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sábado, 3 de julho de 2021

OPINIÃO: ESTRAGOS DE TEMPORAIS

Está de luto o Concelho da Povoação pelo desaparecimento de duas cidadãs, ocorrido quando estavam exercendo o seu trabalho profissional, em meritório serviço aos mais idosos, organizado pela Santa Casa da Misericórdia. Foram arrastadas, dentro do carro em que seguiam, pela força das águas, na súbita cheia de uma das ribeiras que atravessam as lombas e se dirigem para o centro, a caminho do mar. Na altura em que escrevo, ainda não foram encontrados os respectivos cadáveres, o que agrava a dor das famílias, impedidas de fazerem o seu luto segundo os costumes das nossas ilhas. Solidarizo-me com todos os enlutados, daqui lhes exprimindo as minhas sinceras condolências.


Estamos todos sujeitos a estragos de temporais, por vezes devastadores. A fúria dos elementos pode desencadear-se com tanta força, que nada se pode fazer para a suster, restando-nos apenas resistir e depois reparar o que ficou destruído. Temos disso longa experiência e de algum modo anima-nos a solidariedade, que em tais circunstâncias, felizmente, nunca tem faltado.

Desde logo a solidariedade dos mais próximos, que no caso concreto se tem podido comprovar. Estou certo que muitos dos que foram para a beira-mar, junto à foz da Ribeira do Além, lançando angustiadamente os olhos para o mar, na tentativa de descobrir algum rasto das infelizes desaparecidas, não tinham com elas qualquer outra proximidade que não fosse a de uma vizinhança alargada, que ainda marca as nossas comunidades mais pequenas.


Lembro-me de ter acontecido algo semelhante quando de outras cheias na Povoação, já lá vão bastantes anos. Julgo que foi em Setembro de 1986 e só consegui deslocar-me lá passados alguns dias, por ter estado na Horta, em reuniões na Assembleia Regional. Também no Nordeste esse temporal teve impacto desastroso, fazendo ruir grandes arvoredos e destruindo pontes.


Tinha visto na Televisão as imagens desoladoras do temporal durante a sua fase mais forte, arrastando a ribeira carros e tudo o mais que se encontrava nas ruas, no caso dos automóveis indo mesmo buscá-los ás garagens em que se encontravam fechados, inundando-as e partindo as portas; e as águas em excesso alagavam as ruas, entravam pelas casas e pelos estabelecimentos comerciais dentro, empurrando e destruindo tudo na sua passagem; uma camada espessa de lama ficou cobrindo o centro da Vila, quando a cheia amansou, deixando uma marca bem alta nas paredes dos edifícios.


Mas quando lá cheguei, com surpresa, verifiquei que dos mais visíveis sinais da cheia já não havia sequer rasto... Explicaram-me que tinha vindo povo das lombas ajudar a limpar ruas e paredes, e mesmo o rés do chão das casas, num belo exercício de vizinhança e solidariedade. Ficavam os estragos e os grandes prejuízos sofridos por quase todas as famílias e os comerciantes do centro, para os quais o Governo da Região Autónoma dos Açores definiu um programa de ajuda, para além de, em colaboração com os órgãos administrativos do concelho e das freguesias, se ter envolvido no fortalecimento das pontes,  na melhoria do estado das ribeiras e na normalização dos seus cursos, em termos cujos frutos ainda agora se puderam comprovar. 


Além disso, também se trabalhou na melhoria das habitações nas zonas afectadas, com destaque para a freguesia do Faial da Terra, onde as águas também tinham subido impetuosamente, causando a morte de duas pessoas idosas e invadindo a própria igreja paroquial e o “triato” do Império do Espírito Santo, neste até à altura do lugar onde se encontrava a Coroa, iluminada por uma luz, que nem sequer se apagou! 


Em tudo isso foram aproveitados as experiências e os ensinamentos que se retiraram da grande catástrofe do Terramoto de 1 de Janeiro de 1980, envolvendo as populações na recuperação dos estragos, em especial dos que mais directamente afectavam cada família, naturalmente a respectiva casa de habitação.


Nos casos de temporais mais poderosos e destruidores, também nos tem valido a ajuda do exterior, como ainda não há muito tempo se verificou com o furacão “Lorenzo”. Quando foi do Terramoto, para além das entidades do Estado Português e de países amigos do nosso, chegaram-nos manifestações concretas de solidariedade de gente e de lugares desconhecidos, daqueles que nem sequer os mapas assinalam e que ainda hoje não consigo recordar sem emoção.  

Tão regulares se apresentavam os temporais e os seus efeitos que nessa altura passou-se a inscrever no Orçamento Regional, todos os anos, uma verba especial destinada a reparações urgentes. A época dos temporais costumava coincidir com os equinócios, mas, nos últimos anos, dá a impressão que deixaram de ter data fixa, aparecendo em qualquer altura, fruto talvez da mudança climática. Sinal dela será também o atraso na chegada do Verão, embora algum saber antigo indicasse que o calor só se sente nas nossas ilhas por altura das novenas da Senhora do Carmo, o que quer dizer por meados de Julho... Acrescentavam esses ditos antigos que o primeiro dia de Agosto era o primeiro dia de Inverno, pouco optimistas sobre a duração do bom tempo nos Açores.


(Por convicção pessoal, o Autor não respeita o assim chamado Acordo Ortográfico.) 


João Bosco Mota Amaral 


In Jornal Correio dos Açores 29, de junho de 2021.


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