Imagine
um dia sem Google ou outro motor de busca e, já agora, para o exercício ser
completo, sem livros, e sem enciclopédias, bibliotecas nem conhecedores da
matéria. Imaginou? Imagine também que nenhum dos seus amigos nem familiares lhe
sabiam dar respostas, aliás, que padeciam da mesma dificuldade, dúvida e
ansiedade relativa aos mesmos assuntos. Agora, num exercício ainda mais
complicado, imagine-se semanas, meses, anos a fio nessa mesma situação, ou
mesmo a vida inteira. Difícil imaginar, “impensável!”, dirão alguns, por certo,
mas o retrato do cenário vivido na pele por muitos doentes raros que, apesar de
terem acesso às bibliotecas e à internet, continuam a viver com falta de
informação, como se as fontes de informação não existissem. Porque existem fontes
para muitos tipos de informação, mas no caso das doenças raras, muitas vezes a
informação não existe ou não é fidedigna.
Mas
andemos um pouco para trás, para perceber este exercício bizarro. As doenças
raras são na grande maioria graves, crónicas e debilitantes. Apesar de raras,
muito mais comuns do que se imagina. Estima-se que entre 6 a 8 por cento da
população padeça de uma doença rara, o que representa entre 24 e 36 milhões de
pessoas na Comunidade Europeia.
Efetivamente,
uma doença rara é aquela que afeta no máximo 1 em cada 2000 pessoas, mas há
mais de 6000 doenças raras descritas. Devido à sua raridade e número elevado,
não só muitas vezes os clínicos as desconhecem, como o diagnóstico é
habitualmente difícil, podendo levar anos. Esta demora tem um grande impacto
para o doente e sua família, e pode piorar o prognóstico e atrasar um
tratamento adequado. Após o diagnóstico, tratando-se de doença genética, a
pessoa deve receber aconselhamento genético e pode recorrer às associações, que
têm um papel fundamental ao apoiar os doentes e ao pô-los em contacto com
outros, bem como representá-los junto das entidades oficiais.
As
dificuldades das pessoas portadoras de doença rara variam de doença para doença
e, dentro de cada doença, da evolução da mesma na pessoa em particular. Em
termos gerais, as queixas mais frequentes dos doentes, para além da falta de
informação, são as dificuldades no acesso ao cartão de doente raro e a sua
utilização, no acompanhamento médico na transição da infância para a vida adulta,
no acesso às ajudas técnicas, no acesso aos cuidados integrados. Outras ainda
são a inexistência de tabelas de incapacidades que contemplem as das doenças
raras e garantam equidade na atribuição dos graus de incapacidade e a
necessidade de aceder a todas as consultas de que precisam (por exemplo,
terapia da fala) no Sistema Nacional de Saúde (SNS), ao invés de ser a família
a suportá-las por inteiro.
A
investigação traz esperança a quem vive com doença rara, pois pode levar a um
maior conhecimento sobre as doenças já identificadas e à identificação de
doenças até agora desconhecidas. Ajuda os médicos a fazer o diagnóstico correto
e a dar a cada doente informação sobre a sua doença. Pode levar ao
desenvolvimento de novos tratamentos inovadores e, quem sabe, uma cura. Com a
investigação, as possibilidades não têm limites!
Os
chamados medicamentos órfãos (MO), não representam uma cura, mas permitem que a
doença não progrida do mesmo modo. Os MO servem poucos doentes e, apesar de
haver incentivos específicos à indústria farmacêutica, têm um maior custo de
investigação e acabam por ter um custo final muito elevado e longos atrasos até
serem disponibilizados no SNS. Apesar do número de MO disponíveis ter vindo a
aumentar nos últimos anos, estes continuam disponíveis apenas para um número
muito reduzido doenças raras.
A
existência de centros de referência/excelência formais virão porventura
resolver parte significativa das dificuldades dos doentes, aumentando a
investigação nesta área e facilitando a criação de um registo de pessoas com
doenças raras em Portugal. Por sua vez, o registo permitirá melhorar o apoio
aos doentes, classificar as doenças raras e ter uma maior consciência sobre a
adequabilidade dos meios, ajudando na definição de medidas para diagnósticos
mais céleres e melhoria da qualidade de vida dos doentes.
Em
2017, no âmbito do Dia Internacional das Doenças Raras, que se assinala no
último dia de fevereiro, vamos dar ênfase à esperança que a investigação
representa para as Doenças Raras para que os “dias sem Google” sejam cada vez
menos!
Artigo de Marta
Jacinto, presidente da Aliança Portuguesa de Associações de Doenças Raras
Povoação,
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017
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