“Há
uma história interessante em relação a Vasco Bensaude. Estando o Estado
Português a necessitar de adquirir uma grande quantidade de trigo e sem
liquidez para o fazer, o Banco de Inglaterra apenas aceitou a transação com o
aval de Vasco Bensaude. Conta-nos a história que um homem de figura modesta e
fina entrou no banco, seguindo as instruções que lhe foram dadas, assinando as
letras e responsabilizando-se, ele próprio, por dar de comer a milhares de
portugueses. Um privado tinha mais crédito que o próprio Governo…”. Esta
credibilidade de Vasco Bensaúde, por altura da evocação dos 50 anos da sua
morte que hoje se assinala, dá para perceber a dimensão que atingiu, por
exemplo, na distribuição de combustíveis, no transporte marítimo e no turismo.
Neste
dia de 5 de Agosto de 2017, assinalam-se os 50 anos da morte de Vasco Bensaude,
reconhecido por ser um dos maiores visionários que já habitaram as ilhas dos
Açores. Vasco Elias Bensaude nasceu a 26 de Abril de 1896 em Lisboa, sendo
filho do eminente historiador dos descobrimentos portugueses, Eng.º. Joaquim
Bensaude e de Cecília Sophia Nathan Bensaude. Casou em Paris, a 27 de Novembro
de 1922, com Lilli Rose Éleonore Kann, sendo pai de Filipe, Béatrice,
Antoinette e Patrícia Bensaude (atual Presidente do Conselho de Administração
do Grupo Bensaude). Desde muito novo que o seu amor pelos Açores se manifestou,
influenciado pelos seus parentes mais próximos. Tendo crescido entre o final da
Monarquia e o início da República, viveu em Portugal – Lisboa e Ponta Delgada -
Inglaterra, França e Suíça. Viveu durante 2 Guerras Mundiais, viu iniciar-se o
Estado Novo, a “grande depressão” de 1929 e assistiu a um regicídio.
Estudou
em Inglaterra, em Bedales na região de Hampshire, onde fez o seu curso liceal.
Não tendo revelado interesse pelas áreas então em voga como as ciências ou
engenharias, enveredou pela área da gestão, que estava a dar os primeiros
passos no ensino universitário enquanto ciência.
Optou
pela prestigiada Universidade de Saint-Gall, Suíça, considerada ainda hoje,
como uma das mais importantes universidades do mundo germânico na oferta dos
cursos de economia e gestão.
Esta
decisão revelou-se crucial para o seu futuro, pois ficou preparado para melhor
compreender os novos desafios da economia, associados a uma mudança drástica do
mundo de então e para gerir a “inesperada” herança dos tios Abraão, Walter e
Henrique. Assumiu-se como figura providencial para a preservação do património
da família, devido à sua postura, seriedade, contenção e método. Reservado,
tímido, sabedor e sem grande vocação para a conversa de circunstância, Vasco Bensaude
foi sempre reconhecido como amigo fiel e dedicado, patrão justo e homem de
negócios sério. Um dos marcos da sua simplicidade é a forma como chega a Ponta
Delgada em 1915, já como sócio da Bensaude e Cª, remando ao lado dos seus
homens num esquife que o havia de deixar em terra. Meticuloso e obsessivo no
trabalho, generoso e charmoso no trato, Vasco Bensaude deixou saudades entre os
que o conheciam e entre os que com ele privaram. Se por um lado fomentava
relacionamentos com os mais ilustres intelectuais, por outro, fazia questão de
manter uma relação de grande proximidade com os seus empregados, com destaque
para o seu chauffeur Hermínio (que tinha estado nas trincheiras da Grande
Guerra na Flandres). Não era raro, também, convidar “estrangeiros” a
frequentarem a sua casa no Pico de Salomão, em São Miguel, fomentando assim a
multiculturalidade das suas relações. Vasco Bensaude nunca pretendeu gerir os
negócios ou ser respeitado, mercê da força do seu dinheiro ou prestígio da sua
herança. Sempre acreditou que a autoridade apenas assentava no mérito e, por
isso, atuava no “círculo de competência”. Foram estas características de
personalidade que o fizeram, também, refugiar-se entre os seus livros, na
apicultura, na jardinagem, onde sempre manifestou conhecimentos enciclopédicos
e especialmente com os seus cães. Foi o grande iniciador e principal
impulsionador do apuramento da raça portuguesa dos cães de água do Algarve, que
denominou “Algarbiorum”, sendo “Leão” o seu primeiro cão. Contribuiu com o seu
aprofundado estudo, esforço, dedicação e persistência, para fazer reviver em
toda a sua pureza, uma raça que estava praticamente extinta e hoje tão
apreciada, sendo o exemplo mais mediático os dois cães da Família Obama (EUA).
Inspirado
pelo tio Abraão: “do bom arranjo virá vantagem”, pelo seu tio Walter, “tempo e
paciência” e pelo seu avô José Bensaude: “tão nacionais são os braços das ilhas
como os do continente”, Vasco Bensaude encetou a sua carreira no mundo
empresarial. Num Mundo em constante “revolução” e num país pobre, Vasco Bensaude
conseguiu ser um cidadão do Mundo. É bem conhecida a paixão de Vasco Bensaude
pelo mar, a navegação e os navios, fruto de secular ligação da família com o
meio marítimo. Foi gerente da Parceria Geral de Pescarias, companhia mais
antiga do sector e que herdou dos tios. Esta empresa dedicava-se à pesca do
bacalhau, nos bancos da Terra Nova e na Gronelândia, como também à pesca da
sardinha, a partir de Setúbal e de Vila Real de Santo António. Sob a égide de
Vasco Bensaude e sem quebrar a tradição, foram realizados investimentos,
aumento da frota e introduzidas profundas inovações na pesca e na seca do
bacalhau.
