De
quando em vez estorietas à Benjamim, melhor dizendo – Estórias da nossa gente
que “condimento com mais ou menos tempero”. Aos onze anos inaugurei
oficialmente o meu primeiro par de sapatos, deixem passar a expressão, não foi
fácil a adaptação de pés livres serem subjugados embora não apreciasse
frieiras, picadela ou topada com que de quando em vez fui contemplado. “Remédio
santo” uma teia de aranha e pó de cal raspado de parede da casa mais próxima
uma tira de trapo atado a rematar o dedo magoado “medicina caseira da época”.
Quanta
repreensão ouvi – Sapatos comprados há dias e já estão esfolados! Atina, não te
iludes, eu não vou mercar outros. Que “sermões enfadonhos” hoje entendo-os, que
saudade de os ouvir pronunciados que foram p’la boca de minha mãe.
Quando
longa era a caminhada, sapato fora do pé que alivio sentia, atacador laçarote
paralelo eram eles pendurados no ombro ao dar alguns pontapés na bola ficavam
em qualquer canto era benéfico evadia-se o odor específico. Não é usual
utilizar salamaleque de linguagem mas de quando em vez acontece, a simplicidade
deve ser modo de viver de cada, na passerelle breve é nosso desfile. Em tempo
de labor oficial durante alguns dias usei sapato especial, uma abertura
inesperada levou a que segurasse a gáspea da sola com arame de cobre vendo
assim o sapato ataviado o saudoso mestre Eduardo mecânico pediu-me o modelo de
imediato um rascunho foi executado oferecendo-o ao velho mestre informando ter
sido fabricado em Veneza que viajaram de Gôndola etc, etc. Sonha – Sonha e
viaja no galinheiro! Há dezenas de anos passado na voragem do tempo foi um
homem convidado para um casamento não possuindo sapatos pediu a um dos seus
vizinhos um par, atendeu o pedido o vizinho mas contrariado. Tendo sido os dois
convidados foram ao casamento que na época era calcorreando o que é dizer
pernas para que voz quero. O Manuel que pediu os sapatos deu ligeiro pontapé
numa pequena pedra, chamou-lhe a atenção ao outro exclamando em voz alta tem
cuidado com os sapatos que te emprestei pois custaram muito dinheiro. Sabendo
ficaram as pessoas o empréstimo. Tempos depois foi a um funeral com sapatos
emprestados de outro vizinho cautelosamente caminhava o nosso homem quando lhe
disse o dono. Anda à vontade com os sapatos eles já estão pagos. Eu não sou
como fulano anda, anda não tenhas receio. É usual dizer-se – Quem se fia em
sapatos de defunto toda a vida anda descalço! Ó Mestre sapateiro, coloque
nestes meus sapatos meias solas. Sim Sr., qualquer dia destes arranjo vai-a
descansado. Saiu o freguês Sr. abastado daquela localidade. Com olhos de ver
disse para si próprio o sapateiro; estes sapatos estão melhor que os meus, dito
e feito logo os calçou. De quando em vez interrogava o abastado comerciante o
sapateiro. Ó Mestre os sapatos? Retorquia este, vão andando e não mentia só que
os sapatos jamais entraram na casa do dono. Na época da Segunda Guerra Mundial
em véspera de embarque para o Continente oficial militar foi ao nosso sapateiro
para lhe reparar as botas. Executou este trabalho com cabedal inferior sem o
bater e com uns pontos mal dados quis poupar fio assim pensando: Este cabrão
vai-se embora nunca mais o vejo e ele vai pagar bem vou por as botas a luzir
como o sol assim aconteceu. Foi o oficial para a doca em Ponta Delgada mas o
navio Carvalho Araújo não estava atracado devido ao mau tempo só chegaria dias
depois, sem querer ao caminhar meteu o oficial as botas em poças de água
salgada que não as conservou e sim as escachou exasperado ficou o militar que
regressou a localidade e oficina do sapateiro e não se conteve generoso que
era, transbordaram-lhe da boca nomes feios e mais um. Você é um aldrabão, um
aldrabão! Retorquiu o sapateiro – Aldrabão é o senhor que disse que se ia
embora pró Continente e não foi; Eu é que tenho toda a razão de lhe chamar
aldrabão…
Às
voltas andava o caixeiro-viajante aflito para verter água às tantas encostou-se
a uma parede regando-a com líquido pestilento.
Próximo
passava um rapaz que lhe disse que estava a molhar os sapatos retorquiu o
caixeiro viajante - Esta desavergonhada quando era nova deu-me cabo de muita
sola de sapato agora que é velha estraga-me as gáspeas. Faço stop se tomo
embalagem vou ter que ir à confissão e a absolvição será dada com um bordão na
careca, perdão amigos até breve se Deus quiser.
Anexo
quadras do Cancioneiro Geral dos Açores
Autoria
de Armando Cortes Rodrigues
As
duas últimas: improviso de Benjamim
Sta. Maria
Eu
ando pra aqui descalço,
Não
por falta de sapatos,
Tenho
três pares lá em casa
Todos
roídos dos ratos – verso – 3248
Tenho
botas de três solas
Para
passear na praia
Eu
passeio tanto bem
Que
todos me acham graça – V – 3391
S.
Miguel
Muito
bem fica o sapato
Á
porta do sapateiro
Muito
bem fica uma moça
Ao
pé de um rapaz solteiro – V – 3333
Que
beleza de caminho
Para
os sapatos romper!
Os
sapateiros são pobres,
Ajudai-os
a viver – V – 3393
Tenho
um sapato de seda
Forrado
de paciência
Atacado
com suspiros
Chorados
na tua ausência. – V – 3393
O
sapateiro cá da rua
Bate
sola o dia inteiro
Coitadinho
anda perdido
P´la
mulher do Vaqueiro
Bate
bate, o miolo não acenta
Inté
em Sto. Dia perneia
Amor
guisado que esquenta
Come-se
a ceia.
Voltou-se
o feitiço
Contra
o feiticeiro
Bate
sola noite e dia
A
mulher do sapateiro
Enamorando
o vaqueiro
Com
magia.
Benjamim
Carmo
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