Não podemos nem devemos omitir o nome de um homem que tem jus a figurar na nossa história, por ser o criador e grande impulsionador das brilhantes e invulgares ornamentações, internas e externas, das festas e procissões do Corpo de Deus, na Povoação.
Os «Arcos triunfais»; o «Pavilhão», do Largo do Município; os desenhos dos tapetes de flores que ainda hoje se exibem naquela procissão, devem-se a Francisco de Freitas.
Nascido em Ponta Delgada, a 8 de outubro de 1872, Francisco de Freitas frequentou aulas de desenho e de pintura na antiga Escola de Desenho Industrial «Gonçalo Velho Cabral» (1) desta cidade, vindo em 1899, aos 27 anos de idade, para a Povoação, pintar a Igreja Paroquial de Nossa Senhora Mãe de Deus.
Tanto gostou da Povoação que fez dela a sua terra natal adotiva e dois anos após a sua vinda, consorciara-se com uma povoacense, no ano de 1901, vivendo com entranhado amor vinte e um anos na terra que adotara e sempre ao serviço dela.
Criara amizades com as pessoas importantes do lugar e desenvolveu a sua atividade artística por todas as Igrejas do Concelho e muitas de fora dele.
O Salão Nobre dos Paços do Concelho, ainda hoje está decorado por suas mãos, o mesmo acontecendo à sala de audiências do Tribunal Judicial da Povoação.
Muito ficou devendo a Povoação a Mestre Chico Pintor, (como era, então vulgarmente, conhecido) quer nas decorações internas do templo, quer na criação das ornamentações exteriores das festas e procissões do Corpo de Deus, nas quais introduzia, todos os anos, motivos ornamentais novos.
São do Livro do Tombo, do ano de 1913, descrevendo a festa e procissão do Corpo de Deus, as palavras que aqui vamos reproduzir.
Dizem elas assim:
“O templo apresentou-se com as suas melhores galas, enfeitado de verduras e flores, pondo uma nota alegre e festival como há anos não se via. O serviço de ornamentação deve-se na sua maior parte ao pintor Francisco de Freitas que todos os anos apresenta novidades dignas de nota”.
E acrescenta aquela notícia:
“A deste ano consistiu em seis escudos grandes, pregados nas colunas da igreja.”
E em tantas outras e ainda em todas as manifestações artísticas da Povoação, Francisco de Freitas marcou, sempre, lugar de inconfundível destaque.
No teatro de amadores, que no seu tempo marcou um lugar de distinção, Francisco de Freitas não voltou, ainda hoje, a ser substituído.
Artista de sensibilidade requintada, deixou trabalhos de pintura, como já disse, nas várias igrejas desta ilha, donde, em todas elas, imprimia garra de Mestre.
Nenhuma manifestação de arte e bom gosto era feita sem que o «Chico Pintor» fosse o seu criador e executor sem igual.
Um dia, pintava ele, na Vila do Nordeste. Estávamos no final do ano se 1912.
Logo ali se organizara um grupo de amadores teatrais representando, entre outras, a comédia intitulada “Hospedaria do Tio Anatásio”, onde trabalhavam as melhores famílias daquela Vila.
A propósito, vamos transcrever de O Nordestense, semanário da Vila do Nordeste, que então se publicava na Vila da Povoação, o que, a tal respeito, no seu n.º 1, Ano 25º (2ª Série) de 5 de dezembro daquele ano, de lá, se escreveu:
“Meu caro Redator.”
“Como sabes, nos dias 16 e 17 de novembro passado, um grupo de rapazes cheios de vida, com fim de quebrar a falta de divertimentos, a insipidez desta terra, pôs em cena algumas comedias próprias de principiantes e o nosso público teve a amabilidade de aplaudir, com certo entusiasmo, os diferentes e despretensiosos interpretes.”
E alonga-se o autor desta carta, dirigida ao redator de O Nordeste, na crítica teatral do grupo de que ele próprio faz parte, terminando assim:
“…e também te peço que manifestes a nossa profunda gratidão a um dos elementos mais ativos que a nosso lado encontramos, ao mestre Francisco de Freitas.”
Muito perdeu a Povoação no campo artístico, com o desaparecimento de Francisco de Freitas que, quando no final da sua vida se retirara para Ponta Delgada aonde, ainda, aí, desenvolveu a sua atividade nas pinturas decorativas do edifício da Sociedade Corretora Ld.ª, daquela cidade, vivendo escassos dois anos.
Pelo casamento de sua única filha, em Ponta Delgada, retirara-se, definitivamente, Francisco de Freitas, em 1922, para esta cidade.
Um dia, o autor destes Subsídios, foi surpreendê-lo sentado num dos bancos do antigo Aterro daquela cidade.
Andava,
então, adoentado e triste. Abeirei-me dele. De guarda-sol aberto, contemplava a
Ponta da Galera e com tanto embevecimento o fazia que, debaixo daquele
guarda-sol, mais parecia um génio compondo uma tela, olhando, fixamente, o mar…
- “Viva o nosso Miguel Ângelo…” dissera-lhe eu. Ao dar por mim, sorriu-se e oferecera-me, logo, assento a seu lado, respondendo:
- “Estou a olhar para aquela ponta… - apontava a Galera – para aqueles lados donde nos fica a nossa terra… a Povoação; onde passei os mais belos dias da minha vida…”
Havia naquela voz, profunda nostalgia… um misto de acre-doce, naquele reviver de coisas e de pessoas que já lá vão!... Então, ali, naquele casual encontro, trocamos frases saudosas, rememorando tempos passados… que não voltam mais.
. . . . . . . .
Dias
depois deste casual encontro… foi no ano de 1924… falecia Francisco
de Freitas, no dia 29 de março, levando bem impressos no coração a
família, que tanto estremecia e a sua querida Povoação.
__________________
(1)
A
Escola de Desenho Industrial «Gonçalo Velho Cabral», foi a segunda criada nos
Açores, por Decreto de 22-8-1889.
Transcrito
por: Pedro Damião Ponte
Fonte:
Livro de Francisco Botelho (1958) | O Padre Ernesto Jacinto Raposo (1875-1940)
Primeiro Ouvidor da Povoação (Subsídios para a sua biografia e história do
concelho)
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