In Correio dos Açores / Escrito por Carla Dias |
Com 71 anos, António
José Carvalho recorda os tempos áureos do Casino das Furnas e do Hotel Terra
Nostra, onde trabalhou 43 anos. Foi admitido com 17 anos no bar e andou meses a
treinar pegar em rolhas com um garfo e uma colher. Foi assim que conseguiu
servir “osso buco à milanesa” sem sujar os clientes. Uma vida que lhe faz
lembrar o tempo em que só a nata da sociedade micaelense ia às Furnas, mas
também o tempo em que “não dediquei o amor que tinha à minha mulher enquanto
trabalhei”.
Já está reformado, mas
trabalhou muitos anos no hotel Terra Nostra...
Estou reformado vai fazer 9
anos. Comecei a minha vida com o meu pai, que era cabouqueiro mas achei que
aquilo não era vida para mim e fui para os Serviços Florestais. Depois virei
para pedreiro, e quando começaram aqui as obras da Igreja voltei para trabalhar
com o meu pai, mas não com ele directamente. Eu estava aqui e o senhor Mariano
Cabral, que era padrinho de um irmão meu, precisou de gente para o hotel e
falou com a minha mãe. Assim que soube disso, foi fugir porque naquele tempo as
pessoas eram escolhidas para ir para aquele hotel. Não era qualquer um que
entrava ali.
A hotelaria agora está
completamente diferente daquilo que era no meu tempo. Antigamente passava de
geração em geração aquilo que a pessoa sabia. Quem me ensinou a dar os
primeiros passos em hotelaria foi um rapaz que tinha a 3ª classe e que a tirou
à noite. A única coisa que sabia dizer de inglês era “thank you” que para
aquela altura já era muito bom porque os estrangeiros que tínhamos aqui eram os
americanos da Base. Os restantes clientes do hotel eram os nossos habituais de
Ponta Delgada, Terceira e Faial que vinham aqui passar as suas férias.
Quantos anos tinha?
Fui admitido com 17 anos e fui
para o bar, sem perceber nada daquilo. Aprendi a fazer cafés, como se serve uma
cerveja, como se pega numa bandeja. Depois quem me ensinou deu-me um garfo e
uma colher para a mão com uma bandeja e rolhas. A minha vida era atrás do bar a
pegar naquelas rolhas com o talher e eu olhava para aquilo e não percebia o que
estava a fazer. O senhor Orlando Brízida, que era o chefe de sala dizia para
aproveitar o que o senhor Rosa me ensinava porque se eu gostasse dessa vida, o
meu começo eram aquelas rolhas porque quem souber pegar numa rolha sabe pegar
num “osso buco”. Naquela altura havia um prato que era o “osso buco à milanesa”
que se servia no hotel que toda a gente se desviava e só havia dois ou três
funcionários que serviam aquele prato. Era complicado porque, agora já só vai
para o prato a carne, mas antes ia para o prato com osso, e tínhamos de pegar
no osso e a carne com o talher para pôr no prato do cliente. Eu olhava para o
senhor, que tinha idade para ser meu pai, e entendi que se ele dizia é porque
era verdade. Fiz aquilo durante Junho, Julho, Agosto e Setembro. Em Setembro
veio aqui um irmão de um padrinho meu do crisma, que eu considero-o a ele meu
padrinho porque ele é que foi comigo ao altar, o Duarte Pimentel. O Senhor Rosa
já lhe tinha dito que se ele quisesse um empregado bom para Santa Maria para me
aproveitar porque devia estar a acabar o meu contrato e que me ia embora.
Duarte Pimentel foi falar com o senhor Baptista, que era o chefe dos hotéis, e
pediu que se eu fosse sair que me levava para Santa Maria, que tinha falta de
pessoal classificado e que precisava de pessoal polivalente, no bar e no
restaurante. O senhor Baptista deu aval e fui oito anos para Santa Maria. Acho
que foi a melhor saída que tivesse na minha vida porque aqui no hotel
entrava-se às 7h30 e saía-se à meia-noite. Começava-se à Segunda-feira e
parávamos ao Domingo à noite para voltar à Segunda-feira. Aos fins-de-semana
não se via a família, porque saíamos no Sábado de manhã de casa e aparecíamos
no Domingo de manhã para tomar banho e voltar para o trabalho para os Serões do
Casino que aquilo era lindo, com Teófilo Frazão, a Orquestra do Terra Nostra
que vinha de Santa Maria fazer os Verões. Mas no Terra Nostra as pessoas diziam-nos
que estavam na sua casa. Lidávamos com as pessoas como se fossem da nossa
família e então chamávamos “nosso” ao hotel. Era uma coisa que o meu patrão
achava muita piada. Ele dizia que as Furnas estavam muito bem entregues porque
enquanto os funcionários disserem que o hotel é deles, aquilo vai andar que é
uma maravilha.
