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quarta-feira, 13 de março de 2019

UM ENCONTRO INESPERADO

Alegria imensa ao reconhecer de imediato este meu conterrâneo que já não via há algum tempo! 

Foi num Plaza “aqui “ na cidade de Brampton.”

De vários assuntos falámos. Falamos do presente, falamos do futuro, mas muito muito mais do Passado, daqueles tempos idos há tanto e que ele ainda traz na memória tão vivamente como se tivessem ocorrido no passado ano! 

Weber ou Veber Pereira, como a gente o conhecia de lá na nossa saudosa Povoação, mas agora também é conhecido de Correia.

Este homem nasceu em Março do ano de 1925 na Vila da Povoação, Ilha de São Miguel. Uma casa cheia. Doze filhos. Cinco morreram na infância, sobrevivendo sete. Devido às recomendações da Igreja, era assim naquele tempo. Famílias numerosas, mesmo que não houvesse possibilidades de as manter. De contrário, seria um pecado, diziam os padres de então e aquelas pessoas, quase todas, assim iam acreditando em tudo o que estes pregavam, pois eram ministros de Deus e tinham que obedecer.

Aos 17 anos era órfão. O pai morrera ainda relativamente novo, apenas com 42 anos de idade, deixando sete filhos, três rapazes e quatro raparigas, sendo o mais velho aquele de quem estamos a falar.

Foi este dinâmico e responsável jovem que tomou as rédeas dos afazeres da casa, quando o pai desapareceu da vida e nenhuma das quatro raparigas fora criada de servir, termo usado na época, mas que agora se diz de empregada doméstica, termo mais bonito e não tão degradante.

Para poder suprir com o necessário para sustentar a família decentemente, teve de fazer vários trabalhos, como criar umas cabrinhas das quais extrai o leite de que fazia os queijos em formas feitas de folha de espadana (tabua assim chamada naquele tempo) os quais e depois de “curados” e enrolados em folha de conteira, eram vendidos de porta em porta ou então postos à consignação em qualquer mercearia lá da Vila e assim conseguia este rapaz homem, que não teve tempo de ser criança, com que nenhuma das irmãs fosse criada de servir numa das casas daqueles poucos senhores, elite manipuladora da maioria daquela boa gente. Mas Weber tinha também de formar um Lar e muito perto dos seus trinta anos, 29 se não me trai a memória, e como as irmãs e manos já estavam mais crescidos, então aproximou-se da mãe e diz: Mãe, eu resolvi casar, mas meu filho, nada tenho para te dar, diz-lhe ela com grande dor e constrangimento! Não se preocupe com isto, minha mãe, tudo será o que Deus quiser. 

Em 1965 aparece-lhe a oportunidade de imigrar para a Bermuda, onde por lá andou mourejando por quatro anos, desempenhando vários trabalhos, isto é, lavando louça em hotéis durante algumas horas do dia e como jardineiro também, e como bom trabalhador que era e muito honesto e sabendo que ainda podia trabalhar mais, resolveu comprar uma lambreta, como mostra a foto em cima passeando pelas ruas e quando notava alguma casa que precisava de cuidados no jardim, parava, batia à porta e mesmo com seu fraco inglês, perguntava ao dono se podia tratar da manutenção em redor da casa, como cortar a relva e tratar das flores etc… etc…, Seria como um (Maintenance man) e como era daqueles que a sua palavra não necessitava de assinatura, bastava um aperto de mão e o contracto estava fechado, mais seguro ainda do que a própria assinatura. É que esta gente da minha mocidade só deixou entrar em si aqueles sentimentos naturais e religiosos. Acreditavam na justiça divina e naquilo que sabiam que devia ser verdade. Estavam ligados às famílias e davam-se muito bem com todos os seus vizinhos. Tinham grande respeito pela velhice e até chegavam a ajudar aquelas pessoas mais pobres do que eles próprios. Foram bons pais, nem todos, mas a maioria, porque tinham sido também bons filhos. Não aprenderam a arte de seduzir com palavras rebuscadas, nem falaram línguas estranhas, apenas falavam a sua língua que era a única que conheciam e a melhor de todas. Ali quase sempre reinou a igualdade quase fraternal. 

Todos se conheciam daquela Vila e daquelas Lombas, lugarejos pequenos, mas todos amigos e quase todos parentes uns dos outros. O Weber pertenceu àquele Povo simples que nunca se envergonhou do seu parentesco com a Terra Mãe. Enalteceram o trabalho e nunca deixaram de condenar a preguiça como coisa de VERGONHA. Cumprimentavam-se com um, haja saúde, vai com Deus, que Deus vai e fique, e tantas outras saudações que foram há muito descartadas ou postas no cesto do lixo classificadas de muito arcaicas, no caso em questão e deste homem que falo, que nunca se sentou em nenhum banco escolar, mas muito jovem ainda contactou ou teve professores como acima descritos e entrou na melhor universidade do mundo ”A Universidade da Vida”.

