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sábado, 30 de novembro de 2013

DE CASA VÍAMOS OS GOLFINHOS A ATACAREM CARDUMES DE PEIXES

«O Garrido tem que ir aos Açores conhecer S. Miguel!». Segui o conselho do Manuel e apaixonei-me pelas ilhas do Espírito Santo.

O Manuel das Vacas, como os colegas carinhosamente o tratavam, fora meu aluno na Universidade. A alcunha advinha do facto de ele se deslocar frequentemente ao porto de Lisboa para receber o gado que a família expedia para o Continente – chegava às aulas com um cheiro vacum!

O Manuel e eu tornámo-nos grandes amigos. Ele era então monitor na cadeira que eu regia.

Segui a sua exortação e voei com a minha mulher até São Miguel.

Os pais do meu amigo foram de uma grande simpatia e hospitalidade. Ficámos hospedados no centro de Ponta Delgada mas tivemo-los como generosos cicerones, que nos deram a conhecer algumas maravilhas da ilha, para nós totalmente desconhecidas, tais como a caldeirada de bacalhau, cozinhada debaixo da terra quente das Furnas ou a vista da Lagoa das Sete Cidades.

Nos já distantes anos setenta o ambiente político estava quente. Foram-me contadas muitas pequenas historietas e picardias, que eu pude confirmar pessoalmente quando fui comprar um queijo: «Pode vender-lhe o queijo, que é meu amigo!» - disse o meu acompanhante ao comerciante, que me tinha olhado de esguelha, quando ouviu a minha pronúncia lisboeta.

Voltámos aos Açores por volta de 1990 para revermos as azáleas e hortênsias de S. Miguel e conhecer outras ilhas.

Em S. Miguel ficámos hospedados nas instalações da universidade e alugámos um táxi para correr a ilha, sem esquecer de levar o fato de banho e o guarda-chuva.

Na Ilha Terceira sentimos a presença divina nos Impérios do Espírito Santo. Algo de místico e de telúrico nos envolveu. Assistimos ao despique entre os cantadores de diversas proveniências, na ilha que «entre todas é a primeira», como reza a letra de uma das cantigas Tivemos a sorte de visitar Angra do Heroísmo numa ocasião em que havia muita animação da cidade, ao som da chamarrita e dos olhos pretos. Presenciámos também a tourada à corda, depois de termos almoçado uma refeição de peixe no Clube Naval.

Viajámos de barco até à Ilha do Pico, que constituiu uma experiência muito mais radical do que ir de cacilheiro de Lisboa para Cacilhas.…

Em S. João provámos e comprámos o saboroso queijo do Pico.

Viajámos de avião para a Horta, onde aconteceu um episódio hilariante que eu conto muitas vezes. Desta vez um casal amigo acompanhou-nos na visita aos Açores. Ele, um comilão insofrido, com cerca de cento e quarenta quilos, queixava-se com fome. Depois de muita busca, lá encontrámos um restaurante. Pegando no menu, o nosso guloso amigo ficou mais tranquilo e encomendou um frango. Depois de termos esperado um tempo interminável, a empregada pousou um prato com uma codorniz em frente do nosso amigo, que barafustou tanto que temíamos que se sentisse mal. «Mas isto é um frango?!».

Voltei sozinho ao Faial várias vezes, a partir de Setembro de 1998, ano em que ocorreu um sismo que provocou algumas mortes e destruiu uma parte significativa das habitações, igrejas e infra-estruturas. Estava a terminar uma tese de doutoramento cujo tema era a economia das catástrofes e interessei-me sobre os acontecimentos que ocorreram na ilha, antes, durante e depois do abalo de terra.

Na última vez que visitei os Açores fiquei hospedado em casa de uma pessoa amiga, numa vivenda junto ao mar, entre a Caleira e Vila Franca do Campo. De casa víamos os golfinhos a atacar cardumes de peixes e as gaivotas rodopiando, à babugem das sobras da pescaria.

Uma má recordação foi a minha mulher ter sido mordida por uma água-viva; e ter que ser assistida no Hospital de Ponta Delgada. Em Vila Franca do Campo, onde ia fazer o penso, ela fez muitas amigas e apercebeu-se da generosidade das gentes açorianas. «Amanhã trago-lhe umas batatas da minha horta». - e trouxe mesmo.

Houve a feliz coincidência do meu amigo Manuel estar em S. Miguel. Convidou-nos para um jantar típico.

A última vez que estive com ele foi em Lisboa. Almoçámos os dois num restaurante da Rua do Alecrim.

Poucos meses depois soube da sua morte prematura, o que, não sendo surpresa, me transmitiu uma enorme sensação de perda e de desgosto. Mas os nossos amigos nunca morrem definitivamente, pois há uma parte deles que permanece no nosso coração.

Sempre que leio algo sobre os Açores, ou me vêm à memória as minhas visitas às ilhas mágicas, o Manuel está presente.

Penso voltar brevemente aos Açores com uns amigos madrilenos. Ficaram entusiasmados com a descrição que eu e minha mulher lhes fizemos.

Desta vez iremos às Flores, porque, entretanto, as minhas lides literárias permitiram-me conhecer uma escritora maravilhosa nas letras e como pessoa. Vai-nos mostrar a ilha.

Agora, só falta resolver aqueles pequenos grandes detalhes em que os sexagenários portugueses e espanhóis tropeçam: enfermidade em Madrid, doença em Lisboa, mas tudo se há-de compor, sob a inspiração do Senhor Espírito Santo.

(Título original: Açores, 1976)
CARLOS GARRIDO
Economista, Professor associado no IADE
Natural de Lisboa, residente em Almada

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