Dr.ª Ana Matias |
No
âmbito do ciclo de sessões práticas e
informativas sobre Acidente Vascular Cerebral dirigido a cuidadores e
familiares, promovido entre os meses de fevereiro
e junho pelo NeuroSer, a terapeuta ocupacional do centro dedicado às
doenças neurológicas, Ana Matias,
avança algumas questões que serão esclarecidas na sessão sob o tema “Como regressar ao dia-a-dia passo a passo”.
De que forma é que
um AVC pode afetar a vida ocupacional da pessoa?
Um
Acidente Vascular Cerebral (AVC) ocorre de forma súbita e tem uma recuperação
com duração significativa, que dependendo de caso para caso deixará sequelas ao
longo da vida do utente. Ou seja, não é uma patologia na qual a pessoa vai
perdendo gradualmente as suas competências, trata-se sim de uma rutura abrupta,
que provoca um momento emocionalmente delicado de perda de papéis ocupacionais.
Com
a ocorrência de um AVC, a pessoa irá enfrentar a perda de competências
cognitivas e/ou físicas, bem como uma alteração no seu estado emocional. Estas
alterações poderão provocar dificuldades no trabalho, na gestão das finanças,
nas atividades domésticas, nos cuidados pessoais, nas atividades de lazer,
entre outros.
Assim
sendo, uma pessoa que antes do AVC era completamente autónoma, poderá ver-se
afastada das suas ocupações mais significativas; perder as suas anteriores
responsabilidades, o que poderá provocar um sentimento de frustração; e
depender de um cuidador.
Como é que estas
alterações cognitivas e físicas podem influenciar o envolvimento em ocupações?
Antes
de mais é importante compreender que o envolvimento em ocupações não depende
apenas da pessoa, depende também das exigências da ocupação em si e do ambiente
no qual esta se desenvolve. Quando fazemos algo, ocorre sempre a interação do
que somos (pessoa), do que a tarefa exige (ocupação) e do que o ambiente
proporciona (ambiente).
Por
exemplo, cozinhar não depende apenas das competências cognitivas (como funções
executivas e memória) e competências físicas (como força e coordenação),
depende também do que a ocupação exige (neste caso, conseguir planear os
ingredientes e utensílios; conseguir distinguir os vegetais; conseguir cortar
frutas; reconhecer quando os alimentos estão cozinhados; entre outros) e do ambiente
(neste caso, a altura da bancada da cozinha, o ruído na divisão; o apoio de um
ajudante; entre outros).
Todos
estes aspetos podem atuar como agentes facilitadores ou limitadores, sendo
essencial que um Terapeuta Ocupacional identifique cada um deles e os adeque às
necessidades da pessoa, facilitando assim o seu envolvimento ocupacional.
Trata-se de equilibrar a balança pessoa-ocupação-ambiente, colocando mais
ênfase num aspeto e retirando a outro.
O que é que pode
ser feito para promover a ocupação após AVC?
Uma
vez identificados os agentes facilitadores e limitadores, devemos aproveitar os
facilitadores ao máximo e tentar encontrar estratégias para superar os
limitadores.
Utilizando
ainda o exemplo da cozinha: se compreendemos que a pessoa tem facilidade em
memorizar os passos, podemos sugerir uma receita mais elaborada. Isto irá fazer
com que a pessoa se sinta desafiada e mais realizada ao alcançar o sucesso. Já
no caso de nos apercebermos que a pessoa não consegue cortar os legumes por
défices ao nível da força muscular, podemos sugerir a utilização de um produto
de apoio (faca adaptada e/ou tábua de corte adaptada) que facilite a tarefa.
Esta é uma forma de aproveitar uma facilidade para aumentar a motivação para a
ocupação e de eliminar uma dificuldade, utilizando produtos de apoio. Existem
diversas graduações e adaptações que devem ser utilizadas de acordo com cada
caso.
Será realmente
importante promover a participação ocupacional da pessoa após AVC?
Os
Seres Humanos são definidos por aquilo que fazem ao longo do seu dia e ao longo
das suas vidas, por isso é que existe a ideia de que nós somos aquilo que
fazemos. Eu posso ser uma professora, uma dona de casa ou uma mãe. Essas
responsabilidades, esses papéis ocupacionais definem quem eu sou. É portanto
crucial que qualquer pessoa (com ou sem sequelas de AVC) se envolva em
ocupações que preenchem as suas necessidades e os seus desejos.
Sabe-se
que o envolvimento em ocupações é essencial para a qualidade de vida e saúde de
qualquer pessoa e que contribui de forma significativa para a forma como a
própria e outros a veem na sociedade.
Povoação,
sexta-feira, 9 de junho de 2017.
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