Como é usual dizer-se “Recordar é Viver”. Na solidão
do meu quarto um dia destes ao folhear um velho álbum ao ver fotografias dos
meus pais, fiquei com lágrimas no canto dos olhos, logo depois sorri ao ver uma
foto da minha mãe com um vestido americano espectaculoso e chapéu cheio de
flores que parecia um jardim ambulante.
Ao vê-lo, dava vontade de o aguar não fossem as
flores murchar… Está na memória dos mais idosos a alegria que sentíamos ao
receber uma saca de roupa vinda dos “States” U.S.A. enviada por familiar ou
amigo.
Era para todos nós um dia de festa…
Mas que cheirinho bom tem esta roupa…é melhor que o
cheiro da flor de magnólia, dizia a Maria:
- É a mulher é o cheiro d`Amerca… ripostou a Alda:
- Esta calça deve servir ao meu António?
- À António veste-a, assenta-te bem tão certinhas!
- Agora é que vais arranjar uma noiva!
- Ò Juliana veste esta saia e esta blusa…
- Fica-te bem, estás uma feiticeira!
- Pelo`eu minha mãe, feiticeiras bem ao largo!
- Minha mãe sabe, eu gostaria que a saia fosse um
nadinha mais maneirinha?... E era assim, parecia uma passagem de modelos, ora
veste, ora despe, com muitas exclamações à mistura.
Convidava-se vizinhos para ver aquela abundância de
roupa que deixava a todos de olhos arregalados…
Obei…Obei…ou Há…Há… com as bocas escancaradas se
fazia ouvir, depois lá vinha um cândi para a todos dar, e era um tal chupar,
pela saúde de quem os doces e roupa mandou…
Na década dos anos cinquenta, viviam os meus pais em
Stº Antão, Vila do Porto, Ilha de Santa Maria “Ilha do Coração”, a mãe das
outras ilhas açorianas… esta é opinião pessoal!
Estando um dia a minha mãe em casa de uma vizinha
amiga, apreciando roupa vinda da América, teve a vizinha uma ideia…
- Ó vizinha Rosa, vista este vestido, gostava de ver
como lhe fica!
Pegou a minha mãe o vestido e vestiu-o…
Era um vestido azul pálido com desenho clássico,
pregueado com lantejoulas doiradas e prateadas.
- Vizinha Rosa, o vestido fica-lhe bem, até parece
que foi feito para si!
- Vizinha Angelina se quiser eu gostava de fazer uma
brincadeira a duas pessoas amigas, desde que a vizinha me empreste mais umas
coisas. Ó vizinha Rosa louvado seja Deus! Eu até vou ajudar a vizinha. Sendo
assim dei-me a vizinha aqueles sapatos brancos; calçou-se e deu um arranjo no
cabelo, auxiliada pela vizinha, tendo ficado um penteado diferente do usual
carrapito, logo depois aplicou-lhe a vizinha um pouco de rouge no rosto,
passou-lhe o baton pelos lábios, colocou-lhe uns brincos de filigrama, passou a minha mãe um pouco de perfume no pescoço,
calçou as luvas e lá foi o chapéu florido que parecia ligeiramente suspenso
como o mítico jardim da Babilónia.
Assim fantasiada e maquilhada, não era aquela mãe
Rosa que conhecia na simplicidade do seu vestuário, seu sorriso meigo, era mais
sorriso, seus olhos tinham mais fulgor, era a sua primeira fantasia,
possivelmente um sonho que realizou numa ilha que tanto amava…Santa Maria…
Prossigo com peripécias de um Carnaval desculpem-me a
divagação, assim fantasiada foi visitar os dois casais amigos, que anos depois
emigraram para a Califórnia. A saber Guilherme Teixeira e esposa Rosa… João
Luís Mota e esposa Lurdes. Estes casais citados tinham familiares na América ao
que a minha mãe como amiga e confidente sabia um pouco da vida dos irmãos exemplificando
seus trabalhos, saúde, nome de filhos, etc…etc. Assim munida destes
conhecimentos foi-lhes dar notícias de viva voz…
A primeira a ser visitada foi Rosa Teixeira que ficou
tão eufórica, era a primeira vez que pessoalmente lhe comunicavam notícias
(mensagens) de suas irmãs. Bem tentava a minha mãe disfarçar a voz mas ás
tantas teve um sorriso aberto e aí ficou com o bilhete de identidade à vista
“os dentes” que na época se encontravam um pouco deteriorados.
