo o
vale da Ribeira dos Bispos corresponde a uma paisagem humanizada, com
estruturas de aproveitamento hidráulico com interesse patrimonial, associadas
ao cultivo dos terrenos férteis, base da vida económica do povoado de Nossa
Senhora dos Remédios.
Pedro
Parreira
Bibliografia:
CHAGAS,
Diogo (2007) – Espelho Cristalino em jardim de várias flores. Centro de Estudos
Doutor Gaspar Frutuoso – Universidade dos Açores e Direção Regional da Cultura;
FRUTUOSO,
Gaspar (1998) – Saudades da Terra, Livro IV, Instituto Cultural de Ponta
Delgada NETO, José Luís e PARREIRA, Pedro - Síntese do relatório das estruturas
escavadas no tufo da Caldeira das Lajes, Praia da Vitória, ilha Terceira;
MELLO,
José de Almeida (2007) – Retalhos de Memórias. 1957-2007. Junta de Freguesia de
Nossa Senhora dos Remédios, Povoação;
DA
COSTA, Francisco Carreiro (1989) – Etnologia dos Açores, volume 1. Câmara
Municipal da Lagoa, Lagoa, São Miguel.
Povoação, sexta-feira, 9
de novembro de 2018.
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