A
incontinência fecal caracteriza-se pela incapacidade de controlar os gases ou
as fezes (líquidas ou sólidas). Trata-se de um problema relativamente comum,
mas pouco referido, devido ao pudor do doente. É uma situação que se agrava com
a idade, podendo variar de perdas ligeiras de gases a perdas severas de fezes
líquidas ou formadas.
A
defecação é um ato extremamente privado pelo que a sua ocorrência em lugares e
ocasiões inaceitáveis, como acontece num quadro de incontinência fecal, é uma
situação altamente desagradável e derrotista que interfere de forma marcada com
a vida daqueles que dela sofrem. Muitos doentes vivem-na como um estigma e um
ferrete de desgraça social, sentindo que dificilmente existirá outro sintoma
tão perturbador. A imprevisibilidade da sua ocorrência, o embaraço que provoca,
transforma alguns destes pacientes em reclusos sociais. Confinados aos lares,
temerosos em visitar os vizinhos, amigos e mesmo familiares, acabam por perder
qualquer sentimento de auto-estima, para viver o terrível impacto psicológico
que tal acarreta.
Como
a incontinência fecal é sentida como uma vergonha, com os doentes relutantes em
se queixarem, torna-se difícil apreciar a sua verdadeira natureza e extensão,
não existindo dados epidemiológicos seguros relativamente à incidência e
prevalência. Julga-se, contudo, ser bastante superior aos valores atualmente
disponíveis, suspeitando-se que nos EUA possa atingir 6,5 milhões de pessoas.
Se só recentemente a comunidade médica se começou a aperceber da real magnitude
do problema e da forma incompleta de o abordar, pense-se o quão desconhecido é
para a grande maioria da população. Apesar de hoje em dia existirem
procedimentos cirúrgicos que tratam e curam estas situações, assiste-se, porém,
a um desconhecimento generalizado de tais possibilidades terapêuticas, pelo que
é imperiosa e obrigatória a sua divulgação.
Causas
Existem
muitas causas que podem provocar a incontinência fecal - traumáticas,
neurológicas, congénitas. As lacerações dos músculos que rodeiam o ânus (esfíncteres
anais) durante o parto são das mais frequentes. Partos prolongados podem,
também, provocar lesões dos nervos que estimulam os esfíncteres. Enquanto
algumas lesões são imediatamente reconhecidas e tratadas, outras só se
manifestam muitos anos depois, já na velhice. Por vezes, a incontinência pode
ser devida a acidentes graves ou a operações sobre a região anal, com lesão dos
esfíncteres. As infecções que ocorrem nesta área podem, igualmente, levar à
incontinência fecal. O mesmo sucede com o envelhecimento, em que existe uma
diminuição da força contráctil esfincteriana. Nalguns doentes, a diarreia pode
provocar uma necessidade imperiosa de defecar, incapaz de ser controlada pelos
músculos anais.
Diagnóstico
Uma
história clínica cuidadosa começará por esclarecer a causa mais provável:
partos múltiplos, prolongados, com fórceps, com o nascimento de bebés grandes e
pesados, com o recurso a uma episiotomia (corte), lesões traumáticas anteriores
(cirurgias anais, acidente de viação ou outros), má-formações ano-rectais
congénitas, determinadas doenças ou medicações. Segue-se a realização de um
exame da região ano-rectal, que deverá ser
complementado
por outros exames de diagnóstico: manometria ano-rectal (estudo das pressões
dos esfíncteres) e ecografia endo-anal (avaliação imagiológica da integridade
ou não da musculatura anal). Nalguns casos, por outro tipo de teste, será
necessário saber se a inervação dos esfíncteres está a funcionar adequadamente.
Tratamento
Os
problemas ligeiros podem ser tratados de uma forma simples com o recurso a
drogas obstipantes e com a mudança dos hábitos alimentares. Noutras situações,
poderão estar indicados exercícios para fortalecimento dos músculos desta área
através da eletro-estimulação ou pela realização de “biofeedback” (em que o
doente reaprende a defecar e controlar as fezes, além de fortalecer os
esfíncteres anais).
Nos
casos mais graves o tratamento é cirúrgico, através da reparação esfincteriana.
Quando, infelizmente, esta técnica de reparação local se revelou ineficaz ou, à
partida, não havia indicação para ser efetuada, é importante sublinhar que
existem hoje em dia alternativas à colostomia (“ânus artificial”). De facto,
mesmo as situações de incontinência severa podem ser tratadas com sucesso, recorrendo-se
à estimulação neuro-sagrada (ENS) ou à colocação de neo-esfincteres
(artificiais ou outros). Os avanços nos procedimentos terapêuticos são enormes,
numa linha de técnicas minimamente invasivas.
É
fundamental que o doente com incontinência fecal saiba que dispõe, atualmente,
de possibilidades de tratamento que lhe devolvem a qualidade de vida perdida.
Artigo
do Prof. João Pimentel, Presidente Eleito da Sociedade Portuguesa de
Coloproctologia.
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