Lembra-se quanto ganhava antes de ir para Santa Maria?
500 escudos por mês. Em 1963,
para o horário que se fazia não era nada do outro mundo mas sabíamos que aquilo
era garantido e dava à minha mãe o dinheiro.
Quando fui para Santa Maria
ainda fui ganhando o mesmo dinheiro mas quando chegou ao fim do ano o Duarte
Pimentel disse que ia ganhar igual aos que trabalhavam lá. Porque em Santa
Maria tínhamos de pagar as fardas, enquanto o Terra Nostra fornecia os dolmens
e os smokings que usávamos.
A partir daí passei a ganhar
750 escudos em Santa Maria. Tanto dinheiro. Mas continuava a mandar os 500
escudos para os meus pais. Ficava com o resto e com as gorjetas porque para
Santa Maria eu fui na época áurea, e já tinha sido mais áurea, na altura da
passagem dos americanos mineiros que vinham de África do Sul que traziam as
algibeiras cheias de dinheiro. Passavam durante a noite, paravam e queriam
beber “Mateus Rosé” e “Casal Garcia”.
Em Santa Maria é que percebi
realmente que gostava daquilo, porque comecei a trabalhar 8 horas por dia no
terminal do aeroporto. Então comecei a investir em mim, comprei livros, comprei
um curso de discos da Reader’s Digest, comprei um gira-discos pequenino para
por os discos a tocar onde falavam como se servia, como se entrava, como se
saía. Comprei muito livro e das primeiras coisas que comprei foram revistas de
vinhos, porque não havia formação. O que sabíamos eram os mais velhinhos que
nos passavam o que sabiam e quem gostava evoluía, quem não gostava ficava para
trás, porque eles não repetiam muitas vezes a mesma coisa.
Agora não, há escolas, leva-se
três ou quatro anos para tirar um curso, vão estagiar, depois voltam para a
escola. Eu apanhei muitos estagiários e a escola é muito boa para a teoria, mas
na prática não. Eu dizia aos estagiários para pegarem na bandeja, para pegarem
no talher e eles diziam-me que não sabiam trabalhar com talher, que apenas
sabiam o serviço à americana. Nós fazíamos o serviço à inglesa directo, mostrar
a travessa ao cliente, servir aquilo que o cliente quer. A partir daí o meu
patrão disse que ia passar a dar formação no Hotel Terra Nostra.
Já depois de voltar de Santa Maria?
Isso já depois de voltar de
Santa Maria, de ter ido para a guerra naquela maldita terra, na Guiné. E
continuei a mandar dinheiro para casa. Naquela altura os soldados tinham um
salário mensal que podíamos enviar 75% do dinheiro para os pais. Sabia que os
meus pais precisavam e mandei sempre dinheiro para o meu pai, mesmo na tropa.
Depois voltou para Santa Maria?
Voltei porque o meu posto era
lá. Em 1969 vim às Furnas casar, voltei para Santa Maria sozinho porque já
sabia que o hotel ia fechar. Quando fechou e se chegou à altura de decidir para
onde queria ir, perguntaram se queria ir para o hotel São Pedro ou para as
Furnas. Disse que queria voltar para as Furnas mas o Duarte Pimentel disse que
gostava que fosse com ele para o hotel São Pedro.
Chegou a ir para o Hotel São Pedro?
Cheguei a fazer lá jantares de
gala. O pessoal das Furnas é que ia para as mesas presidenciais, com os nossos
fraques. Ia muitas vezes ao São Pedro, onde fiz serviços que me marcaram. Um
serviço quando veio o Bispo de Boston que era dos Arrifes, D. Humberto de
Medeiros, gostei muito. Um serviço que fizemos para a festa de despedida do
Chefe da Legião Portuguesa. Quando vinha o Presidente da República, ou um
Ministro, era sempre pessoal das Furnas que fazia os serviços.
