Itinerário
de carinho e saudade, Manuel Pimentel Lisboa, meu avô materno – camponês
honrado – trabalhador, “acariciou a terra, amou-a”, fê-la produzir à
sobrevivência. Em negócio de milho ou outro cereal, sendo propício para seu
bolso e festejava-o com um copo ou mais homenagear; Baco, excitação a mais, um
dia enrolou a esposa num cobertor, colocou-a no interior de um cafuão de milho
para o guardar “Maria Augusta da Conceição, uma santa” faleceu primeiro e
sentindo sua falta da fiel esposa bondosa, exclamava: Maria Augusta, pedia a
Deus por mim, não tardo com ela!
Numa
madrugada, agarrado ao cajado, bateu às portas dos filhos Ângelo e Evelina
comunicando que não estava bem, sentia forte dor no peito, regressou a casa e
em testamento verbal, sua última vontade – plantem couvinha, façam sopa; cozam
pão e deem pela minha alma, o tabaco, José Bento, meu genro, que o fume. Maria
Augusta ao falecer teve todos os filhos à sua volta – Clotilde está nos banhos
da Ladeira da Velha; Rosa em Santa Maria, Ângelo foi chamar o médico; José, o
sr. Padre. Quando chegarem já não me encontram vivo. Rosalina esta casa é tua,
teus irmãos sabem. E apoiada no parapeito da janela da cozinha exclamou: Lá vem
ela! Cá vem ela! Ajudou a segurá-lo a tia Evelina e assim entregou a alma ao
Criador… O tetra avô ti João Lisboa, um solteirão empedernido como o Benjamim,
conheci-o em criança, mês após mês viveu em moradia de sobrinho ou sobrinha, Ti
João fugia ao símbolo da cruz, sentia pavor; e sabendo isto pregavam-lhe
partidas os rapazes. Em término de vida encontrando-se acamado comentava uma
sobrinha a outra: Ah querida, ele não escapa… está com os ares da morte! Ergueu
a cabeça ti João e retorquiu: Morre tu, morre tu!... Estava presente a pequena
sobrinha no adeus a ti João. No dia anterior na Escola alguém partiu-lhe a
ardósia. Tio João foi feliz por aqui estar este anjo, brindaram a menina com
cinquenta centavos. Comovida oração Ave-maria rezou, testemunho de amor pelo Ti
João. Saindo foi à loja local e mercou nova ardósia pela alma de Ti João…
Câncer
é flagelo atual. No passado existiram doenças mortíferas. Um início, a Rosa
Pimentel, esta contaminada com tuberculose, coitada com três filhos e marido,
que Deus a ajude! Assim aconteceu a Ti Esmera, uma vizinha do Varo de Baixo
cuidou dela, algum tempo… de quando em vez uma outra vizinha; ó Esmeratem
cuidado, a Rosa está a deitar sangue pela boca fora, pode contaminar-te a ti e
aos teus filhos. Mas a Ti Esmera não se preocupou e praticou a caridade. Rosa e
Esmera foram à cidade consultar o especialista, Dr. Alemão, consultou o Dr.a
Rosa, tendo depois tirado radiografia. Não existia mal algum, os pulmões
estavam limpos. Quem não se deu por convencido foi o sr. Dr. Tito em exercício
no concelho povoacence…
Há
longos anos que sofria dores físicas e morais – procurava abraçar sua cruz como
cristão sem desânimo com amor. Eis que subitamente agrava-se a doença e o
sangue jorra pela boca e ânus. De imediato levam a seus filhos para o Centro de
Saúde. O não existir recurso para a estagnação, uma ambulância a transportou
para o Hospital de Ponta Delgada. A doente manifesta-se relutante, não quer ir
– insiste o médico, o filho que à anos sofre de depressão, promete à sua mãe
estar ao seu lado. Assim convencida aceita a ida…
Depois
de longa viagem é atendida no serviço de urgência, é necessário ficar
internada. Tenta o filho ficar a seu lado e não sendo possível “instala-se a
consternação nos dois”… especialista e enfermagem num contínuo esforço para a
reabilitar, soro e sangue contínuo. Sem o ser prometido, vai o filho ao
encontro da mãe, deu-lhe as mãos, olham-se e as lágrimas deslizam dos rostos
tristonhos. A doente com os descoloridos lábios dá um sorriso como que a animar
o filho, mas subitamente o “diálogo daquelas almas” é interrompido pelo Dr.
Especialista. - Sua mãe necessita descansar, não deve permanecer aqui! Deu um
beijo na fronte da mãe e pés rastejantes saiu com o médico. Logo depois interrogou
o médico – Senhor Doutor, a minha mãe vai ficar bem? Respondeu o médico –
existe uma breve hipótese, não tenha ilusão. “Seja realista, sua mãe está
condenada”. De velho ninguém passa! Assim falando deixou o médico o
interlocutor que amarfanhando cabisbaixo a chorar. Como é isso possível? A mãe
morrer! “Não! Ela não é idosa! Eu sempre a vejo com meus olhos de menino”.
Descontrolado andou na escada e extenso corredor de extremo a extremo. Foi até
à capela, entrando caiu de joelhos, implorou ao Santíssimo, Pai da Vida! –
Senhor, dai saúde à minha mãe, sabes Senhor, eu preciso dela; sabes que sou
pecador – sei que és nosso Redentor Salvador. Aumenta a nossa fé, eu creio…
Senhor que atendesteo pedido do centurião e curaste o seu servo, cura a minha
mãe; Senhor, deste vida ao filho da viúva de Naim e a Lázaro, dai vida à minha
mãe; Sabes que sou frágil e assim se manteve algum tempo, as lágrimas invadiram
seu rosto dando-lhe um sabor a sal amargo nos lábios aos poucos, a dor foi
suavizando e uma confiança e paz aparente pareceu-lhe entrar na alma. Deixou a
capela, foi ao piso superior, entrou na medicina, a que uma enfermeira
chamou-lhe a atenção – só pode estar aqui na hora da visita. Vai tranquilo, a
sua mãe está descansando.
