Venho dar uma esmola
Ao Divino Espírito Santo
A Divindade que nos consola
Com o seu Divino Manto
As Festas do Divino Espírito Santo nos Açores remontam aos primórdios do povoamento no arquipélago e constituem um dos mais elucidativos testemunhos de fé do Povo Açoriano.
Estas festividades tiveram origem em Portugal Continental (provavelmente com a Rainha Santa Isabel) e foram introduzidas nas ilhas atlânticas pelos primeiros povoadores. Mas, e uma vez no microcosmo insular sujeito a sismos e a erupções vulcânicas, foram adquirindo características únicas, em que o profano muitas vezes se mistura com o sagrado numa genuína demonstração da cultura popular.
Todas as ilhas dos Açores têm a sua forma muito peculiar de celebrar estas festas, sendo de realçar a Ilha de Santa Maria, Terceira, São Jorge e o Pico onde o carácter extrovertido e festeiro do Açoriano se manifesta de uma forma mais vívica.
Em São Miguel , tais festividades tiveram como principal motivo, o terramoto de 1522 que arrasou Vila Franca do Campo, levando o povo micalense a implorar a divina protecção. Contudo, foi com D. Manuel da Câmara, 1º Conde da Ribeira Grande, que as Festas do Espírito Santo passaram a ser celebradas com maior pompa e circunstância, por causa do nascimento do seu único filho, D. José da Câmara, visto que tal acontecimento foi atribuído à divina intervenção.
Actualmente, não existe freguesia em todo o arquipélago que não tenha a sua “irmandade”, uma espécie de confraria formada por “irmãos” que todos os anos sorteiam os cargos dos mordomos para o ano seguinte.
Os irmãos que tiveram as seis primeiras domingas têm a responsabilidade de realizarem a sua respectiva coroação ornamentando para tal, o melhor quarto da casa que irá receber a coroa e rezar diante do Altar desta, o terço todos os dias à noitinha.
Todavia, é na Sétima Dominga que a Festa do Espírito santo atinge o seu auge, altura em que o “mordomo”, ou “imperador” tem a seu cargo, não só a coroação, mas também a organização da dispensa, a distribuição das pensões, a função na igreja e o “império”.
Na Ribeira Quente, as festas em louvor da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade revestiam-se, antigamente, de um caracter mais festeiro, dado que os mordomos do lado do Fogo e os da Ribeira realizavam as mordomias no mesmo dia, e desta forma, toda a freguesia estava em festa. As festividades duravam cerca de quatro dias, estando os primeiros dois destinados a ir buscar os “gueixos” aos pastos, onde estiveram a engordar sob a responsabilidade dos criadores. Depois, percorriam as ruas da Ribeira Quente numa romaria divertida, ao som da folia composta pelo tambor, ferrinhos e violas com os “gueixos” à frente todos enfeitados com rosetas ou flores de “pimpoilas” e fitas de papel de várias cores. Assim, ia-se mostrar os bezerros do lado do Fogo à Ribeira e vice-versa, com o objectivo de se ver qual o gado mais bem enfeitado e o mais gordo. A tudo isto, se juntava o alarido da rapaziada e o rebentar dos foguetes. O ambiente era de festa em toda a Ribeira Quente.
Na Sexta-feira à tardinha, os “gueixos” eram mortos no calhau e as suas carnes dependuradas na dispensa (casa onde se exponha igualmente os pães de trigo, os biscoitos ou argolas de massa e a massa sovada para serem bentos pelo pároco da terra no Sábado de manhã). Actualmente, e visto que a maior parte da população se dedica, quase exclusivamente, à pesca e não à bonivicultura, o ritual da morte do bezerro já não é muito frequente, sendo mais prático comprar a carne já pronta a ser distribuída nas pensões.
No Sábado e depois de terem sido bentas, distribui-se as pensões pela irmandade. As pensões traduzem-se em esmolas de carne, pão, vinho e massa.
Antigamente, estas eram distribuídas por moças com tabuleiros à cabeça, artisticamente decorados com colchas de renda e lençóis brancos (os que tinham o pão e a massa) ou colchas de damasco vermelho com verduras (para os que tinham a carne), sempre acompanhadas da folia e do som dos foguetes. A carne menos boa que, não tinha qualidade para ser distribuída pelas pensões, era oferecida às viúvas e outras pessoas carênciadas da freguesia. Assim, não se fazia as Sopas do Espírito Santo que actualmente já se fazem, retomando-se um costume que veio com os primeiros habitantes da Ribeira Quente.
O Domingo e a Segunda-Feira são os dias mais importantes. Para além da coroação, existe o “império”. Um aspecto peculiar era o facto de antigamente, a Sétima Dominga ser coroada pelo irmão que a tirava, e não pelo “imperador” que só coroava na Segunda-Feira. Outro pormenor curioso das Festas da Ribeira Quente, eram as “companhas” de pescadores que vinham, acompanhados dos foliões, dar o seu donativo tanto ao Senhor Espírito Santo da Ribeira como do Fogo. Essa esmola resultava do “quinhão” que durante todo o ano amealhavam do seu lucro das pescas, cada vez que íam para o mar. Muitas vezes chegava à módica quantia de uma “serrilha” ou de três vinténs”. As restantes pessoas que, para pagamento de promessas ou para simplesmente contribuírem para a mordomia, davam a sua esmola ao “império” em produtos hortícolas, ovos, coelhos, limas até mesmo cargas de lenha trazidas por burros que serviam para arrematar em favor das festas e recebiam em troca um quarto, metade ou mesmo um pão de trigo inteiro (conforme a esmola dada), conjuntamente com um queijo branco. Presentemente, as esmolas consistem na sua maior parte em donativos monetários e, como oferta, as pessoas obtêm massa. Na Segunda – Feira, a expectativa dos irmãos aumenta à maneira que se aproxima a hora de se tirar as sortes o que geralmente acontece por volta da meia noite, sendo desejo comum o de se ter uma Dominga, especialmente a Primeira. É de salientar que durante as festas há sempre petiscos no bar da mordomia e a possibilidade de se experimentar a nossa “sorte” no bazar.
Viva ao Senhor Espírito Santo! Que nos ilumine no nosso dia a dia!
Ribeira Quente, Maio de 2001.
Cidália Maria Sousa Costa
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