O
Secretário Regional da Educação e Cultura afirmou, em Coimbra, que “o Império
do Espírito Santo é o verdadeiro Estado Social”, frisando que nele “cabem
todos, crentes e não crentes”.
Avelino
Meneses, que falava quarta-feira na apresentação do Congresso Internacional do
Espírito Santo, cerimónia que teve como orador principal D. João Lavrador,
recentemente nomeado bispo coadjutor da Diocese de Angra, adiantou que a
secular devoção ao Divino “concilia o sagrado e o profano, tudo timbre de uma
religião que é mais do povo do que propriamente de qualquer Igreja”.
“Os
Açores são a única região do país, ou quiçá do mundo, onde existe o denominado
tempo do Espírito Santo, que se alonga da Páscoa até ao Pentecostes e à
Trindade”, recordando que, na ilha de Santa Maria, havia “a tradição de, no
sábado de Aleluia, após o anúncio da ressurreição de Cristo, os foliões saírem
à rua, dando oficialmente início à época do Espírito Santo”.
“No
nosso calendário religioso, se a Páscoa é por excelência a festa dos cristãos,
apesar do recente relevo do Natal movido pelos propósitos materialistas da
sociedade de consumo, o Espírito Santo é a festividade mais celebrada pelo povo
de todas as ilhas”, frisou, acrescentando que o culto do Espírito Santo,
introduzido em Portugal no tempo de D. Dinis por influência de uma “corrente
radical” de franciscanos espiritualistas, adeptos confessos da ideologia
milenarista de Joaquim de Fiori, é historicamente “um traço distintivo” da
cultura popular portuguesa.
Nos
Açores, a introdução do culto do Espírito Santo remonta ao tempo do povoamento,
verificando-se, ainda no decurso do século XV, a constituição de irmandades
proprietárias de hospitais, promotoras de bodos e coroações, numa ação dos
Franciscanos, que contou com a proteção da Ordem de Cristo, responsável pela
administração eclesiástica do arquipélago até 1514, salientou Avelino Meneses,
para quem “na introdução e, sobretudo, no alargamento do culto do Espírito
Santos nos Açores influi decerto o afastamento de Portugal continental, que
dificulta a superintendência da hierarquia eclesiástica, que insiste na redução
da participação popular na organização dos festejos, sob o pretexto da
depuração de manifestações profanas, inclusivamente pagãs”.
Neste
contexto, a adoração açoriana ao Espírito Santo “adquire o caráter de uma
religião do povo”, o que facilita também a sua “difusão e a perpetuidade”, num
processo em que “a hostilidade do meio e a angústia do isolamento, que criaram
um sentimento de grande insegurança”, promove “uma prática de grande
cooperação” indispensável à garantia de sobrevivência de quem vive “entre uma
terra madrasta e o mar tenebroso”.
“Desta
experiência brota uma profunda religiosidade, que eleva a devoção ao Divino à
condição de culto da solidariedade adequado às convicções e às carências
históricas da população dos Açores”, afirmou, salientando que atualmente o
Espírito Santo é a “principal” manifestação festiva dos Açores, tendo “a dupla
particularidade de ser diferentemente celebrado e de estar uniformemente
disseminado em cada ilha, até mesmo em cada lugar”.
“O
culto ao Espírito Santo é o melhor espelho dos Açores, já que é ele que
concilia a diversidade que somos com a unidade que podemos e queremos ser”,
frisou Avelino Meneses, acrescentando, no entanto, que “na atualidade, apesar
da pujança das manifestações açorianas do culto ao Divino, a sucessão das
transformações socioeconómicas e a evolução das mentalidades abalam o ímpeto da
festividades, cuja perseverança demanda a adaptação aos sinais do tempo”.
“Entre
os fatores de enfraquecimento da devoção registamos o progresso da
alfabetização, que implica a regressão de todas as tradições, a contração do
setor primário, que reduz o apego à terra, de onde brotam os ingredientes da
festa, o pão, o vinho e a carne, e o predomínio do individualismo, que motiva a
transferência da sociedade para o Estado do dever de assistência”, afirmou o
Secretário Regional, salientando que “este é também um tempo de grandes
venturas”, já que, “após séculos de entendimento em redor da necessidade de
repressão das manifestações cultuais mais heterodoxas, a Igreja e o Estado
reconhecem agora o préstimo da devoção”.
“Na
esfera religiosa, o atual Bispo de Angra, no seu primeiro discurso episcopal de
1996, coloca a Diocese sob o amparo do Império do Espírito Santo. Mais do que
isso, faz a identificação do culto do Espírito Santo como um forte baluarte
contra o secularismo, por vezes, mais eficaz do que alguma propostas oficiais
da ação pastoral”, recordou, acrescentando que, na esfera política, “a
comemoração da Região Autónoma no dia maior do Espírito Santo, isto é, na
Segunda-Feira de Pentecostes, radica num esforço de identificação da autonomia
com os Açores”.
Para
Avelino Meneses, “o culto do Espírito Santo possui a dimensão da história e da
geografia dos Açores, porque a Autonomia é um fenómeno de menor dimensão já que
tem raízes no advento da contemporaneidade, na época das revoluções ocidentais
e atlânticas que, na transição dos séculos XVIII e XIX, propiciam a difusão das
ideias liberais e democráticas”, salientando que a Autonomia “foi uma conquista
das elites e das ilhas mais influentes, por isso ainda cabe à nossa geração a
oportunidade e, também, a obrigação de transformá-la em projeto de todas as
ilhas, de todos os Açorianos, sem qualquer exceção”.
O
Congresso Internacional do Espírito Santo vai decorrer em Coimbra, Lisboa e
Alenquer, no segundo semestre de 2016, numa iniciativa da Câmara Municipal de
Alenquer, em parceria com um consórcio de universidades portuguesas,
designadamente do Centro História D’Aquém e D’Além-Mar da Universidade dos
Açores, e da Diocese dos Açores.
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