Antigo Moinho em Água Retorta |
Sabe
Deus, e sabem os idosos, quanto trabalharam de sol a sol, mal alimentados, com
magras refeições (quantas vezes umas couves aferventadas, onde a banha por aqui
passou, mas não entrou).
Foram
os nossos avós homens e mulheres de coragem. A solidariedade andava de braço
dado, de mão em mão, coração a coração, na entre ajuda na labuta de cada dia.
Pedra
a pedra, com argamassa, deixaram-nos belos edifícios, verdadeiras obras de arte
em cantaria, escultura, talha, pintura, maravilhas do tear.
Deixaram-nos
nossos avós tantas coisas que avivam a nossa memória, recordando os pioneiros
sem regresso que sabiam viver em harmonia com a mãe natureza.
O
agradecimento mais sincero para com eles é conservarmos tudo aquilo que nos
legaram e que é tão característico do nosso concelho, da nossa ilha, da nossa
região Açores. É de lamentar, é incompreensível deixarmos demolir casas,
fontenários, moinhos etc, etc, que são parte do nosso património mais genuíno.
É impressionante a nossa apatia quando vemos e nada fazemos, por tantas coisas
que deixámos ruir aos poucos e cada vez mais se vão degradando até que ficam só
na memória de alguns. Louvável quando a Junta de Freguesia ou Câmara Municipal
faz renascer ou mantém património característico de localidade.
Dirão
alguns: para quê fontenários? Todas as nossas casas têm água canalizada! É
verdade e é um bem precioso. Instalou-se na nossa vida o comodismo; quando nos
falta a água, mesmo que seja por uma hora ou duas, logo dizemos cobras e
lagartos. Os fontenários fazem parte da nossa memória coletiva e saciam a sede
de quem por eles passa.
(Água
fresca que escantou)
Boquinha
da noite, ouvi-o assobiar a sapateia, ligeira agarrou a talha – oh mãe! Não tem
água. Eu vou à fonte. Não demores que a noite trás malefício! Isto são
crendices.
Estava
meio fusco junto a fonte sorrindo estava o Manuel – dá-me a talha que encho ao
dar-lhe roubou-lhe ele um beijo – se fosse só um, mas não, foi uma chuva deles
– um abraço dois ou três, assim aconteceu a sedução foi levada como a água pró
moinho na cantata do moleiro a Maria moleirinha.
Desculpai
a minha reminiscência e o meu alertar… Concelho da Povoação Celeiro da ilha.
Era assim designado ou conhecido o Concelho; os seus terrenos eram propícios ao
cultivo do milho. Era tal a abundância desse cereal que era exportado para
diversas ilhas açorianas e para outras localidades micaelenses.
Durante
longos anos, foi o cultivo do milho um dos principais meios de sobrevivência
dos povoacenses que, para moerem este precioso cereal, foram construindo
moinhos, na maioria, movidos a água, aproveitando os recursos naturais que a
generosa natureza lhes oferecia. No Concelho povoacense, chegaram a existir
quarenta e dois moinhos, se a memória da nossa gente, que é sempre senhora da
verdade, estiver certa?
Ao
longo dos anos, foram-se degradando. Alguns houve que resistiram às
intempéries, apesar de terem sido danificados. A estes poucos impõe-se a sua
recuperação.
Na
Ribeira dos Bispos, de permeio da magnífica Lomba do Loução e florescente Lomba
do Alcaide, existiam sete moinhos – devido a temporais três são ruinas, um é
habitação com o moinho inoperante sem existência de acessórios, o último moinho
que funcionou pertenceu ao Sr. José Amaral (de saudosa memória) era conhecido
por José Linhares foi simpático no trato com seus clientes.
É
de salientar o moinho do Engenho que, movido a água, debulhou, durante dezenas
de anos, moios e moios de trigo… era tal a quantidade deste cereal, acumulado
no recinto anexo ao Engenho, à espera de debulha que, por vezes chegava a
grelar. Este moinho do Engenho, pertenceu ao senhor António Pragana.
A
Câmara Municipal adquiriu o recinto e o edifício onde está instalado o moinho
do Engenho. Este faz parte do nosso património histórico foi restaurado,
designado como Museu do Trigo diversos eventos acontece é Museu vivo em cada
dia valoriza o Concelho Povoacense.
