Romeiros tradição de origem de
meados do século XVI, logo depois do terramoto de Vila Franca do Campo, ainda
continuada nos nossos dias, pelos romeiros que percorrem toda a ilha
micaelense.
Levam sete dias no tempo
quaresmal, visitando todas as igrejas da ilha implorando a Misericórdia Divina.
Dão início à longa caminhada
depois de participarem numa Eucaristia em comunidade na localidade onde se
formou o rancho que é constituído por trinta a até mais. Geralmente o grupo de
romeiros que atinge o maior número são os irmãos de Rabo de Peixe.
Os romeiros vão em duas filas.
Ao centro do grupo, à frente, o
romeiro mais jovem, geralmente é uma criança, que transporta um crucifixo.
Os restantes romeiros, de rosário
e bordão nas mãos e vestuário característico (calça, camisa, casaco ou
camisola, xaile sobre os ombros e lenço a proteger a cabeça), saco com algum
alimento, muitas vezes só pão e água quando assim prometem.
Os romeiros dormem em casas de
freguesias ou vilas previamente calendarizadas. Existe um responsável, que é
conhecido por Mestre, um Contramestre, um Procurador de almas e dois guias e
todos eles têm missões específicas.
- Quantos romeiros são? Perguntam
as pessoas ao vê-los passar. Então pedem uma Avé Maria por determinada
intenção, comprometendo-se a mesma pessoa a rezar tantas Avé Marias como
quantos irmãos tem o grupo.
Muitos são os romeiros que fazem
esta caminhada em cumprimento de promessas, outros fazem-no por penitência. A
outros leva-os o espírito aventureiro, mas estes últimos ficam seduzidos pela
Avé Maria na bruma das caminhadas.
Ao chegarem junto à Igreja de
qualquer localidade recitam uma oração de saudação, logo depois deixam os seus
bordões no chão, e entram no templo louvando Maria e o Santíssimo. Se a noite
se avizinha, aguardam que os irmãos da localidade os levem para as suas casas
para pernoitarem…
O bondoso José diz a três irmãos
romeiros que vão para sua casa. E lá foram.
- Ó Delevina, põe a mesa para três
romeiros que vão ficar em nossa casa!
- Ó José, louvado seja Deus, como
é que resolves trazer para nossa casa estes três irmãos, se não temos
acomodações?
Eu tenho sopa para todos, não
tenho é camas.
- Cala-te mulher, que tudo se
acomoda. Tu, eu e os pequenos dormimos todos na nossa cama, e tu pedes à
vizinha Clotilde um colchão para os irmãos dormirem.
- É o que digo José, tu não estás
bom do miolo. Isto é para ficarmos todos como inhames dentro da panela.
- A irmã tem razão, mas agente só
precisa de um canto para descansarmos.
- Ó Delevina, faz o que eu te
disse. Põe a mesa para os irmãos cearem. Já tens água ao lume para os irmãos
lavarem os pés?
- Claro que tenho. Tu sabes que é
costume ter sempre uma chaleira ao lume.
- Ó Delevina, onde é que tu vais
com essa chaleira?
- Ah Clotilde, Clotilde!
- Quem é que está ai?
- Sou eu a Delevina. Já não
conheces a minha voz?
- Ó Delevina, eu agora não a
conhecia…
Está diferente.
- É que eu estou muito nervosa,
muito atrapalhada.
- Ó Delevina, mas que atrapalhação
é esta?
- Pois tu não vês, Clotilde, que o
meu José trouxe-me três romeiros para casa. Apalpa-me a testa, eu até acho que
tenho febre.
- Ó Delevina, tu estás quente,
estás, mas para que é esta chaleira?
- É para veres como eu estou. O
José vai-me pagar, ai se vai, trazer romeiros para casa sem me avisar.
- Olha, Delevina, ganha-se
indulgências quando se acolhe irmãos romeiros em casa.
- Indulgências?! Indulgências recebe-as tu. Tu não os queres em tua casa?
- Ó Delevina, tu sabes que o meu
homem está embarcado e não tenho filhos, não fica bem receber homens em casa…
- O José vai-me pagar, isso é que
vai pagar. Ele safou-se do mau negócio que fez aí há tempos, mas desta vez não
se safa, vou ter uma peleja com ele assim que os estuporados romeiros se forem
embora…
- Ó Delevina, tu não digas isso.
Olha para eles até oferecem o terço para vocês.
- Eu quero lá saber de rezas…Eu
quero é a minha casa limpa.
- Ó Delevina querida, pára com
essa chaleira! Estás para trás e para diante com ela defumando a cama da minha
mobília.
- Quero lá saber da tua cama! Eu
quero é os romeiros de casa para fora.
- Ó Delevina querida pára com a
chaleira, pára!
- Meu Deus, o bico quase tocando
na lua da minha barra. Lá se vai a capinha de verniz com o bafo quente.
- Diz-me Delevina, o que é que tu
queres e desvia esta chaleira da minha cama. E lá se vai a capinha de verniz!
Pára com essa chaleira, até
pareces que estás a dar um defumadouro.
- Clotilde eu quero que tu me
emprestes um colchão ou dois.
- Estás bem querida eu vou
emprestar-te o colchão usado que eu tenho lá atrás. Ó Delevina pousa esta
chaleira no chão, eu já não vejo esta chaleira na minha frente. Quando eu me
lembro que deste um defumadouro na capinha de verniz da minha rica cama do meu
casamento que agora está tão baça…
Vá Delevina mexe-te, senão agente
nunca mais chega a tua casa com este colchão. Os romeiros estão cansados e
estão à tua espera.
- Eles que esperem. Era o que
faltava, ao fim do dia aturar os meus filhos ainda vem aqueles três marmelos
pela porta dentro.
- Ó Delevina que marmelos?
- Os romeiros mulher…Ó Clotilde
até pareces que estás zoca.
O José vai-me pagar quando os
romeiros se forem embora…
- Ó Delevina, cala-te aí, senão os
romeiros ainda te ouvem e ficam com má impressão tua.
- Eu quero lá saber! Estou-me
marimbando para eles! Era o que me faltava…era o que me faltava…Ai, minha Nossa
Senhora do Loreto, se saio desta, noutra não me meto! Romeiros sempre pra’lá…!
Não há melhor alegria do que a
alegria do coração. Bem Sirá (30.16)
Benjamim
Carmo
Povoação,
Quarta-feira, 29 de Março de 2017.
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