Era um prazer que nos dava
fazer isso. Quantas vezes fui ao Jardim José do Canto fazer serviços do São
Pedro, até ao Palácio de Santana no tempo em que ainda era da família Hintze
Ribeiro. O pessoal das Furnas é que ia fazer.
Depois é que o senhor Mário
Oliveira disse que o pessoal do Terra Nostra não ia trabalhar mais para o São
Pedro e como conhecia muita gente em Ponta Delgada, começámos a pegar nesses
serviços. Fizemos muitos casamentos no Jardim José do Canto.
Voltando aos tempos áureos do
Terra Nostra e ao Casino…
Eu ainda sou do tempo em que
para se entrar no Casino das Furnas tinha de se usar smoking.
Eu é que desmontei aquele
casino, a roleta que era igual à actual roleta do Casino Estoril. Uma coisa
linda, grande e muito pesada. Tinha uma mesa octogonal que sempre tive o
cuidado de guardar enquanto estive lá, que era uma recordação do jogo naquele
casino.
No casino havia as tardes
infantis para os meninos, com o chá das 5, que se servia uma bolacha feita pela
Finançor, que penso que já não existe, que era a bolacha manteiga toda
picadinha. Servíamos chá aos meninos dos hóspedes, com matiné de macaquinhos e
nós servíamos chá, bolachas, bolo inglês e sumo de laranja.
Naquela altura era o serviço
que fazíamos. Por isso é que digo que o Terra Nostra na altura não dava para
si, porque fazíamos mais do que aquilo que gastávamos com os clientes. O Hotel
Terra Nostra sempre tratou bem os seus clientes.
Mas aqueles serões no Casino,
as matinés, os jantares que se faziam dos torneios de golfe, do tiro aos
pratos. Ao lado do casino havia um pavilhão onde de Verão fazíamos os jantares
dos americanos e dos torneios ali. Enfeitávamos o tecto daquele pavilhão com
verdura e hortênsias, forrava-mos os bares com criptoméria, para ser mesmo uma
festa. Vinham os Athaídes, os Ernesto José do Canto, os Motas, os Bettencourts,
os Sampaios, os Câmaras, os Veríssimos…
Só a alta sociedade ia para as Furnas…
Só a alta sociedade de Ponta
Delgada é que ia para o Terra Nostra. Da Ribeira Grande vinha a família do Chá
da Gorreana e os proprietários do Solar da Mafoma. Nós conhecíamos o avô, o
pai, filho e netos. Eu conheci famílias na quarta geração quando me vim embora.
A prova que conhecíamos, e
tratávamos, os clientes como família é que chegava-se à semana da Páscoa e
havia a tradição de se ir almoçar ao Terra Nostra. No hotel, iam-se mudando os
directores que muitos não conheciam os costumes da terra. Um ano, olhei para os
mapas de serviço e fui à recepção ter com a Fátima Rosa, que hoje é
sub-directora e filha do Ernesto Rosa que me ensinou a trabalhar. Disse que
estava admirado porque havia famílias que costumavam vir todos os anos pela
Páscoa e que não apareciam naquele ano e perguntei se ela sabia se vinham.
Disse-me que não sabia. Fui para o restaurante e apontei num papel quantas
pessoas de cada família costumavam vir na Páscoa. Fui ter com o senhor Mário
Oliveira, grande e bom amigo, que aqueles eram os nossos clientes habituais e
que era Quarta-feira antes da Páscoa e que não via nenhum andamento. Ele disse
que ia saber, mas na recepção não havia nada.
O que aconteceu?
Eles como já sabiam que eu
sabia que eles vinham às Furnas almoçar no Domingo de Páscoa não marcaram. Mas
se eu não estivesse, eles apareciam no dia e tinham de ir para a lista de
espera porque no Domingo de Páscoa e na Primeira Dominga, se quiser vir almoçar
ao Terra Nostra, tem de reservar com antecedência.
Era tradição as pessoas irem
almoçar às Furnas, o célebre filete e o bife à regional. Muitos vinham,
ultimamente por causa da feijoada e dos torresmos de molho de fígado que, não
se faziam no hotel, mas um chef novo o José da Costa Cabral, introduziu esses
pratos.
