“Já tivemos dias de vender 600 maçarocas de milho cozido ao fim-de-semana” no pequeno quiosque das Furnas
Por estes dias as Furnas são um dos locais mais visitados na ilha de São Miguel e todas as suas iguarias são experimentadas uma e outra vez, ao mesmo tempo que os visitantes se deliciam com as belíssimas e verdejantes paisagens, e com as poderosas caldeiras.
Quem chega à freguesia fica difícil não se deparar com um dos produtos que certamente rivaliza com os bolos lêvedos: as maçarocas de milho doce, cozidas nas Caldeiras. Para quem segue o percurso das Caldeiras é fácil notar que a Caldeira do Esguicho é diferente das outras, seja pela água amarela esverdeada que vai borbulhando, seja pelos sacos de ráfia branca que estão a boiar no local.
Os turistas ficam no topo da pequena escada a olhar para a Caldeira do Esguicho e a tirar fotografias, envoltos nas nuvens de vapor com forte cheiro a enxofre. Uns tapam o nariz devido ao forte e pungente cheiro, outros apontam para o amarelado da água que dizem ser “tóxica” e há até quem fale na “poluição” dos sacos de ráfia e questione porque ainda ninguém se aventurou a ir retirá-los.
Certo é que quando vêem chegar ao local António Vieira, a curiosidade adensa-se. Principalmente quando se apercebem que aos 70 anos, e auxiliado por uma bengala, António Vieira salta o pequeno muro e se encaminha para a caldeira. Os turistas ficam apreensivos, até que percebem que aquele homem, com uma bengala esculpida em madeira, se prepara para retirar os sacos brancos da Caldeira.
Antes já tinha pegado num pequeno carrinho de metal que colocou junto ao muro, para ser mais fácil transportar os sacos de ráfia até à carrinha, estacionada no início daquele caminho para a Caldeira. Com um enorme gancho, António Vieira revira os seus sacos e puxa dois para fora do “fogão natural”.
Apesar de haver vários cozedores de maçarocas que usam a Caldeira do Esguicho para o seu ofício, António Vieira diz que reconhece os seus sacos “pelo atilho” e explica que ao contrário dos outros empresários, usa a tradicional espadana para selar os sacos com as maçarocas.
Nisto, continua a puxar os sacos enquanto é fotografado pelos imensos turistas que aproveitam para documentar os passos da cozedura do milho, dali até ao pequeno quiosque onde a filha de António Vieira, Isaura, retira as folhas já amareladas e vende a quem queira provar o milho cozido nas Caldeiras.
Uma vida dedicada ao milho
Atarefado porque “o milho já está a faltar”, António Vieira não pára de trabalhar enquanto vai informando que já há 45 anos que coze milho na Caldeira do Esguicho. Há várias Caldeiras que têm o nome derivado daquilo que coziam, como o caso da Caldeira dos Vimes ou da Caldeira dos Inhames. Agora, só a do Esguicho ainda mantém esta tradição tão característica de usar o calor das águas férreas para cozinhar. “Não vamos sujar as outras caldeiras. As outras são coisas lindas”, revela António Vieira que diz que o milho cozido nas Furnas “é uma coisa única”.
Confessa que “já corri mundo” nos milhares de fotografias que já lhe tiraram enquanto exerce o seu trabalho ali na Caldeira. Colocando ao longo do dia os vários sacos de milho que após uma hora e meia está cozido e é depois dado a degustar aos turistas e locais.
O milho que António Vieira coze vem da Povoação. Nas Furnas também há, embora não em tão grande quantidade, mas “é mais serôdio” e não consegue estar no ponto para as épocas altas em que o milho doce é mais vendido. Geralmente é em Julho e Agosto que há mais trabalho porque há mais turismo, e António Vieira conta que antigamente era “menos, muito menos” o milho que se vendia. Actualmente, conta, embora haja dias que se vende mais e noutros menos, são geralmente 8 a 9 sacos de ráfia que vende por dia. Faz as contas de cabeça, informando que cada saco leva geralmente 30 maçarocas, ou seja, são 270 que vende por dia. “Não é muito”, afirma ao acrescentar que quando há necessidade reforça-se a matéria-prima, principalmente aos fins-de-semana, quando já se chegaram a vender 600 maçarocas.