Dos
onze moinhos que existiram na Vila da Povoação, dez foram demolidos, apenas se
mantém em atividade um deles, apesar de ter sido ameaçado por duas tremendas
cheias que bastante o danificaram. Graças ao apoio financeiro do Governo
Regional, o moinho manteve-se em atividade e pelo empenhamento do falecido
proprietário, o Sr. Manuel Resendes, conhecido por Manuel Amaro. O moleiro no
conhecimento de vida era sábio no levar a água a seu moinho, Divino Pai o tenha
no seu reino bem a quanto, não se encontre entre nós. Após um outro moleiro
esporadicamente ali trabalhou o Sr. Francisco Campos – Chico Bixim entendido no
ofício vivo na nossa memória em Deus. É situado este moinho na proximidade da
Ponte Nova, estando o moinho situado no rés-do-chão. No primeiro andar, uma
mora, de nome Maria da Paixão de M. A. Resendes, ali instalou uma loja de
artesanato, na sua maioria loiças decorativas, candelabros de latão, loiça
decorativa da Ribeira Grande e outras localidades bordados regionais, etc.
Incentivou
esta senhora familiares e instituições oficiais da Povoação – um bom motivo
para preservarmos os nossos moinhos com critérios adequados, de modo a que
sejam atrativos para os que nos visitam e que de certo levarão recordações do
Concelho mais lindo dos Açores. Os artigos confecionados pelos artesãos ou
artesãs devem ocupar nestes locais o primeiro lugar.
A
srª Maria da Paixão, ótima artesã, tem certificado de confeção – presépio de
lapinha – registo do Sr. Santo Cristo e Bordado Regional.
Rua
das Maquias
Há
décadas de anos, foi assim designada uma rua desta Vila, pérola preciosa que o
mar enamorado vem beijar. Anexa à ribeira, existiu um moinho que, há muito, foi
demolido. Era seu proprietário e moleiro o tio Jacinto, homem de bom caráter,
bom trabalhador, que sabia gerir o seu fraco rendimento, cuja fonte principal
era maquiação de cada alqueire de milho que era moído. Ele tirava uma maquia, o
que corresponde a oitocentas gramas de farinha.
Historial
da designação da rua, o citado tio Jacinto aos poucos foi construindo pequena
casa com duas divisões, quarto e cozinha. Ao verem este pequeno progresso, os
seus conterrâneos comentavam: “as maquias estão dando” e assim se propagou este
nome
Para
suavizar um pouco esta narrativa, vou citar duas quadras que, possivelmente,
são tão velhinhas como alguns dos nossos moinhos. Estas quadras foram-me
transmitidas verbalmente pelo senhor Manuel Resendes.
1
Aqui
vem o nosso moleiro
Pensava
que ele não vinha
Ele
é um patarateiro
Que
não me trouxe a farinha.
2
Eu
sempre é que sou culpado
O
culpado sempre sou
Por
via do temporal
O
moinho se quebrou
Na
Ribeira do Além junto à airosa Lomba do Botão e Pomar existiram cinco moinhos,
três extintos há muito tempo; os outros dois estiveram ativos até 14 de
dezembro de 1996, dia em que a grande cheia os demoliu.
Na
Ribeira dos Palames, aconchegada à encantadora Lomba do Cavaleiro e à pacata
Lomba do Carro, existiam três moinhos: dois deles estão em ruínas. O terceiro
está necessitando de reparações, especialmente o penado.
Pertence
este moinho ao senhor Gilberto Arnaldo Amaral.
Mais
uma quadra antiga alusiva aos moleiros:
Tu
levas a saca cheia
De
milho para vir farinha
Mas
se não fosse a cadeia
Nem
sequer a saca vinha.
Na
Ribeira Quente, neste local de beleza ímpar, existiram três moinhos,
infelizmente demolidos, ficou-nos o nome – Rua dos Moinhos.