E depois, os habituais apareceram?
Pois apareceram. Olhe, vou
contar esta história. O senhor Labieno Machado, chegou-se ao Sábado de Aleluia
e não havia marcações no seu nome. Mas era uma pessoa que ou vinha na Páscoa ou
na Primeira Dominga e eu arrisquei e marquei o nome dele. No Domingo, quando
começou o almoço, chamaram-me que tinha uma chamada no telefone. Era o Senhor
Labieno Machado a dizer que se tinha esquecido de marcar mas que vinha almoçar
às Furnas. O nome dele já estava marcado.
Eu conhecia os clientes do
Terra Nostra, quando os via entrar avisava na cozinha que iam sair tantos
filetes ou tantos bifes. E um bife, na altura, custava 12 escudos era muito
dinheiro. Depois da Revolução é que já era 20 e poucos escudos. Quando fui para
o Terra Nostra, um café custava 20 centavos ou uma serrilha como se dizia. Um
almoço no Terra Nostra custava 2 escudos e meio.
Tenho uma ementa do Terra
Nostra muito anterior a 1963 e tem ali preços que eu não sei como se ganhava
dinheiro. Mas o Terra Nostra era especial em tudo. Enquanto os outros hotéis
tinham sopa, peixe, carne e uma sobremesa e outros hotéis que tinham duas
sobremesas, o Terra Nostra tinha hors d’oeuvre (entrada), sopa, peixe, carne e
duas sobremesas. Depois cortou-se o hors d’oeuvre e começou a haver de entrada
lagosta, meia lagosta por pessoa.
Eram mesmo outros tempos...
Entrar no Terra Nostra impunha
respeito. No hotel Terra Nostra era reservado o direito de admissão. Só entravam
hóspedes e seus convidados, mas também não havia os quartos que há hoje. Eram
pouco mais de 15 quartos e as suites.
Eu lembro-me de um porteiro do
hotel, um senhor Costa, com a sua farda e boné (cap) azul, gravata e camisa
branca que impunha respeito naquela entrada e um dia o homem mais rico desta
terra, o senhor Hintze Ribeiro, chegar-se à porta do hotel e ele perguntou se
ele era hóspede do hotel. Quando ele respondeu que não, não o deixou entrar. É
que no dia antes tinha havido uma zaragata no hotel e foram-se queixar que
houve muito barulho e as pessoas tinham ido para ali para descansar, não
queriam barulho.
O hotel era considerado uma
segunda casa, não havia barulho, músicas, nada. Música no Terra Nostra era só
no mês de Agosto e nos casamentos, mas praticamente ninguém vinha casar às
Furnas porque era puxado.
Eu trabalhei ali 43 anos,
dediquei a minha vida àquele hotel, em prejuízo da minha família. Digo que, se
o tempo voltasse para trás, eu fazia exactamente igual mas de certeza que ia tirar
tempo para a minha família. Não dediquei o amor que tinha à minha mulher
enquanto trabalhei.
Ao Domingo, eu saía às 7h30 da
manhã de casa, vinha almoçar às 11 horas e quando fosse 11h30 tinha de estar no
hotel para tocar o gongo.
O gongo?
No Terra Nostra havia um gongo
que eu tocava a primeira vez e os clientes já sabiam que ia abrir o restaurante
e quando abria o restaurante, meia hora depois, voltava a tocar o gongo, já com
outro toque. Tocava primeiro na recepção e depois ia à escada tocar para se
ouvir nos quartos todos. Havia pessoas que vinham para a recepção para me tirar
fotografias a tocar o gongo.
Já não há tanto “amor à camisola” como no seu tempo?
Agora há amor ao dinheiro.
Hoje ninguém quer um trabalho, querem um emprego e o fim do mês. Isso dói-me
apesar de na altura também ter de me preocupar com o fim do mês. Eu digo-lhe,
só no fim da minha carreira é que comecei a ganhar dinheiro. O senhor José
Paiva é que me disse que os outros chefes de sala dos outros hotéis ganhavam
tantos contos e eu ganhava metade do ordenado deles. Quando se chegou ao início
do ano, fez a proposta para eu ganhar 200 contos. O Doutor Luís Bensaúde
telefonou ao senhor Paiva e perguntar porque tinha recebido aquela proposta.
Ele explicou e ele autorizou.