Questionado sobre o segredo para o milho doce das Furnas ser tão saboroso, António Vieira dá algumas razões mas afirma imediatamente que “a técnica é da Caldeira”. Depois, lá vai dizendo que o facto do milho ser “tenrinho” também ajuda. Além disso, “se cozer milho em casa não fica assim, com esse sabor. Aqui o milho é cozido com a folha toda, não temperamos a água nem temos desta água em casa. Aquilo é água sulfúrica. Muita gente chega, olha e diz que é só enxofre. Mas aquele verde e amarelo que se vê ali a saltar é derivado da folha do milho”, justifica.
Nisto tenta alargar um pouco mais o buraco feito no saco da ráfia pelo gancho, para mostrar que “o verde das folhas fica esbatido e tinge a água”, explica. Tal como explica também aos turistas que o vão questionando e a quem responde num inglês que foi aperfeiçoando por ali.
Antes, comenta, as maçarocas eram cozidas nas sacas de ração que assim se reutilizavam, mas “foi proibido porque tinha aquela tinha de fora e disseram que a tinta era cancerígena e tivemos de comprar sacas sem tinta”, explica.
Nisto António Vieira já tem os sacos a ferver carregados na carrinha e pede-nos para seguirmos até ao quiosque, junto ao parque de estacionamento, onde a filha já está à espera para poder servir os apreciadores ou os curiosos que querem experimentar pela primeira vez o milho doce com “sabor a enxofre”. Mas ainda há tempo para dizer que come regularmente milho doce. “Ainda ontem se comeu uma maçaroca e ainda agora comi uma”, comenta enquanto sobe para a carrinha.
“Todos os dias como milho”
Isaura Vieira, de 41 anos, “há mais de 30” que ajuda o pai nesta vida de venda de maçarocas de milho doce cozido na Caldeira das Furnas. “Trabalho aqui desde pequenina, gosto desta vida, estamos sempre a conhecer gente nova”, explica enquanto com umas luvas que evitam que o calor das maçarocas passe para as mãos vai descascando o milho.
O pai descarrega os sacos de ráfia e Isaura Vieira corta-lhes o pequeno atilho de espadana, virando depois o seu conteúdo para dentro de uma grande bacia. É dali que vai tirando as maçarocas à medida que lhe pedem. Descasca para quem pretende degustar ali o milho ou coloca em sacos, ainda com a folha, para quem assim o deseja.
Tal como o pai, Isaura diz que todos os dias come milho das Caldeiras. E nem mesmo o facto de trabalhar com aquele doce ingrediente diariamente lhe tira o gosto pela iguaria. Não sabe explicar o porquê de ser tão saboroso e questiona os clientes sobre o facto. “É por ser cozido nas Caldeiras e é doce”, tenta justificar uma cliente que pediu duas maçarocas.
“É uma coisa diferente, cozido com a folha dá outro sabor, fica mais saboroso”, justifica Isaura Vieira que enquanto descasca o milho, tira guardanapos para embrulhar as maçarocas, e vai dando instruções sobre o preço a receber.
“As pessoas gostam de comer milho, chegam às Furnas já com ideia de comer o milho cozido”, explica e argumentando que “os chineses adoram milho. E os brasileiros também”. Mas todos os turistas questionam sobre as maçarocas e sobre o local onde são cozidas para que estejam ainda “a ferver” quando são descascadas e são passadas para a mão de quem pede.
“Perguntam e querem saber onde é cozido, encaminhamos para a Caldeira. Muitos já sabem e repetem a vinda aqui”, explica Isaura Vieira que comenta que agora “há muito mais turismo” do que havia antigamente, embora as Furnas sempre fossem um dos locais mais turísticos da ilha.
Aos fins-de-semana é quando o aumento do turismo se faz sentir mais, para isso também o pessoal é reforçado. “Nunca se pode dizer quando se vende, não é uma coisa certa mas já tivemos dias de vender 600 maçarocas ao fim-de-semana”, explica Isaura Vieira que faz questão de salientar que se trata de uma empresa familiar e por isso toda a família ajuda quando é preciso.
“É preciso descascar muito milho”, conclui Isaura Vieira enquanto vai buscar mais um saco de ráfia para continuar a vender as suas maçarocas quentes a quem pedir.
In Jornal Correio dos Açores:
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