No
Formoso Vale das Furnas, no passado, eram nove moinhos. No presente, existe um
graças ao dinamismo do Senhor Delmar Carvalho de Medeiros, ex. presidente da
Junta de Freguesia de Furnas, que no seu mandato mandou reconstruir uma Azenha
que moia milho, dois ou três dias na semana, este moinho serve também de local
de trabalho de artesãos locais, como por exemplo, cesteiro, galocheiro, etc.,
etc., que ali confecionavam obras de arte que são muito apreciadas e adquiridas
por turistas e habitantes locais.
No
Faial da Terra “presépio de Concelho” existiam seis moinhos, “historial”
temporal e cheia destruiu a levada e equipamento diverso imprescindível na
moagem do cereal. A Junta de Freguesia – Câmara Municipal e apoio do Governo
Regional, reconstruiram a levada e um moinho que funcionou algum tempo – o
último moleiro foi o sr Manuel F. Melo alcunha Manuel Caixa, três moinhos são
vivendas particulares.
Na
fascinante Água Retorta, existe uma moagem que funcionou uma vez por semana. É
seu proprietário o senhor Manuel Sardinha e de moinho de vento sendo este único
do género do Concelho. É considerada conveniente a sua recuperação, incutindo
nas novas gerações o não abandono do nosso património.
Moinho
de água existiam três, o último que funcionou foi o da torre – Lomba das Eras,
com o passar do tempo é passado. O Água Retortence é coerente na tradição e
decerto irão recuperar um…
Um quadro rural
Há
dezenas de anos, no pitoresco rural das nossas Lombas e Freguesia, logo ao
romper da manhã, viam-se os camponeses de sacho ao ombro a caminho dos terrenos
que iam sachar para as sementeiras. Um ou outro boieiro, com uma junta de bois
e uma mula com um arado ou grade no dorso escarrapachado, uma ou outra chaminé
a fumegar, o vendilhão que ia caminhando vergado e bamboleando carregado com
dois cestos bem cheios de peixe que levava dependurados numa palanca apoiada no
ombro, e lá vinha o pregão “ei chicharro fresco”… aos poucos ia o vendilhão
trocando duas ou três dúzias de chicharros por uma quarta de milho. Pouco
depois, via-se o moleiro e o seu fiel companheiro, o burro, carregado de
moenda, de porta em porta, ia o moleiro distribuindo as sacas de farinha, ou recolhendo
o grão para moer.
Com
um sorriso de esperança espelhado no rosto, era sempre bem vindo o moleiro.
Boquinhas famintas sabiam que em pouco tempo seria confecionada a papa, o bolo
ou o pão que as iria saciar.
Está
quase no terminus a geração de moleiros e não se vê alguém que queira esta
nobre profissão, mas pouco lucrativa nos nossos dias. O milho que é cultivado,
na sua maioria, destina-se a silagem para alimento do gado bovino. Poucas são
as pessoas que o cultivam para a confeção de pão e seus derivados…
Do
meu sentir (em jeito de homenagem aos moleiros)
1
Anda
o moleiro na freguesia
Recolhendo
o grão para moer
No
seu velho moinho
Assim
passa o dia
Vezes
sem conta sozinho
Sem
nunca esmorecer.
2
Com
tantos cuidados
Com
grão e ternura
Faz
a farinha
Que
é pão de ventura
P`rá
fome matar
A
tanta boquinha.
3
Ai,
moleiro, que trôpego que estás
E
vais de porta em porta
Levando
farinha para o pão
Estás
velho e cansado
Isso
que importa
Se
não envelhece teu coração.
4
Quando
a noite se avizinha
Regressa
a casa o moleiro
P`rós
filhos e mulher abraçar
Roupa
suja de farinha
De
labutar o dia inteiro
P`ró
pão a todos dar.
Benjamim
Carmo
Povoação,
terça-feira, 24 de janeiro de 2017.
Excelente texto e reflexão. Sinto-me compreendida. O capitalismo é um vírus que mata a História, a poesia e a solidariedade. Agora que há máquinas e mais facilidades, AGORA É QUE É A HORA DE PRESERVAR, SEM GRANDE ESFORÇO, AQUILO QUE OS NOSSOS ANTEPASSADOS CONSTRUÍRAM COM INIMAGINÁVEIS DIFICULDADES!
ResponderEliminarBem haja pela chamada de atenção, amigo Benjamim.
fátimadruga