Nas últimas duas semanas tenho passado uma parte significativa dos meus dias a acompanhar as lides no SNS de uma minha familiar com mais de 85 anos. Até aqui nada de novo num país envelhecido com 153 idosos para cada 100 jovens tornando Portugal e num dos países mais envelhecidos do continente, superado apenas por Itália e Alemanha. E, no nosso caso particular, em que as visitas ao SNS ocorrem em Lisboa, estamos perante outro factor de reforço já que a cidade é (segundo o Eurostat) a capital europeia com maior Índice de Dependência de Idosos (41,4%) e aquela com mais pessoas com idade superior a 65 anos relativamente à população activa. Não é também difícil perceber que esta proporção etária se reflecte na população hospitalar, uma reflexão que é intensificada pela prevalência de problemas de saúde crónicos a partir dos 65 anos e que significa que boa parte dos pacientes das urgências e em regime de internamento são, precisamente, idosos.
Apesar desta prevalência, o SNS continua a não dar uma resposta suficiente a esta situação. Recentemente, o Papa Francisco pediu pela criação de uma "nova cultura" na preparação dos agentes de saúde, frisando que "o doente não é um número e merece humanidade por parte de quem o cuida" e que "o doente não é um número. É uma pessoa que precisa de humanidade". É neste sentido que vai a minha perplexidade: no escasso espaço de uma semana e meia a minha familiar foi três vezes à urgência, ficou internada duas e esteve em casa uma média de dois dias antes de regressar ao hospital e isto sempre com a mesma problemática de saúde: um volvo intestinal. De permeio houve grande sofrimento pessoal, custos pessoais (o transporte em ambulância, em Lisboa, fica em 35 euros, mas há casos em que este custo ascende a mais de 200 euros), absentismo laboral e perda de produtividade em vários familiares e, claro, custos financeiros e de ineficiência para o próprio SNS com todas estas readmissões, tempos de espera e processamento e, indirectamente prejuízo para os outros doentes em espera nas urgências enquanto decorria a triagem e espera pela readmissão. Sendo a situação sempre a mesma, assim como a solução provisória (na falta de condições de saúde para uma intervenção cirúrgica mais definitiva) porque se submeteu este doente a todo este stress, dor, custo pessoal e familiar e ineficiência e custo para o SNS? Talvez isto tenha acontecido - e em inúmeros outros casos pelo país fora - porque se está a dar demasiada importância a um dos vários indicadores de desempenho hospitalar: a taxa de ocupação e a desprezar demasiado outro: a taxa de readmissão, uma métrica que mede a quantidade de vezes que um paciente regressou ao hospital após a sua alta e que permite medir a ineficiência e o erro da alta e nomeadamente o seu erro já que este indicador demonstra que o serviço que está a ser prestado e pago pelo Estado (contribuintes) está a ser feito com baixos padrões de qualidade e altos custos uma vez que implica situações que deveriam ser corrigidas antes da anterior alta. Numa época em que tanto se fala de "gorduras do Estado", "despesas intermédias" os ganhos com a eficiência de uma reorganização dos serviços que privilegiem menos as taxas de ocupação e mais as de readmissão são mais importantes do que nunca.
Estas constantes visitas ao hospital São José (Lisboa) revelaram outras situações que merecem melhor atenção por parte da Administração: em todo o lado existem superfícies de contacto que servem de plataformas de contaminação por vírus que se propagam por via atmosférica e através das mãos: a porta de acesso à urgência abre-se pela pressão de um botão: as máquinas de venda de água e doces (presença paradoxal numa instituição de Saúde) também, assim como botoneiras de acesso à sala das macas e, claro, as próprias máquinas onde se tiram as senhas para admissão nas urgências. Estando hoje em dia a tecnologia de "contactless buttons" (butões sem contacto) muito amadurecida e barata (entre 7 a 10 euros por unidade) e num contexto de gripes e de pânico (injustificado) devido ao coronavirus não faria sentido investir mais neste tipo de tecnologia, pelo menos em contexto de urgências hospitalares?
Outra anomalia e ineficiência encontrada nesta semana e meia foi a incapacidade dos serviços em localizar a paciente: na maioria de todas as horas da última ocorrência ninguém parecia saber onde esta se encontrava: se na sala das macas, se em observação, se num corredor, se numa sala de espera, se em exame. Sabia-se apenas que estava, algures, no hospital, sozinha e sem se saber se não teria ficado esquecida pela engrenagem da máquina hospitalar. Esta situação cria stress desnecessário no doente e na sua família e se se propagar ao próprio pessoal hospitalar pode levar a situações tão graves como a morte do próprio paciente ou ao agravamento da sua condição de saúde. Mas é completamente evitável num mundo em que a tecnologia do "indoor positioning" é barata (4 sensores custam menos de 100 euros) e amplamente disponível nas suas várias variantes (posicionamento magnético, ondas de rádio (WiFi, Bluetooth, NFC), sensores de mobilidade, RFID, análise de imagem e até de som.
Por outro lado, em todos estes episódios de urgência foi encontrada a mesma dificuldade: o transporte do paciente. O INEM, não faz transportes de doentes em situação que não os coloque em risco iminente de vida (e os médicos que recebem estes pacientes avaliam o INEM por essa condição em cada episódio de urgência) deixando essa deslocação para o próprio paciente ou para a sua família sem ter em consideração se esses meios existem (neste caso, numa semana e meia foram gastos 180 euros em ambulâncias dos Bombeiros do Beato). Com as reformas médias portugueses isto representa uma despesa exagerada e incomportável para a maioria das famílias. No caso concreto este exagero é reforçado por viver numa das freguesias mais ricas do país com um orçamento de milhões de euros que, ano após ano, não consegue gastar e que, consequentemente, acumular excedentes orçamentais sucessivos. Assim sendo porque não disponibiliza esta Junta de Freguesia (Areeiro) meios ambulatórios de transporte aos seus fregueses ou doa aos bombeiros que não têm ambulâncias suficientes (em duas das três deslocações só havia ambulância disponível 4 horas depois)?
Por fim, é também incompreensível que o SNS 24 encaminhe, ao fim-de-semana, pacientes para centros de Saúde como o da Lapa, que se situam longe da maioria dos transportes públicos e em zona de fraco estacionamento e a muitos quilómetros da zona de residência quando existem dois centros de saúde próximos, na Alameda e na Afonso Costa, mas encerrados ao fim-de-semana. Não é assim que se afastam utentes das urgências hospitalares ou se aumenta a qualidade de resposta do sistema...
Enviada ao Ministério da Saúde.
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