A primeira vez que recebi
aquele ordenado vim para casa a tremer porque nunca tinha visto tanto dinheiro
na minha vida.
Quanto ganhava antes?
Ganhava 50 contos. A partir
daí comecei a ganhar 200 contos, mas continuei a trabalhar igual. Mas fui abrir
o hotel do Nordeste, fui abrir o da Terceira, ganhei um aneurisma, e estive um
ano sem trabalhar. No dia em que o médico me deu alta, cheguei a casa e a minha
mulher tinha as passagens para eu ir no dia seguinte para o Faial, abrir o
Hotel Canal. Depois fui fazer a passagem de ano para o Hotel Canal e quando
regressei o senhor Paiva disse que eu não saía mais. Mas nessa altura já não
era chefe de mesa, já era relações públicas do hotel e formador, tinha 60 anos.
Inaugurou todos os hotéis...
Todos os hotéis Bensaude eu
inaugurei. Fiquei contente porque estavam a acabar o hotel Açores Lisboa, na
Praça de Espanha, e eu pensei que não ia ter trabalho com esse. Mas naquele
fim-de-semana o doutor Luís Bensaude vem às Furnas e diz-me para fazer as malas
que ia para Lisboa. Disse-me que ia inaugurar o Açores Lisboa e que ia a equipa
toda: eu, a Luísa, a Ana, o Luís Pedro, o senhor Saraiva, o Marco, sempre a
mesma equipa. Disse-lhe que já tinham uma equipa lá e que não havia necessidade
de eu ir e ele respondeu-me que quem abriu o Nordeste, a Terceira e o Faial,
tinha de abrir o último. Por enquanto é o último. E fui. Estive em Lisboa quase
três meses.
Costumo dizer que fui um
escravo, mas posso lavar a minha cara porque não trouxe nada a que não tinha
direito. Por isso, ainda hoje, quando há uma festa ou quando acontece qualquer
coisa da Bensaude o meu telefone toca e dizem sempre que contam comigo.
Isso é motivo de orgulho...
Agora é. E ainda mantenho uma
boa relação com a família Bensaude. Ainda há dias, estive a falar num grupo de
amigos e disse quem me dera um dia juntarmo-nos todos desse tempo, e cada um
contar as suas histórias e depois passar aquilo para livro, para os vindouros
olharem para aquilo e reconhecerem o que fizemos.
“Será possível o que estes
homens fizeram?”, e sem condições. Quantas vezes queríamos um copo para servir
vinho e não tínhamos? Quer dizer tínhamos, e sempre boa loiça, mas tinha de se
lavar para servir novamente. Tínhamos um bom talher, tínhamos loiça Kristoff,
até travessas de servir à mesa de Kristoff.
Hoje já não são precisas travessas de servir, essa atenção pessoal
perdeu-se na hotelaria?
Naquele altura tínhamos
clientes habituais e a relação que tinha com eles é diferente porque hoje em
dia aparece uma pessoa um dia e no outro dia é outra. Naquele tempo não era
assim.
Há pessoas, mesmo do
continente, que vinham todos os anos. Tenho um casal que é de Fiães, que já é
tão amigo que vem passar serões para a minha casa. Dorme no Terra Nostra e vem
passar serão e come na minha casa. São amizades que me ficaram do Terra Nostra.
Mas aquele hotel era lindo.
Até as mãos das portas tinha TN (Terra Nostra), todos os talheres, pratos,
chávenas de café, copos tinham TN gravado. Toda a empresa tinha chancela.
Quando eu comecei a trabalhar ali sentíamos brio, quando saíamos a porta do
hotel parecíamos doutores. Não saía para lado nenhum, ou estava no hotel ou em
casa.
A vida que levávamos no hotel
era tão bonita que não queríamos ir para bar nenhum porque não havia em lado
nenhum das Furnas, aquilo que havia no Terra Nostra e nós sentíamo-nos
superiores às outras pessoas. Hoje, ninguém dá valor a isso. Hoje querem pouco
trabalho e muito dinheiro. Antes sentíamos prazer a trabalhar. Cheguei a
trabalhar com 14 pessoas no restaurante e de Verão assobiávamos para dar conta
do recado. Só casamentos era uma loucura. Mas gostei muito daquela vida."
In Correio dos Açores
Criado em
30-01-2016
Escrito por Carla Dias
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