A canção "Ilhas de
Bruma", escrita há 30 anos por Manuel Medeiros Ferreira, transformou-se
num "hino não institucional" da açorianidade e da autonomia, um tema
que "também serviu para contestar" e continua a ser recreado.
A canção, que levou dois meses a
escrever e a aperfeiçoar, foi tocada em público pela primeira vez na primeira
edição do Festival Maré de Agosto, que decorre na ilha de Santa Maria desde
1984, mas verdadeiramente o sucesso popular chegou quando a RTP/Açores
aproveitou o tema para algumas das suas séries mais emblemáticas na década de
80 do século passado.
“O conhecimento público de grande
dimensão foi a partir da ‘Balada do Atlântico’, depois o maestro Emílio Porto,
do Orfeão do Pico, fez um arranjo polifónico e tornou-a mais nobre. Depois
nunca mais pararam as versões. Não sei quantas há, mas penso que vão para cima
de cem”, referiu o autor da letra, que foi técnico de biblioteca em Ponta
Delgada.
Manuel Medeiros Ferreira, que tem
hoje 62 anos, disse que a maior homenagem que lhe podem prestar é continuar a
cantar a sua música, revelando que se emociona sempre que vê o público
cantarolar a letra de um tema que se tornou "emblemático para todos os
açorianos".
“Eu não fiz com nenhuma intenção
de atingir nada, mas de me afirmar eu próprio como açoriano. Não fazia a mínima
ideia do sucesso dele. O que senti sempre é que sempre que a cantasse as
pessoas iam ter respeito”, afirmou o autor, que também viveu em Lisboa e Paris,
e para quem este tema “é uma síntese da poesia e da música açoriana” de uma
determinada época.
Em casa, com vista privilegiada
para o Oceano Atlântico e rodeado de livros, música e imagens de José Afonso,
Vinicius de Moraes e Jacques Brel, Manuel Medeiros Ferreira confessou que
quando escreveu “Ilhas de Bruma” existia “um certo complexo de inferioridade
entre os açorianos” e a canção “também serviu para contestar, para despertar a
autoestima do povo”, algo que “hoje já não se coloca”.
“Ainda sinto os pés no terreiro/
Onde os meus avós bailavam o pezinho”, escreveu na primeira estrofe das “Ilhas
de Bruma”, uma referência direta aos antepassados que viveram nos Mosteiros,
freguesia da ilha de S. Miguel onde também nasceu.
Nas veias continua a correr-lhe
basalto negro e na lembrança tem vulcões e terramotos, mas se voltasse a
escrever “Ilhas de Bruma” chamar-lhe-ia “Ilhas do Espírito Santo”, por ser um
“elemento identitário e verdadeiramente unificador do povo açoriano”.
Manuel Medeiros Ferreira, que
continua a escrever e a compor canções com o seu violão, garantiu que “só as
palavras mais simples atingem as maiorias”, sendo o grande problema da
transmissão “justamente, conseguir transformar palavras muito eruditas em
coisas simples”.
Por este motivo, não se admira
que os açorianos saibam de cor a letra da sua música e o mesmo não aconteça com
a letra do hino institucional dos Açores, da autoria da poetisa açoriana
Natália Correia.
Fonte: Açoriano Oriental.
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