«O Garrido tem que
ir aos Açores conhecer S. Miguel!». Segui o conselho do Manuel e apaixonei-me
pelas ilhas do Espírito Santo.
O
Manuel das Vacas, como os colegas carinhosamente o tratavam, fora meu aluno na
Universidade. A alcunha advinha do facto de ele se deslocar frequentemente ao
porto de Lisboa para receber o gado que a família expedia para o Continente –
chegava às aulas com um cheiro vacum!
O
Manuel e eu tornámo-nos grandes amigos. Ele era então monitor na cadeira que eu
regia.
Os
pais do meu amigo foram de uma grande simpatia e hospitalidade. Ficámos
hospedados no centro de Ponta Delgada mas tivemo-los como generosos cicerones,
que nos deram a conhecer algumas maravilhas da ilha, para nós totalmente
desconhecidas, tais como a caldeirada de
bacalhau, cozinhada debaixo da terra quente das Furnas ou a vista da Lagoa
das Sete Cidades.
Nos
já distantes anos setenta o ambiente político estava quente. Foram-me contadas
muitas pequenas historietas e picardias, que eu pude confirmar pessoalmente
quando fui comprar um queijo: «Pode vender-lhe o queijo, que é meu amigo!» -
disse o meu acompanhante ao comerciante, que me tinha olhado de esguelha,
quando ouviu a minha pronúncia lisboeta.
Voltámos
aos Açores por volta de 1990 para revermos as azáleas e hortênsias de S. Miguel
e conhecer outras ilhas.
Em
S. Miguel ficámos hospedados nas instalações da universidade e alugámos um táxi
para correr a ilha, sem esquecer de levar o fato de banho e o guarda-chuva.
Na
Ilha Terceira sentimos a presença divina nos Impérios do Espírito Santo. Algo
de místico e de telúrico nos envolveu. Assistimos ao despique entre os
cantadores de diversas proveniências, na ilha que «entre todas é a primeira»,
como reza a letra de uma das cantigas Tivemos a sorte de visitar Angra do
Heroísmo numa ocasião em que havia muita animação da cidade, ao som da
chamarrita e dos olhos pretos. Presenciámos também a tourada à corda, depois de
termos almoçado uma refeição de peixe no Clube Naval.
Viajámos
de barco até à Ilha do Pico, que constituiu uma experiência muito mais radical
do que ir de cacilheiro de Lisboa para Cacilhas.…
Em
S. João provámos e comprámos o saboroso queijo do Pico.
Viajámos
de avião para a Horta, onde aconteceu um episódio hilariante que eu conto
muitas vezes. Desta vez um casal amigo acompanhou-nos na visita aos Açores.
Ele, um comilão insofrido, com cerca de cento e quarenta quilos, queixava-se
com fome. Depois de muita busca, lá encontrámos um restaurante. Pegando no
menu, o nosso guloso amigo ficou mais tranquilo e encomendou um frango. Depois
de termos esperado um tempo interminável, a empregada pousou um prato com uma
codorniz em frente do nosso amigo, que barafustou tanto que temíamos que se
sentisse mal. «Mas isto é um frango?!».
Voltei
sozinho ao Faial várias vezes, a partir de Setembro de 1998, ano em que ocorreu
um sismo que provocou algumas mortes e destruiu uma parte significativa das
habitações, igrejas e infra-estruturas. Estava a terminar uma tese de
doutoramento cujo tema era a economia das catástrofes e interessei-me sobre os
acontecimentos que ocorreram na ilha, antes, durante e depois do abalo de
terra.
Na
última vez que visitei os Açores fiquei hospedado em casa de uma pessoa amiga,
numa vivenda junto ao mar, entre a Caleira e Vila Franca do Campo. De casa
víamos os golfinhos a atacar cardumes de peixes e as gaivotas rodopiando, à
babugem das sobras da pescaria.
Uma
má recordação foi a minha mulher ter sido mordida por uma água-viva; e ter que
ser assistida no Hospital de Ponta Delgada. Em Vila Franca do Campo, onde ia
fazer o penso, ela fez muitas amigas e apercebeu-se da generosidade das gentes
açorianas. «Amanhã trago-lhe umas batatas da minha horta». - e trouxe mesmo.
Houve
a feliz coincidência do meu amigo Manuel estar em S. Miguel. Convidou-nos para
um jantar típico.
A
última vez que estive com ele foi em Lisboa. Almoçámos os dois num restaurante
da Rua do Alecrim.
Poucos
meses depois soube da sua morte prematura, o que, não sendo surpresa, me
transmitiu uma enorme sensação de perda e de desgosto. Mas os nossos amigos
nunca morrem definitivamente, pois há uma parte deles que permanece no nosso
coração.
Sempre
que leio algo sobre os Açores, ou me vêm à memória as minhas visitas às ilhas
mágicas, o Manuel está presente.
Penso
voltar brevemente aos Açores com uns amigos madrilenos. Ficaram entusiasmados
com a descrição que eu e minha mulher lhes fizemos.
Desta
vez iremos às Flores, porque, entretanto, as minhas lides literárias
permitiram-me conhecer uma escritora maravilhosa nas letras e como pessoa.
Vai-nos mostrar a ilha.
Agora,
só falta resolver aqueles pequenos grandes detalhes em que os sexagenários
portugueses e espanhóis tropeçam: enfermidade em Madrid, doença em Lisboa, mas
tudo se há-de compor, sob a inspiração do Senhor Espírito Santo.
(Título
original: Açores, 1976)
CARLOS
GARRIDO
Economista,
Professor associado no IADE
Natural
de Lisboa, residente em Almada
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