Mais
uma rubrica “Os nossos talentos” da autoria do Dr. António Pedro Costa que veio
ao encontro de um jovem valor povoacense, o ribeiraquentense David Rita,
entrevista que saiu ao público no passado domingo, 15 de novembro de 2015,
edição n.º 30785 do conceituado Jornal Correio dos Açores.
“As
Cantigas ao Desafio fazem parte do ADN da cultura dos Açores”
David
Rita, natural da Ribeira Quente, possui uma empresa de som e de eventos
festivos, onde trabalha como promotor. A empresa marca a sua presença em festas
e arraiais populares e desde sempre participa em movimentos culturais e
tradicionais, como cantigas ao desafio, tocando violão, grupo de foliões e
participa na sua maioria com o pai Jorge Rita. Tocou órgão na igreja da
freguesia e é formado em Energias Renováveis e em Informática, sendo a sua
principal actividade a música, fazendo espectáculos ao vivo e montando som em
eventos festivos.
Correio
dos Açores:
Aos 17 anos começaste a tua carreira musical, conta-nos como aconteceu.
David Rita: Tudo começou nas
brincadeiras de escola, nos anos 2006/2008, entre amigos que sempre tiveram
gosto pela música e de fazer os nossos intervalos em espaços de tempo divertidos.
Bastava uma guitarra, um tocador, neste caso eu, um percussionista e a restante
malta a cantar. Foi aí que comecei a mostrar as minhas capacidades, o meu dom e
as minhas competências enquanto músico ou “curioso”. Formávamos grupos, bandas
para animar os eventos que se faziam na escola, nomeadamente o Natal, Carnaval,
entre outros. Formamos uma banda na qual a nomeámos de Sputnik. O próprio nome
invulgar já retratava a nossa atitude e essência brincalhona de querer
simplesmente participar nas actividades escolares e animar os que nos ouviam.
Com toda essa conjuntura formei um grupo mais sério com um dos amigos de escola,
que ficou conhecido por “Duo David e Romeu” e começamos a construir nosso
sucesso.
Qual foi o teu
primeiro instrumento musical?
Orgulho-me
de dizer que meu primeiro instrumento musical foi o acordeão. Foi com este
instrumento que aprendi muito do que sei hoje sobre a música. O meu pai tocava
acordeão e sempre gostei de ficar olhando e ouvindo a sonoridade linda e única
daquele instrumento musical. Ele deu-me um empurrãozinho no início e quando
comecei nunca mais parei. Tinha cerca de 10anos quando comecei a “arranhar”
algumas notas no acordeão. Ao longo dos anos, fui evoluindo sozinho, sem ajuda
de ninguém, nem formação musical. Foi somente o gosto, o dom, a persistência e
a pesquisa que me levou a saber muito do que sei. Com cerca de 13 anos comecei
a fazer uns “pontos” na guitarra clássica. E por essa idade tive o meu primeiro
teclado que contribuiu muito para que evoluísse na música.
Referiste o Duo
David e Romeu, conta-nos como surgiu?
O
Duo David e Romeu surgiu nas tais brincadeiras da escola. Começamos por actuar
na escola, depois no cineteatro das Furnas e de seguida já estávamos nos palcos.
A primeira actuação mais séria do duo foi na Vila da Povoação na festa da Mãe
de Deus, em 2008. A partir daí, fomos ganhando conhecimento, experiência e o
nosso tipo de reportório agradava o povo que nos ouvia. O reportório era
composto, essencialmente, por música popular portuguesa. Eu fazia a 2ª voz e o Romeu
a 1ª. O Romeu sempre foi mais extrovertido e conseguiu imensos contactos.
Actuamos em muitas freguesias de São Miguel. Fomos juntos à ilha das Flores
duas vezes, uma na Fajãzinha e uma em Ponta Delgada. E também fomos juntos uma
vez à ilha do Corvo. Chegávamos a ter cerca de 50 espectáculos por ano.
Subiste ao palco
com vários artistas, mas optaste por cantar a solo, porquê?
Sim,
tive vários projectos, actuei com vários artistas como Pedro Silva, Henrique Ben-David,
Marina Pereira, Raúl Damásio, Dino Oliveira, Zica, Paulo Furtado, Papinha,
Paulo Leite, Emanuel Bandarra, Michael Goulart, Verónica Arruda, Fábio Furtado,
entre muitos outros artistas. No ano 2014, comecei a tocar e cantar sozinho.