Com uma mão cheia de Libras apuradas naquele período e como tinha carta de chamada feita para o Canadá de uma irmã já cá residente há algum tempo, e como não queria ferir a quem tinha tido aquele gesto, aceitou, mas fê- lo contrafeito, pois que em Bermudas não se estava a dar nada mal. A vida estava a correr- lhe maravilhosamente bem, mas o destino assim quis. Para a Bermuda ele não podia levar a família porque não era permitido naquele tempo, e assim vieram os cinco filhos acompanhados da mãe tempos depois de Weber estar no Canadá.

Se bem que tivesse sido uma das muitas crianças sem infância nem mocidade, pois teve logo de engrenar na vida dura, esta não lhe tem sido ou não foi tão cruel depois da adolescência.

Criou seus filhos dando-lhes o essencial possível de então e pouco tempo depois de cá estar toda a família, deixou o apartamento onde viveu por algum tempo e resolveu comprar a sua própria casa a qual foi paga, não demorando muito anos para amortizar aquilo que foi e continua a ser, o maior monstro que qualquer casal que não nasceu rico ou melhor, que não teve pais ricos, tem de enfrentar durante uma grande parte da vida.

Filhos casados, netos que chegavam de quando em quando e depois de 66 anos de casado sua companheira o deixa, o mais cruel que lhe tivesse acontecido na vida até então. Toda a sua vida foi em Toronto, mas depois de ficar só e como tinha uma filha que tinha enviuvado relativamente ainda nova, resolveu então Weber vir para Brampton e viver com ela e a neta e esta como trabalha no já dito Shoppers World, é lá que ele passa a maioria das horas de todos os dias da semana e até agora e segundo me diz, não está a dar-se nada mal.

Acrescentou depois que teve muito medo quando vendeu a casa de Toronto na qual viveu tantos anos e deixar todos os seus conhecimentos e sítios que lhe eram familiares e a eles tão acostumado, mas como a filha estava a viver aqui em Brampton e como também era viúva, ambos precisavam de companhia, um do outro e ambos fizeram a escolha certa. Assim tem a filha o consolo da companhia do pai, amenizando assim a falta insubstituível da companheira de longa caminhada do pai! 

Este homem, mas homem com H grande quando deixar de o ver neste  lugar, que agora vai diariamente, para matar o tempo, falando com aqueles que já o conhecem e que noto tanto gostam de estar na sua companhia para uma saudável cavaqueira, como ia dizendo, quando não me for jamais possível com ele  falar, fazendo as perguntas que desejo fazer acerca daqueles tempos já idos e que ele ainda descreve com tanta clareza, sei que vou perder parte da minha (biblioteca) e para mim vai isto ser uma grande perda!

Alguns dias se passaram, até que me apareceu por cá, refiro-me a Brampton, o meu primo e camarada Tony Galhardo. Como tinha tempo disponível para me dedicar, pensei surpreender-lhe levando-o ao tal já mencionado Shoppersworld para o apresentar ao nosso caríssimo conterrâneo. Ficou muito contente e entusiasmado este meu primo quando teve conhecimento que iria ver alguém da nossa Terra que já não via desde 1964!

Não o vi no local habitual e diz o meu primo: Para minha sorte, quase tenho a certeza que hoje ele não vai aparecer aqui, se não está doente, tem de estar em qualquer lugar que não seja o habitual, respondi-lhe, e ia nisto entretanto o Sr. Weber apoiado na sua bengala, mas caminhado muito bem para sua idade, exclamei: ali vai ele, o meu primo: tens a certeza? absoluta, retorqui… pararam em frente um do outro, olharam-se por escassos momentos e depois foi… caíram nos braços um do outro como dois “namorados”.

Como mostra a foto, sentaram-se os dois e ali apenas escutava aquela dobadoura de recordações de pessoas que já se foram, de sítios como Água do Piás ou qualquer coisa assim parecida, Pico do Galo, Lombo Gordo, o tempo norte, mareiro e do mata vacas, o cerrado do Tio Manuel Florinda, o primeiro Arrebentão da Lomba dos Pós e tantas outras expressões que estão em desuso já há muito tempo!

Deprimido se sentia o meu primo antes do encontro, mas disse-me ele depois, que ficaria ali com ele toda a noite se possível, sem dificuldade alguma e com absoluta certeza que jamais se aborreceria, e que há muito não sentia tal contentamento originário de tão agradável cavaqueira! 

Quanto a mim, sinto-me profundamente grato por poder falar de gente tão igual àquela da minha mocidade que já partiram mas, que eu recuso terminantemente em dar sepultura................ (para continuar?) talvez 

Mas por agora a minha intenção é que o escrito seja espécie de Epitáfio, ou o que diria no velório, mas prefiro que o entrevistado tenha dele conhecimento enquanto vivo.

Escrito da autoria do povoacense: Zeca Amaral
                                                       Reside atualmente no Canadá.

Povoação, quarta-feira, 13 de março de 2019 

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