A
Empresa Insulana de Navegação é o exemplo perfeito de como Vasco Bensaude,
contra tudo e contra todos, quis manter os Açores abertos ao Mundo. Esta
empresa, fundada em 1871, fora comprada pelo seu tio Abraão em 1873. Era a
companhia de navegação mais antiga de Portugal.
Empenhou-se
e interveio em todas as fases de construção do CARVALHO ARAÚJO, construído
propositadamente para a Insulana e lançado à água em Monfalcone, Itália, a 17
de Dezembro de 1929. Com aspeto elegante e moderno para a época, tinha
capacidade para transportar 354 passageiros. A viagem inaugural à Madeira e aos
Açores teve início a 23 de Abril de 1930 e o navio foi recebido festivamente em
todas as ilhas. Mas foi o projeto do navio FUNCHAL, construído nos estaleiros
Helsingor, Dinamarca, que mereceu o maior carinho por parte de Vasco Bensaude.
Fez questão de participar na “construção” do navio, verificando todos os
cálculos e projetos do engenheiro. Em questões de decoração, divisão dos
interiores e condições de conforto, Vasco Bensaúde foi inabalável nas suas
posições frente ao engenheiro projetista, o então, Capitão-de-Fragata Rogério
de Oliveira.
Foi
lançado ao mar no dia 10 de Fevereiro de 1961 e o resultado foi um “navio de
linhas extremamente elegantes, que exteriorizava a aparência de um iate, apesar
das suas quase 10.000 toneladas”. Foi considerado um dos mais atrativos
pequenos paquetes, com capacidade para 400 passageiros. O FUNCHAL revolucionou
o transporte de passageiros com o Continente e em 1962 foi escolhido para
transportar o Presidente da República, Almirante Américo Tomás, em viagem
oficial aos Açores. Vasco Bensaude teve o engenho de somar aos investimentos já
realizados pelos seus antepassados, outros de enorme sucesso: - A fundação da
Sociedade Terra Nostra (1933) - Criação do Bureau de Turismo - A aquisição e
reabilitação do Parque Terra Nostra – um dos mais emblemáticos parques
botânicos do Mundo, ex-líbris do Vale das Furnas e da ilha de São Miguel. -
Criação da Casa Regional - A construção do Hotel Terra Nostra, referência de
luxo e modernidade da Arte Deco (1935) - Construção do Campo de Golfe das Furnas
(1937) - A Fundação da SATA – Sociedade Açoreana de Transportes Aéreos (1947) -
A aquisição da Mutualista Açoreana (1950) Um especial destaque para o Hotel São
Pedro, dos mais luxuosos e elegantes da Europa à data, inaugurado em 1965. Foi
bem conhecido o acompanhamento e entusiasmo de Vasco Bensaude em todos os
pormenores durante as obras, na casa que pertencera a Thomas Hickling (primeiro
cônsul americano em S. Miguel). Foram decisões de verdadeira arte e bom gosto,
que ainda hoje perduram no tempo. Mas também na área da indústria, Vasco Bensaude
destacou-se pela sua dedicação e especial atenção. O seu empenho permanente
contribuiu para a modernização da Fábrica de Tabaco Micaelense (FTM),
realçando-se a instalação, no ano de 1950, de uma máquina americana de secagem
de tabacos, essencial para acabar com o bolor das variedades de tabaco. É,
pois, sem espanto, que ainda hoje parte da estratégia do Grupo Bensaude
continua a preservar decisões tomadas por Vasco Bensaude, como por exemplo a
distribuição de combustíveis, o transporte marítimo e o turismo. Há, também por
isso, uma história interessante em relação a Vasco Bensaude. Estando o Estado
Português a necessitar de adquirir uma grande quantidade de trigo e sem
liquidez para o fazer, o Banco de Inglaterra apenas aceitou a transação com o
aval de Vasco Bensaude. Conta-nos a história que um homem de figura modesta e
fina entrou no banco, seguindo as instruções que lhe foram dadas, assinando as
letras e responsabilizando-se, ele próprio, por dar de comer a milhares de
portugueses. Um privado tinha mais crédito que o próprio Governo… Filantropo e
Homem culto e do Mundo, Vasco Bensaude foi reconhecido pela oferta de refúgio
durante a II Guerra Mundial, a sua notável relação com a Maternidade Abraão Bensaude
ou ainda o apoio à Colónia Balnear “O Século”. Conta-nos a História que Vasco
não dava esmolas, oferecia trabalho, pois só o trabalho dignifica, algo que
demonstra bem a sua faceta humanista. Vasco Bensaude foi educado para o valor
da poupança e da contenção, tendo assumido a responsabilidade de ser o maior
empregador da ilha de São Miguel, sendo que não raras vezes mandava destruir o
que estava bem construído, reerguendo vezes sem conta o que estava bem feito,
para garantir que os seus homens tivessem sempre trabalho. Não se importando
com reconhecimentos sociais, Vasco Bensaude foi condecorado com a “Ordem
Militar de Cristo” e Grande-Oficial da Ordem Civil do Mérito Agrícola e
Industrial. Foi ainda Grande-Oficial da Ordem de Benemerência de Portugal e,
mais tarde, Comendador da Ordem Civil do Mérito Agrícola e Industrial. Serão,
sempre, poucas as palavras para descrever tão ilustre e modesta figura, que
tanto fez pelos Açores e pelos Açorianos, que ainda o recordam 50 anos após a
sua morte.
(Correio
dos Açores)
Povoação,
sábado, 5 de agosto de 2017.
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