Os
Açores são a minha terra natal, onde vivi até aos trinta anos. Tendo nascido nas Furnas, ilha de São Miguel,
onde passei nove anos, até à instrução primária, as imagens das caldeiras e a
vivência sobressaltada dos sismos frequentes ainda permanecem nítidas no meu
espírito: o odor do enxofre, os passeios à Água Azeda, a alegria compensatória
de escapar à escola, nesses dias em que a terra tremia, a presença quotidiana
da chuva, a humidade elevada, as brincadeiras e correrias pelos vales e
ribeiras, a companhia luxuriante da vegetação, os passeios de triciclo, as
visitas já notórias dos turistas, a vocação da freguesia para hospedar os
visitantes, a consciência da aprendizagem de saberes e competências, a
descoberta do cinema, o contacto com o mundo e os agentes da música, a
iniciação à experiência religiosa e mística, muito ligada à piedade popular, a
ajuda nos trabalhos das colheitas, a limpidez da água potável e a
extraordinária variedade das águas minerais, a riqueza diária do peixe fresco
na alimentação…
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Mas
da ilha Terceira, sim: foram doze anos de Seminário, em Angra, mais dois em
momento posterior. Foi toda uma aprendizagem humana, nas letras e nas ciências,
na música e no teatro, na arte de declamar e cantar, na iniciação à escrita e
ao piano, para além de uma formação integral, no carácter e na disciplina, no
exercício físico e desportivo. A alegria contagiante da população festeira, bem
patente nas touradas, não poderia deixar de marcar esses anos. Mas também a
vivíssima e turbulenta repercussão do primeiro ano da revolução do 25 de Abril,
com o envolvimento no mundo da política, em reuniões e manifestações, na direção
do semanário O Trabalhador, cuja sede foi incendiada por ativistas da FLA, em
17 de Agosto de 1975. Tal envolvimento valeu-me o exílio, por exigência dessa
organização, tendo embarcado a 22 desse mês para Lisboa, onde ainda vivo.
Registo também a experiência como professor provisório da Escola Industrial e
Comercial de Angra, principalmente o contacto com os alunos, mas também com os
colegas. O vaivém das viagens nos navios da Insulana tinha o encanto mágico da
chegada das férias estivais e do convívio familiar, tão saudoso, devido ao
precoce desenraizamento operado pela partida para o Seminário.
Das
outras ilhas, com exceção das Flores e Corvo, que só conheci em 1996, em
férias, tenho a grata lembrança dos acampamentos do escutismo, no Clã 25 Bento
de Góis, do Seminário de Angra, para além do contacto com os colegas delas oriundos.
A beleza majestática do Pico, visto do Faial ou de S. Jorge, a negritude
vulcânica das suas pedras, perpassando nos vinhedos dos mistérios e nas
fachadas das suas casas típicas, o deslumbrante panorama das ilhas centrais,
desfrutado do cimo da montanha, permanecem vivos na minha memória. O mesmo se
diga da elegante menina que é a cidade da Horta, do grande lagarto montanhoso
que é a ilha de S. Jorge, ou da delicada formosura da ilha Graciosa, fazendo
jus ao seu nome. Pena a enorme distância geográfica que separa o conjunto das
ilhas açorianas e impede um maior convívio entre os seus habitantes, bem como
uma maior consciência de pertença a um arquipélago e a uma região,
ultrapassando tradicionais rivalidades. Com efeito, a distância no espaço e no
tempo faz-nos vislumbrar com maior clareza os nossos próprios defeitos e os
daqueles que amamos.

Os
anos foram voando, os Açores foram-se transformando e desenvolvendo. Raras
oportunidades se me depararam para regressar, em férias ou em congressos
científicos, à minha terra de origem, o que lamento. De qualquer modo, tais
visitas, ainda que breves, têm-me permitido não apenas “matar saudades”, mas
também observar e aquilatar as principais transformações operadas na Região.

(Título
original: Memórias de infância e juventude)
ANTÓNIO MANUEL DE
ANDRADE MONIZ
Professor
aposentado da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, membro investigador do CHAM-UNL/UAç e do CLEPUL
Natural
de S. Miguel, residente em Parede, Cascais
Fonte:
Mundoaçoriano
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