Luiz
António de Assis Brasil, o atual Secretário de Estado da Cultura do Rio Grande
do Sul, do Brasil, esteve de férias na Povoação, durante o mês de fevereiro.
Luiz
António de Assis Brasil é também professor universitário e escritor, com 19
livros publicados, alguns deles foram já adaptados para o cinema, tendo
igualmente recebido vários prémios literários pela obra publicada.
Da
sua passagem pela Povoação publicou, recentemente, no Jornal Brasileiro “Zero
Hora”, cuja tiragem ascende quase a 200 mil exemplares diários, uma crónica
sobre o que o impressionou e que abaixo transcrevemos:
A
IGREJA DA POVOAÇÃO
Há um lugar de sonho,
e nele, uma igreja. Fica na ilha de São Miguel, nos Açores. É uma vila situada
na costa Sul, a mais propícia aos bons ventos. O lugar chama-se Povoação, e
isso por um fato: ali se começou a povoar a ilha, em meados do século 15.
Situada numa calha entre montanhas que se despeja no Atlântico Norte, a
Povoação sofre enxurradas cíclicas, que podem levar a destruições e mortes. Nem
por isso seus habitantes se revoltam ou se mudam dali. Sabem que as catástrofes
naturais estão em toda a parte. As suas, até que são pequenas, e talvez seja o
preço a pagar por viverem nesse éden terrestre.
Ali, o tempo não corre
no mesmo ritmo nosso. É um tempo histórico e mítico. Mas não se pense em
estagnação, pois seus moradores desfrutam plenamente a nossa era. O que os distingue
é essa sensação peculiar de pertencimento a um espaço em que as épocas se
cruzam e convivem.
O povoacence, quando olha para o mar, tem a
montanha às suas costas. Sabe que seu ambiente existencial é exíguo, mas sua
alma alarga-se ao mundo. Todos têm pessoas queridas nas Américas, na África, na
Austrália, no Oriente, e por isso sua saudade é grande; mas sua alma é maior do
que as distâncias.
Na Povoação há uma bela Matriz, ampla,
soberana, mas também uma pequena igreja à beira-mar, dedicada a Nossa Senhora
do Rosário. Tal como todas nesse esplêndido arquipélago vulcânico, sua torre
sineira, suas colunas, coruchéus, ombreiras, vergas e frontões decoram-se por
cantaria de basalto negro. Aproximemo-nos da sua fachada Sul. Apertemos os
olhos. Lemos, num medalhão, o ano: MD, o mesmo em que Cabral chegou às terras
brasileiras. À distância, essa igreja soube de nossa breve história, das
Capitanias Hereditárias, do vice-Reino, do Reino, do primeiro Império, do
segundo Império, da República, e assim chegou ao século 21. E a igreja ali,
impávida, com o legítimo orgulho de quem se sabe indestrutível. Os moradores da
Povoação deixaram-na como nova, e é um gosto sentar-se, na penumbra e na
quietude, ouvindo as tantas vozes que ali ressoaram, as prédicas que se escutaram,
os réquiens dolorosos, as celebrações festivas dos batizados e casamentos.
Num lugar de sonho, numa ilha açoriana, uma
pequena igreja dá testemunho de nossa humanidade e por isso é ainda mais bela a
nossos olhos encantados.
É
muito estimulante para os povoacenses ler opiniões como estas, ainda mais
quando redigidas por gente tão ilustre.
Fonte: Gabinete
de Comunicação e Imagem da Câmara Municipal da Povoação
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