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sexta-feira, 27 de março de 2015

A ALMA DUM AÇORIANO É UM COFRE HUMEDECIDO POR GOTAS DE AFETO E ALTRUÍSMO

Com 35 anos abandonei definitivamente a minha Ilha! Foi num dia sem nome do mês de setembro. Para trás ficou aquele pedaço de mim. Da janela do avião olhei para baixo e disse-lhe adeus. Sempre que se diz adeus morre um pássaro, a terra treme, teme-se perder! Algumas lágrimas bailavam, desesperadamente, nos meus olhos.

Vinha iniciar uma vida em terra que não era abraçada pelo meu mar. O Luís tinha 12 anos, a Maria cinco. Qualquer um de nós sustinha em si o anticiclone do arquipélago.

Os meus filhos são açorianos. Casada com um lisboeta que havia cumprido várias comissões nas ilhas de São Miguel e Santa Maria, como oficial da marinha de guerra portuguesa, tinha chegado o momento de deixar os Açores.

No dia seguinte, iniciei uma vida neste Continente. Levei o Luís à sua escola (ficava nas traseiras de nossa casa) e a Maria ao jardim de infância “A andorinha”. O João embarcou como imediato do navio de treino Creola. Iniciei a minha atividade letiva na Escola Secundária do Laranjeiro.

Recordo este dia como se fosse hoje. Associo-o ao cheiro diferente que Lisboa tinha aquando das viagens que fazia de férias. Estava a dar uma aula de Português e aproximei-me da janela. Olhei aquele céu azul sem uma nuvem e como que numa confusão de emoções deixei que a mente voasse. Terminei a aula abraçando um aluno que, sorridente, me disse: Stora eu também sou açoriano, da ilha Terceira! Olhei o rapaz e, por momentos, uni a minha alma ao pedaço de terra que havia deixado na véspera. A partir desse momento apercebi-me que tinha de encarar esta terra “emprestada” olhando-a, amando-a e procurando impregnar nela a humidade e a simplicidade da minha ilha. Viver num Continente nada tem a ver com a vida numa ilha. A alma dum açoriano é como que um cofre humedecido por gotas de afeto e altruísmo.
Passaram vinte e três anos. O Luís já tem 35 anos, a Maria 28 anos e o João já está reformado. Eu continuo a exercer a minha profissão de professora do ensino secundário. Amo os meus alunos e mantenho laços de profunda amizade com eles.

O tempo passa velozmente e deixa riscos de saudade nos corações. Aqui tive de perder um pedaço da minha inocência, tive de crescer interiormente e aprender a ripostar nas filas, no supermercado, vivendo neste mundo com tanta gente mas… tão solitário.

O cheiro a enxofre, a maçaroca de milho cozido degustada nas Furnas; o meu mar acinzentado ou azulado refletindo um estado interior… o cheiro a terra húmida… o sorriso e a simplicidade de um bom dia “Senhora” transformaram-me numa mulher nostálgica e saudosista.

Aspetos positivos que saliento neste continente é o poder viajar, rapidamente, de carro. Ir jantar a Madrid, por exemplo. Ir visitar com os alunos a célebre casa da Joaninha no momento em que se está a dar Viagens Na Minha Terra ou fazer, rapidamente, uma viagem pela Europa usando o carro.

Em suma, continuo a sonhar com a minha ilha e é com um coração molhado que aterro em S. Miguel passados tantos anos. A vida é bem efémera e, exatamente por isso, aproveitemos tudo o que nos possa tornar crianças, regressar ao passado sonhando com a bata branca, com o meu liceu Antero de Quental, com a casa de meus pais, onde debruçada na varanda olhava aquela estrela no céu e segredava:
Um dia hei-de viver em Lisboa!

E assim se percorre a vida construindo castelos que, ao longo da estrada, se vão desvanecendo em verdadeira nuvem de poeira.

Foi para ti este texto!

Para ti meu mundo sempre embalado pelo Mar.

26-03-2015

Fonte: Mundo Açoriano

(Título original: À descoberta de mim)
LUÍSA LOPES DE ARAÚJO
Professora do ensino secundário

Natural de S. Miguel, residente em Lisboa

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