Pai
do céu dar-lhe-á a graça de ficar bem. Agradeceu, calcorreou caminho longo e
transversais que o levou à doca seu espírito estava irrequieto como as ondas do
mar e ideias mórbidas passavam-lhe pela cabeça, vertiginosamente como o rodar
de carrocel o seu corpo oscilou e bruscamente agarrado por mãos e braços fortes
de marítimo. O senhor sente-se bem? Atordoado evasivo não “balbuciou”. Saiba
deu-me a impressão que ia atirar-se ao mar – bruscamente respondeu – “E se
assim fosse o que é que tem com isso”? Estupefacto o marítimo retorquiu – você
não está regulando da cabeça; a gente tenta fazer bem e recebe, recebe é
coices”; é este o pago que nos dão e dizia minha mãe – “Faz bem e não olhes a
quem”! Foi como lhe dessem uma verdascada”… Então aquele homem de aspeto
mal-encarado teve mãee perdoe-me eu não estou bem, informaram-me que a minha
mãe vai morrer e eu não quero ficar só. Venha daí não esteja assim – Deus nunca
desampara ninguém, confie nele. Ele é Pai! Eu também não tenho pais, estou por
aqui ao Deus dará, apanho algum peixe que mal dá para comer, embarga alguns
copos de cachaça – não tenho ninguém – vivo mal e porcamente no meu velho barco
meu fiel companheiro. Gostava que me servisse de caixão quando a hora chegar.
Matar-me é que não, deu-me o Pai a vida. Quando desanimado olho o céu repleto
de estrelas a brilhar a lua sua magia o sol que aquece meu corpo arrepiado são
tantas as maravilhas que Deus dá ao homem e tudo nos fala de vida. Venha comigo
até ao meu barco, companheiro de luta e canseira meu berço de embalar o leito
onde adormeço de minha fadiga. E eis que chegados ao barco deu-lhes o marítimo
um búzio grande e disse: amigo quando se sentir triste encoste o búzio ao seu
ouvido, ouvirá o canto da sereia, o marulhar do mar, ele vai suavizar sua
mágoa.
Agradeceu
a oferta, saiu dali “meio cismado a olhar o búzio mágico”. Tentou alimentar-se
e tomar medicação específica para sua doença combater mas apático triste o
pensamento, envolveu-se na multidão efémero despertar avivou-lhe “um presságio”
– não – não morras mãe, sem ti não saberei viver! Foi até ao hospital, era hora
de visita vendo a mãe comoveu-se com seu aspeto lívido não conteve, suas
lágrimas saltaram, suplicou-lhe a mãe, tira-me daqui, leva-me para casa.
-
A mãe está a tomar medicação, vai ficar boa.
-
Eu não estou bem, tenho frio e sinto-me fraca, nem os dedos mexo, as mãos, é o
fim.
-
A mãe vai recuperar.
-
Não te iludas, eu quero um padre para me dar a Santa Unção.
Assim
aconteceu, recebeu a Santa Unção. Dá-me a tua mão filho – quem te vai proteger doente
como és? Deprimido, cismado, via o rosto pálido olhar parado chorando pegou na
mão da mãe, que fria, gelada encostou aos lábios da mãe seu crucifixo, implorou
ao Pai que a acolhesse no seu Santo Reino. “Mãe leva-me contigo, não me
abandones”. Foi a mãe para a morgue – vestiram-lhe hábito de carmelita, seu
desejo era devota de Nossa Senhora do Carmo. Seguiram-se os trâmites usuais, o
condutor da berlinda de quando em vez cambaleava, chamada de atenção deu-se ao
patrão que respondeu que ele tinha uma ciática. No passar a berlinda em São
Roque indo a ziguezague, embateu na umbreira de porta, outra berlinda com outro
condutor veio ao local. No seu íntimo dizia o filho porque não morri. Após a
Eucaristia de corpo presente foi a sepultar no campo santo com esta Rosa
sepultada está o coração do filho. Aquela voz que na infância – suavemente nos
embala e pode calar-se à distância – dentro de nós nãos e cala! (José Canedo).
A
primeira narrativa foi no hospital de São José o guardião e protetor de Jesus o
Sto. da boa morte, isso que importa quando a dor pungente avassala, machuca de
mais, no passado se Cristão crente dizia-se recebeu a extrema unção, atual é a
Santa unção, a morte e a morte onde quer que estejamos, edifício novo ou velho,
com a entrada da casa mortuária localizada na Rua da Alegria «é irónico» existe
povo que festeja o sair do vale de lágrimas.
Janeiro
de mil novecentos e oitenta e nove ou outra data qualquer é repetitiva em cada
hora e dia um familiar um amigo vejo-o partir, calcorreio, Rua de Cidade Vila
freguesia o «Campo Santo» corredor de hospital o Divino - medicina - cirurgia -
cuidado continuado, lar de idosos ou não, anto câmara de morte que me rodeia,
um dia destes um amigo e um primo na flor da idade ontem – hoje uma senhora
amiga Sra. Dona Fernanda Vasconcelos Cordeiro – um coração generoso «na casa
desta» em Ponta Delgada ficava a minha mãe, o filho – almoço jantar – cama e
mesa, amor caridade. Fraternidade Cristã vive Dona Fernanda no coração familiar
a saudade sendo dor, é saudade, amor para sempre.
Benjamim
Carmo
Povoação,
terça-feira, 20 de junho de 2017.
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