Formei o meu próprio projecto com o nome “Baile David Rita” com um reportório
essencialmente popular, kuduro, brasileiras, forró, etc. Só no ano 2014 desloqueime
4 vezes à ilha das Flores. Foi um ano de sucesso individual e desde então
trabalho sozinho. O facto de actuar sozinho permitiu-me descobrir muitos aspectos
positivos. Quando trabalhamos sozinhos tomamos as nossas próprias decisões,
tocamos aquilo que queremos e achamos que vai resultar no espectáculo, somos
mais flexíveis, vamos ao encontro do público e com tudo isto vamos ganhando
mais conhecimento e acabamos por saber aquilo que o povo realmente gosta ou
não. Quando partilhamos o palco com outra pessoa, nem sempre há concordância,
os gostos variam, nem sempre há empenho de alguma parte e num grupo/banda todos
têm de remar para o mesmo sentido. Quando isso, de alguma forma não acontece é preferível
cada um seguir seu próprio projecto.
Fizeste parte da
Banda Geração 90. Fala-nos desta tua participação.
Foi-me
feito o convite para participar como teclista e 2ª voz na banda Geração 90 em
2013/2014. A banda só tem um estilo: “Popular”. Quando me foi feito o convite a
banda estava na sua fase inicial. Eu aceitei o convite pois éramos amigos e era
um motivo para estarmos todos juntos. Tivemos ensaios no espaço de um ano e
meio mas isso não importava porque nos divertíamos. Cheguei a actuar com a
banda na festa da Trindade e no São João, ambas na Ribeira Quente com a minha
empresa de som. Por divergências de opiniões/posições acabei por sair da banda
e foi a partir daí que comecei a minha carreira a solo até hoje.
Participaste em
movimentos culturais, tradicionais, foi influência do teu pai, também ele
músico?
Sim,
foi do meu pai que arrecadei este dom da música. Como ele desde sempre
participou nesses movimentos culturais e tradicionais, como o “Grupo do Menino
Jesus”, “Cantigas ao Desafio”, Grupo de Foliões” entre outros, isso teve uma
influência directa em mim, pois despertou-me desde cedo o interesse nesses
movimentos e em querer participar e dar o meu contributo para que a tradição se
enraizasse e mantivesse até os dias de hoje. Dei também meu contributo no coro
da igreja de São Paulo, tocando órgão entre os anos 2004/2011. O meu pai nunca
se intitulou como músico. Dava uns “toques” no acordeão, animava as nossas
rambóias nas festas de natal com suas cantigas e tocando acordeão. É um amante
das tradições e vive muito as festas de Natal principalmente em família. Não é por
ser meu pai, mas ele é hoje em dia um dos melhores cantadores de cantigas ao
desafio da ilha de São Miguel.
Que outros
projectos integraste?
Apesar
da minha pouca idade e anos de carreira musical, integrei alguns projectos
musicais como o “Duo David e Raquel”, “Duo David e Simone”, “Duo David e
Emanuel”, sendo este último um projecto com mais relevo. Participei em algumas
bandas por convite e/ou situações pontuais como os “Shootings Stars”, “Banda
Oceanus”, “Banda Blackout” “Banda Café Central”, “Banda.com”.
Qual a importância
das cantigas ao desafio na cultura dos Açores?
As
Cantigas ao Desafio fazem parte do ADN da cultura dos Açores. É uma tradição de
longa data que é partilhada essencialmente pela ilha de São Miguel e Terceira
na sua maioria. Nomes antigos como Charrua, Turlu, António Tabico, Vasco
Aguiar, José Fernandes, Aguiar, Carvalho, José Plácido, entre muitos outros, marcam
a história desta arte, que não deve acabar nos Açores. Este género musical é a
nossa identidade, enquanto açorianos. A sonoridade, melodia, harmonia são
únicas. Como Lisboa tem o Fado que é património mundial e a voz de um povo, nos
Açores temos as Cantigas ao Desafio que é a nossa identidade, os nossos costumes
e tradição que devem ser preservados e transmitidos às gerações futuras, coisa
que tem acontecido e já temos jovens talentos que estão se afirmando nesta
arte. É uma mais-valia para manter-se a tradição e a voz dos ilhéus.
