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quarta-feira, 1 de março de 2023

A CRIAÇÃO DE PORCOS PARA AUTOCONSUMO | FREGUESIA DE Nª SR.ª DOS REMÉDIOS

Era frequente encontrar em todas as casas de família, nas Lombas de João Loução e do Alcaide, porcos em currais, para serem mortos no final de cada ano, fazendo parte da autossubsistência das famílias. Assim, todos os anos matavam um ou dois porcos, de acordo com a família e de acordo com os seus rendimentos. Havia quem criasse porcos pretos ou vermelhos, que eram alimentados com milho, farinha de milho amarelo, lavagem e verduras colhidas pelos campos ou quintais. Quando se matava um porco, comprava-se de imediato outro para o ano seguinte, de forma a garantir a próxima matança.

Geralmente, os currais, onde os porcos eram criados, ficavam junto à habitação da família, havendo, por vezes, a designada «Casinha» ou «Retrete», onde a família fazia as suas necessidades fisiológicas, sendo estas descarregadas diretamente para o curral, onde o porco se encontrava.

A Matança do Porco

Foto de: Um Olhar Povoacense

A matança do porco acontecia sempre ao romper do dia, quando os donos da casa recebiam as pessoas que vinham ajudar. Deste modo, um grupo de homens e de rapazes novos, pouco a pouco, uns a seguir aos outros, iam-se agrupando junto à casa onde se ia realizar a matança. Enquanto não estava tudo preparado, alguns fumavam cigarros de folha de milho, enquanto o dono da casa oferecia um mata-bicho a todos os convidados. Quando tudo estava preparado, os homens iam ao curral onde estava o animal e com algum custo tentavam trazê-lo para o banco, para aí ser morto. Por vezes, alguns animais fugiam e ofereciam alguma resistência, mas por fim, já cansados eram levados ao banco para a viagem fatal.

O Matador

Foto de: Um Olhar Povoacense

Nem toda a gente sabia matar o porco. Mas era sempre possível encontrar alguns homens que o sabiam fazer e, deste modo, eram convidados para muitas matanças, uma vez que a ele cabia a tarefa de enfiar a uma longa e delgada faca no pescoço do animal, enquanto alguém, anteriormente, já tinha passado com água quente esta zona do corpo, bem como o focinho, para limpar impurezas. No momento em que o matador enfiava a faca no animal, outros seguravam-no, sob um banco de madeira, enquanto que uma mulher segurava um alguidar, para colocar o sangue que escorria, mexendo-o ao mesmo tempo, para este não coalhar.

Chamuscar

Foto de: Um Olhar Povoacense

Depois do porco morto, era imediatamente canalizado para um dos lados do banco e aí era «chamuscado». «O chamusco» consistia em colocar, sob o porco morto, palha de trigo, urze ou ramos de criptoméria e largar fogo para retirar os pelos ao porco, bem como uma ligeira camada de pele. Mais tarde, passou-se a usar o maçarico a gás, e em ambos os casos, passava-se uma faca ou raspadeira, para retirar os pelos ao animal.

Abrir o Porco

Foto de: Um Olhar Povoacense

Abrir o porco, depois de morto e de «chamuscado», era para quem o sabia fazer, uma vez que haviam determinados cortes e procedimentos que eram feitos de acordo com a experiência adquirida e transmitida ao longo de centenas de anos ou mesmo milhares. Por isso, quem fazia o trabalho era, e é, um bom conhecedor da tarefa.

Pendurar

O porco, depois de morto e aberto, tinha de ficar cerca de 24 horas pendurado na trave para arrefecer. Só depois, poderia ser dividido aos pedaços, de acordo com as carnes que se pretendia. Assim, era comum encontrar dentro da própria casa de habitação, ou num anexo, o porco pendurado numa trave. Para afastar as moscas, o lavrador das lombas enfiava no animal verduras e havia quem colocasse flores da época, como as camélias.

Atividade e Obrigações Diferenciadas – Homens e Mulheres

A matança do porco era acima de tudo uma grande festa. Amigos e familiares uniam-se à volta de um animal já morto e que iria servir de alimento à família proprietária. Como tal, existiam trabalhos diferenciados para homens e mulheres. Assim, aos homens cabia matar o porco, fazer o «chamusco», abrir e retalhar o animal e pendurá-lo na trave, onde ficava até ao dia seguinte. Terminadas estas tarefas, os homens envolvidos iam para a mesa, onde eram servidos pelas mulheres.

Por seu turno, às mulheres competia picar a salsa e a cebola, preparar as comidas, pôr a mesa para o almoço, lavar as tripas, picar a carne, fazer os enchidos e o fumeiro e, depois, derreter as gorduras no fogueiro do lar, por debaixo da chaminé, entre outras atividades. Por fim, é de salientar que as mulheres comiam separadas dos homens.

