Estar
é a dimensão humana do Ser que é Deus. Ele simplesmente é. “No princípio era o
Verbo! E o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus!” ( João, 1,1).
A
grandeza deste Dia do Senhor, em Ponta Delgada, perante a Sua Imagem que
diviniza o humano, nAquele rosto sofrido de serenidade e paz, que hoje se
mostra em trono luzente de ouro e flores, incenso e ritos, tem a Sua plenitude
na Palavra que atravessa o tempo e os lugares e caminha no coração de cada
pessoa, de cada homem e de cada mulher, tocados pela Fé e pela tradição,
independentemente de origem ou condição.
Das grades do Coro-baixo do Santuário da Esperança, o culto ao Senhor Santo Cristo espalhou-se pelo Mundo inteiro, onde há um açoriano, precisamente porque a Palavra não é para ficar fechada, mas para ser testemunhada.
Este
sentimento que todos temos dentro de nós e que se revela com a palavra saudade
nas ausências a que somos obrigados multiplica a dor e aumenta a Fé, não no
Deus que é, mas no Deus que está, à nossa humilde dimensão, na bela
representação escultórica que é a imagem do Ecce Homo de Ponta Delgada.
Com
este texto está uma foto. Foi-me mandada por uma pessoa amiga, cujo nome não
tenho receio de revelar aqui: Carlos A. C. César, colaborador deste jornal
Correio dos Açores, que na capital tem estado, por motivo de doença que ainda
obriga a sair da Região, mesmo em tempo de festa, mesmo em dias do Senhor Santo
Cristo dos Milagres. Ele, como muitos outros, ao longo de todos estes anos, ao
longo de toda a nossa história. E aqui está. Com que sentimento, com que
alegria e com que saudade se encontra um altar dedicado ao Senhor Santo Cristo,
em plena cidade de Lisboa!
Segundo
ele próprio me disse, o altar que a foto mostra é montado na igreja de Nossa
Senhora da Vitória, que fica localizada na baixa de Lisboa, Rua da Vitória, uma
das transversais à rua Áurea que liga com a estação do metro “Baixa
Ciado". E isto devido à devoção de um colaborador daquele templo, de nome
Francisco, natural da Ilha Terceira, segundo o qual esta tradição começou há
cerca de uma dezena de anos, desde que se deixou de fazer a festa que era
promovida pela Casa dos Açores na Capela da Senhora da Conceição, na Rua da Alfândega,
perto da Praça do Comércio.
O
que interessa, e seguindo o atento e comovido relato de Carlos A. C. César, é
que desde o primeiro dia, esta iniciativa teve muita adesão por parte das
pessoas, e segundo o seu impulsionador, é hoje a festa que mais gente reúne
naquela Igreja da Vitória, onde se realiza no Sábado do Senhor, com a oração do
terço seguido de Eucaristia solene.
É,
pois, natural, o desabafo do autor da foto : “Caro amigo, estando em Portugal,
senti hoje os mesmos sentimentos dos nossos emigrantes quando longa da sua
terra e vêem qualquer “coisa” que os liga à terra, emoção, saudade, alegria…”
Ao
longo da minha vida de jornalista, nestes mais de quarenta anos ligado aos
jornais e de forma muito especial ao Correio dos Açores, já escrevi sobre muitas
situações e já vivi muitas outras, em que o culto ao Senhor Santo Cristo se
mistura com o quotidiano das pessoas, como Sol oculto em dia de chuva, mas que
lá está sempre porque é a origem, o fundamento e a razão de ser de toda a
existência. Já vi, na Lagoa, arder uma casa e ficar na parede, intacto um
pequeno quadro com a imagem do Senhor Santo Cristo. Já vi a morte de meu irmão,
no Hospital do Divino Espírito, segundos depois de sobre ele ter sido estendido
o manto do Senhor Santo Cristo. E no meu longo internamento de quase dois anos
em Alcoitão, passei a dor da ausência nestes dias de festa, quando ainda não
havia transmissões na net que nos permitissem seguir os momentos mais
emblemáticos da Festa. E dois dias depois, quando recebemos o jornal, com o
Suplemento especial da Festa do Senhor, ele andou de mão em mão, por todos os
açorianos ali internados e não só, como se de coisa sagrada se tratasse. E
muitos continentais puderam ver a fé e o carinho com que esta devoção é sentida
pela gente das nossas ilhas.
Por
isso, senti e emocionei-me, ao ver numa rede social a foto de Carlos A. C.
César que me inspirou este texto. Porque eu sei e sinto que Deus nunca falta se
a Fé não faltou, como se canta no Hino do Santíssimo, e conheço que as
manifestações de devoção à Imagem do Ecce Homo não se julgam pela Teologia, nem
pelos ditames pastorais. Apenas se regem pelo coração de cada um ou de cada
uma, numa relação directa com Deus.
Eu
aqui deixo a Teologia para os teólogos e prefiro permitir que o meu coração seja
um coração de criança que confia plenamente no pai e na mãe e sinto que no
Senhor há a autoridade do Pai e o desvelo de Mãe.
Já
escrevi e repito aqui agora. Para quem está longe, seja por que motivo for,
saúde, vida, emigração, pobreza, família, pranto ou riso, o Senhor Santo Cristo
sai das grades do Convento mas não sai da grade da saudade que sufoca mais do
que qualquer sofrimento. Simplesmente que aquele Senhor tão sofrido na História
apenas quer que se construa uma História com menos sofrimento. E este seria o
grande milagre do Tempo Novo, em que assenta a nossa Esperança de quem acredita
num Deus Ressuscitado, que a todos dá Vida, e sentido para as dores que a vida
nos traz!
Na
Tua imagem Senhor,
Louvor
e glória s’encerra!
Rei
e Mestre do Amor,
Deus
do Céu descido à Terra.
Todos
Te cantam vitória
Todos
fixam Teu olhar…
Todos
guardam na memória
Esta
bondade sem par.
E
por tudo te agradeço
Rei
de paz e Deus de luz.
Sei
que olhar-Te não mereço
Olha-me
tu, ó Jesus!
No
Teu trono és imenso
Revestido
de mil flores,
Perfumado
de incenso
E
do olhar dos pecadores.
No
Teu doce coração
Quando
surge a tempestade
Há
sempre uma oração
Que
nos traz felicidade!
És
a Glória do teu povo,
Santo
Cristo desta terra.
Faz
do mundo um mundo novo
Faz
que a paz nasça da guerra!
Santos
Narciso
Fonte:
Publicado ontem no Suplemento do Jornal Correio dos Açores
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