Porque razão um
jovem de hoje se interessa pelos Foliões e qual a adesão das pessoas?
Nos
dias de hoje um jovem adere e interessa-se pelos grupos de foliões porque tem
gosto em ouvir, participar, cantar e vestir a indumentária própria dos foliões.
Em muitos casos seguiram as pisadas dos seus familiares e dão continuidade à tradição.
No meu caso, adquiri esse gosto através do meu pai e participo até hoje no
grupo de foliões. Há uma forte adesão por parte das pessoas. As pessoas estão
fortemente ligadas às tradições e costumes principalmente nas festas do Espírito
Santo. As pessoas conhecem a melodia, conhecem o conceito, vivem aquele momento
de entrega ao Divino Espírito Santo e aproveitam para derramar as lágrimas, as
dores de uma vida, despem-se de preconceitos e abraçarem a bandeira como que a
pedir um alento ao Divino Espírito Santo.
Tens falado da ilha
das Flores com um carinho especial. Qual a razão?
Como
costumo a dizer, a ilha das Flores é a minha segunda casa. Fui pela primeira
vez à ilha das Flores em 2010, na altura com o Duo David e Romeu. Lembro-me que
estava mau tempo e que no primeiro dia tivemos de actuar dentro da mordomia.
Desde logo estabeleci uma ligação muito boa com os florentinos. Comecei a
conhecer os seus gostos e costumes e identifiquei-me. É um povo simples e nada
exigente. Eles gostam imenso de um bom baile, é um povo que participa muito nas
festas religiosas. Ao contrário dos micaelenses, os florentinos não têm preconceitos,
vergonha de dançar, de divertirem-se. É um povo que aproveita as oportunidades
e vivem-nas ao máximo. Tanto os adultos como os jovens gostam de músicas
populares, de Tangos e de valsas. Nas primeiras vezes que fui às Flores fui-me
apercebendo disso e foram-me transmitindo os seus gostos. Fui utilizando esses
conhecimentos a meu favor. Sempre que ia às Flores preparava um reportório
específico para eles e dançavam do princípio ao fim. A última vez que fui às
Flores na freguesia de Ponta Delgada, comecei a actuar às 22h15 e só terminei
às 03h11, sensivelmente 5 horas de espectáculo. O carinho é recíproco, e o segredo
é dar ao povo aquilo que ele quer.
És promotor de
eventos. Por que razão os artistas locais são preteridos face aos do
Continente?
É
um tema em que as opiniões dividem-se, umas mais viáveis que outras. Como
promotor de eventos eu lido com muitas pessoas que já têm uma ideia pré-definida
de que os de fora é que são bons e os casa são amadores, o que não corresponde
à verdade. Temos muitos e bons artistas locais que trabalham muito, que fazem
grandes investimentos para poderem subir ao palco e quando o fazem, fazem-no
com qualidade. Cada caso é um caso porque também há artistas ou “pseudo
artistas” que estragam o bom nome e a imagem dos bons artistas locais e uma
pessoa menos informada da comissão que não esteja a par do mundo do espectáculo
e de entidades responsáveis, facilmente deixa-se levar pelas opiniões. As
comissões quando se sentem confortáveis a nível monetário, por vezes gostam de
subir a fasquia e por uma questão de estratégia e negócio, preferem trazer
artistas continentais com relativa fama porque atrai mais pessoas para as suas festas.
Por vezes resulta e há retorno, como também há vezes em que era preferível
investir nos de casa porque até faziam melhor papel. Mas como diz o velho
ditado “Santos da casa não fazem milagres”.
Tens algum projecto
para o futuro?
Numa
freguesia ou outra há sempre alguém que pergunta se tenho “cd” sendo que a
última vez que perguntaram foi na ilha de Santa Maria. É uma ideia que tenho em
mente para fazer no futuro. Pretendo dar continuidade e desenvolver cada vez
mais a minha empresa de som e de eventos para um dia chegar aos grandes festivais
locais e nacionais. Quanto ao projecto a solo não prevejo alterações mas estou
sempre disposto a novas ideias, novos projectos com pessoas que queiram trabalhar
e fazer um trabalho bem feito.
Por:
António Pedro Costa
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