Bexiga do Porco

A matança tinha também o seu encanto para as crianças do sexo masculino. Os rapazes que estavam na matança esperavam pela bexiga do porco que, depois de ser retirada da barriga do animal, era enchida com ar, através de um canudo de cana. Uma vez cheia, a abertura era atada com um barbante e esta era colocada perto do fogo para secar e ficar vidrada. Depois, a bexiga era entregue aos rapazes. Fazendo uma algazarra, estes brincavam com ela na rua de terra, como se fosse uma bola de futebol.

O Rabo do Porco

Quando se matava o animal e este era colocado no chão do curral ou da rua, ou seja, no local onde tinha a matança, antes do início do «chamusco», alguém ia com uma navalha e cortava o rabo do porco e, de uma forma discreta, colocava nele um arame em forma de gancho, para ser colocado numa fivela das calças de um dos homens que tratavam do «chamusco», ficando este com a cauda do porco, enquanto não a descobria. Os outros homens riam-se e diziam alguma piada sobre o adereço.

Lavar Tripas na Ribeira

Numa matança de porco tudo era aproveitado, nada ia para o lixo. As tripas do porco eram colocadas num alguidar, onde se retiravam os excrementos, para depois serem lavadas e limadas na Ribeira dos Bispos. Havia também quem fosse para as levadas dos moinhos de água, ou para as margens da citada ribeira, uma vez que ocorriam muitas matanças no mesmo dia.

Geralmente, eram as mulheres que iam para a ribeira ou levada, bem como as raparigas novas. Enquanto iam lavando com limão e farinha as tripas, para mais tarde serem utilizadas nos enchidos, conversavam e cantavam.

Visitas

Foto de: Um Olhar Povoacense

Como já foi referido, na Freguesia de Nossa Senhora dos Remédios, muitas pessoas faziam a matança do porco no mesmo dia, normalmente, era uma semana antes do Natal, para ficarem com uma fartura de alimentos para a festa. Deste modo, era comum, nestas duas lombas, amigos e vizinhos visitarem-se neste dia, afim de verem o porco morto. Nas Casas rurais e simples dos habitantes das lombas, tomavam-se as bebidas típicas da altura, como era o caso da aguardente, do vinho de cheiro e dos licores caseiros, ao mesmo tempo que se petiscavam torresmos, feitos no dia. Por vezes, também cantavam ao desafio, quadras populares, que eram dedicadas aos donos das casas.

Derivados do Porco 

Banha

Foto de: Um Olhar Povoacense

Tudo era aproveitado quando se matava um porco em casa. A gordura do animal era cortada aos pedaços e colocada numa panela até derreter e ser transformada num líquido, que depois era colocado em caçarolas, para ser utilizado, durante o ano, na confeção da gastronomia local. A banha também servia para conservar as morcelas e os chouriços.

Toucinho

O toucinho do porco era utilizado para fazer banha, ou para salgar aos pedaços. Deste modo, juntava-se sal ao toucinho, às camadas, numa balsa e, mais tarde, ia sendo retirado para cozinhar e alimentar a família. Havia também o toucinho fumado que, como o próprio nome indica, era temperado com sal e pimenta, ficando sob o fumo do braseiro durante algum tempo.

«Couros»

Foto de: Um Olhar Povoacense

Quando retalhavam o porco, em algumas casas, retiravam a pele do animal para fazerem “couros”. Assim, em pequenos pedaços, a pele do porco era colocada dentro de uma panela, onde derretia até ficar seca, enrolada e dura. Este derivado do porco chamava-se “couro” e era muito apreciado pelos rapazes e raparigas durante estes dias de matança.

Enchidos / Morcelas e Chouriços

Outros derivados do porco eram os enchidos, como é o caso das morcelas e dos chouriços.

As morcelas eram, e continuam ser, feitas do sangue do porco recolhido junto ao banco onde o animal era morto, num alguidar, com uma pá para ir mexendo, para o sangue não coalhar. Depois, o sangue era misturado com salsa e cebola, havendo ainda quem misturasse arroz e erva doce. Preparada a calda da morcela, esta era canalizada para as tripas provenientes do mesmo porco. As mulheres enchiam com um funil destinado para esse fim. O passo seguinte era pegar nas morcelas, já enchidas e atadas em ambas as extremidades, e levá-las à panela, afim de serem cozidas, indo daqui para o fumeiro, durante um curto período de tempo.

Texto extraído do livro Retalhos de Memórias de José de Almeida Mello (Comemorações das Bodas de Ouro da Freguesia de Nossa Senhora dos Remédios - Povoação | 1957-2007)

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