Á corisca Senhora Rosa que quase me enganavas!
E dando uma grande gargalhada a abraçou e repetiu… A
corisca senhora… e aí minha mãe em surdina, cala-te! Não quero que os Motas
saibam que sou eu… quero-lhes fazer uma surpresa! A saber os Motas viviam numa
parte da mesma residência, não era nada fácil encontrar alojamento individual
naquela época na Ilha de santa Maria conhecida por muitos por América
pequenina, na época…
Receberam os Motas a americana com muita simpatia,
mais comedidos, menos eufóricos, pode a minha mãe dar-lhes noticias e se ao sair
não se tivesse identificado teriam os Motas a ilusão que tinham sido visitados
por uma Luso Americana.
No regresso ao atravessar o Largo de Stº Antão ao
verem a americana, três ou quatro miúdos pediram-lhe dinheiro;
- Uno dólar, une scude, mostrando-lhes a bela mala de
mão forrada no exterior de missanga vistosa e que no interior nada tinha
exclamaram:
- Obei…obei… A americana está mais lisa ca`gente!
Vamos embora, vamos brincar ao 31… Pouco depois entrou em casa da amiga Adelina
Figueiredo a que as ligava uma amizade como de irmãs que ficou de surpresa e
deslumbrada com a transformação momentânea da sua amiga…
Ali permaneceu até que chegasse o seu Mariano.
O que era usual foram os meus pais inquilinos de uma
residência anexa à da Dona Adelina das quais foi proprietária a dita senhora
por seu falecimento e sua filha a Dona Maria Angelina F. Carvalho Silva
conhecida por Jinina…
Vindo do trabalho eis que chega meu pai à casa de
dona Adelina entrou corredor fora até chegar à cozinha sala de estar de toda a família
e amigos, onde tantas e tantas vezes confraternizávamos, a todos deu boa noite
com o seu sorriso peculiar.
Aquando da chegada de meu pai, estava Dona Adelina a
mostrar sua sala à fictícia americana. Uma comedia improvisada para um
espectador, porque os restantes espectadores Jinina, Mariazinha e Jaimim,
filhos de Dona Adelina, José Carvalho seu sobrinho e eu, fomos comparsas nesta
farsa.
Perguntando meu pai… Minha esposa e Dona Adelina onde
estão?
A Senhora Rosa não sabemos, quanto à dona Adelina está
a mostrar a casa a uma americana amiga…
Ouvia o meu pai como nós dona Adelina que dizia…Esta
é a minha sala, estão as fotografias dos meus pais, este piano minha filha
Jinina de vez em quando toca uma ou outra musica, pois que só há pouco tempo
aprendeu. De quando em quando a fictícia americana dizia…nice…nice. Eram duas
comediantes tentando desempenhar o melhor possível os seus papéis. Ao ouvir o
meu pai uma ou outra exclamação da americana, mais aguçava a sua curiosidade,
adorava o meu pai falar inglês, nascido no Brasil, foi depois aos dois anos
para os Estados Unidos. Por imposição ou por persuasão veio para são Miguel aos
vinte e quatro anos para a Povoação, S. Miguel onde os meus avós paternos eram
oriundos.
Recordo que a minha mãe sabia um pouco de português,
quanto a inglês o alfabeto, mas cantando uma ou outra frase em especial
amorosas como “sust heart” coração doce, que aprendeu na sua lua-de-mel.
Continuava Dona Adelina a mostrar a casa e dizia este
é o meu quarto de cama ao entrar Dona Adelina ia dizer que ali era a sua
cozinha à americana… levantou-se meu pai cumprimentou-a com o “good night” e
estendendo a mão disse cumprimentando:
- “How are you”, como
está?
Não obteve resposta da americana, surpreso exclamou:
- Será surda… bicho-do-mato, ou não sabe falar
inglês?
Dona Adelina com a americana entraram na casa de
jantar anexa à cozinha e aí não se conteram… o riso foi tanto que de tanto
rirem verteram água às pinguinhas, quanto ao resto do serão foi animado,
recordando e rindo das peripécias da visita e não só…
Benjamim do Carmo
Povoação,
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017.
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