Com
35 anos abandonei definitivamente a minha Ilha! Foi num dia sem nome do mês de
setembro. Para trás ficou aquele pedaço de mim. Da janela do avião olhei para
baixo e disse-lhe adeus. Sempre que se diz adeus morre um pássaro, a terra
treme, teme-se perder! Algumas lágrimas bailavam, desesperadamente, nos meus
olhos.
Vinha
iniciar uma vida em terra que não era abraçada pelo meu mar. O Luís tinha 12
anos, a Maria cinco. Qualquer um de nós sustinha em si o anticiclone do
arquipélago.
Os
meus filhos são açorianos. Casada com um lisboeta que havia cumprido várias
comissões nas ilhas de São Miguel e Santa Maria, como oficial da marinha de
guerra portuguesa, tinha chegado o momento de deixar os Açores.
No
dia seguinte, iniciei uma vida neste Continente. Levei o Luís à sua escola
(ficava nas traseiras de nossa casa) e a Maria ao jardim de infância “A
andorinha”. O João embarcou como imediato do navio de treino Creola. Iniciei a
minha atividade letiva na Escola Secundária do Laranjeiro.
Recordo
este dia como se fosse hoje. Associo-o ao cheiro diferente que Lisboa tinha
aquando das viagens que fazia de férias. Estava a dar uma aula de Português e
aproximei-me da janela. Olhei aquele céu azul sem uma nuvem e como que numa
confusão de emoções deixei que a mente voasse. Terminei a aula abraçando um
aluno que, sorridente, me disse: Stora eu também sou açoriano, da ilha
Terceira! Olhei o rapaz e, por momentos, uni a minha alma ao pedaço de terra
que havia deixado na véspera. A partir desse momento apercebi-me que tinha de
encarar esta terra “emprestada” olhando-a, amando-a e procurando impregnar nela
a humidade e a simplicidade da minha ilha. Viver num Continente nada tem a ver
com a vida numa ilha. A alma dum açoriano é como que um cofre humedecido por
gotas de afeto e altruísmo.
Passaram
vinte e três anos. O Luís já tem 35 anos, a Maria 28 anos e o João já está
reformado. Eu continuo a exercer a minha profissão de professora do ensino
secundário. Amo os meus alunos e mantenho laços de profunda amizade com eles.
O
tempo passa velozmente e deixa riscos de saudade nos corações. Aqui tive de
perder um pedaço da minha inocência, tive de crescer interiormente e aprender a
ripostar nas filas, no supermercado, vivendo neste mundo com tanta gente mas…
tão solitário.
O cheiro a enxofre,
a maçaroca de milho cozido degustada nas Furnas; o meu mar
acinzentado ou azulado refletindo um estado interior… o cheiro a terra húmida…
o sorriso e a simplicidade de um bom dia “Senhora” transformaram-me numa mulher
nostálgica e saudosista.
Aspetos
positivos que saliento neste continente é o poder viajar, rapidamente, de
carro. Ir jantar a Madrid, por exemplo. Ir visitar com os alunos a célebre casa
da Joaninha no momento em que se está a dar Viagens Na Minha Terra ou fazer,
rapidamente, uma viagem pela Europa usando o carro.
Em
suma, continuo a sonhar com a minha ilha e é com um coração molhado que aterro
em S. Miguel passados tantos anos. A vida é bem efémera e, exatamente por isso,
aproveitemos tudo o que nos possa tornar crianças, regressar ao passado
sonhando com a bata branca, com o meu liceu Antero de Quental, com a casa de
meus pais, onde debruçada na varanda olhava aquela estrela no céu e segredava:
Um
dia hei-de viver em Lisboa!
E
assim se percorre a vida construindo castelos que, ao longo da estrada, se vão
desvanecendo em verdadeira nuvem de poeira.
Foi
para ti este texto!
Para
ti meu mundo sempre embalado pelo Mar.
26-03-2015
Fonte:
Mundo Açoriano
(Título
original: À descoberta de mim)
LUÍSA
LOPES DE ARAÚJO
Professora
do ensino secundário
Natural
de S. Miguel, residente em Lisboa
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