Assinalando uma semana após a morte do Padre Octávio Medeiros, à sua memória dedico a minha página Leituras do Atlântico de hoje, no jornal Atlântico Expresso
Padre Octávio Medeiros:
Saber ser e estar e ficar
Partiu para a outra dimensão da vida, no passado dia 18 deste mês de Outubro, o Padre Octávio Medeiros. Na passagem do sétimo dia do seu falecimento que a Ouvidoria da Povoação vai assinalar com uma celebração Eucarística, hoje, pelas 18 horas, na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, na Lomba do Botão, sua terra natal, onde quis ter funeral com toda a simplicidade e sem quaisquer pompas ou honras funerárias, este espaço de Leituras do Atlântico teria mesmo de ser dedicado à sua memória, já que muitas vezes trocávamos impressões sobre livros e autores que aqui abordamos, alguns dos quais por ele escritos ou por ele coordenados.
Sociólogo, Professor, estudioso e interventivo, ele era sempre e acima de tudo Padre, embora soubesse de forma simples, mas bem vincada, distinguir todos os momentos que nele tinham uma linha comum e permanente que o caracterizavam naquele seu jeito muito próprio de ser e de estar: o acolhimento. Ali cabiam todos, mesmo nas horas difíceis de algumas incompreensões e ressentimentos, tão próprios desta nossa caminhada terrestre.
Retomo aqui os dados publicados no “Correio dos Açores”, o único jornal que noticiou, na sua edição do dia 19, a morte do Padre e Professor Universitário e na qual se referia a sua ordenação em 1972 pela Diocese de Uíge em Angola, depois de ter feito os seus estudos no Seminário Episcopal de Angra. Exerceu o seu múnus sacerdotal em várias paróquias, essencialmente no Concelho da Povoação, de que se destaca a Matriz, consagrada à Mãe de Deus e também Nossa Senhora da Penha de França, Água Retorta, e Nª Sr.ª de Fátima, Lomba do Botão. Além disso, era professor reformado de Sociologia da Universidade dos Açores. Estudou em Roma na Pontifícia Universidade Gregoriana onde fez a Licenciatura e o Doutoramento na área das Ciências Sociais. Foi Vigário Episcopal das Ilhas de São Miguel e Santa Maria, e membro do conselho presbiteral diocesano.
Humanista profundo e dotado de invulgar capacidade de comunicação, deixa bem vincada a sua acção e acima de tudo o seu sentido de proximidade e de realismo e generosidade. Sempre à luz da Sociologia, é autor de inúmeros livros e outros estudos, mas também se dedicou à preservação do património religioso e popular das terras onde exerceu a sua acção pastoral e que estão perpetuadas em obras de homenagem a poetas, aos padres da Ouvidoria da Povoação ao longo da história e às figuras de mérito, em vários campos, em Água Retorta.
Sobre a importância do respeito pelo legado histórico das comunidades, ele mesmo escreveu que “o homem contemporâneo corre o sério risco de perder a memória colectiva. Não há uma grande preocupação em investir na sua preservação, pois estamos convencidos que a tecnologia fará isso por nós, pondo ao nosso dispor um vasto manancial de informação que nem temos condições de percorrer na totalidade. Já que ela tudo resolve com sucesso, nos mais variados domínios, porque não também no campo das recordações? (…) Mas isto é puro engano, pois só conseguimos ter acesso ao que somos ou fomos capazes de assumir como fazendo parte dos sucessivos momentos que formam a nossa história de vida, usando assim as lembranças como suporte permanente da procura da informação”. E isto porque, “recordar é muito mais do que repetir factos de que fomos testemunhas ou que tomámos conhecimento pelo que a tradição nos transmitiu”.
E são dele também estas palavras com que abriu o livro “Água Retorta Para Memória das gentes - Os Agentes do Sagrado, primeiro volume a que sonhava que se seguiriam Os Agentes da Cultura e Os Agentes do Poder”: “Já se vai tornando lugar-comum afirmar que um povo sem memória é um povo sem história e também sem futuro. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado”.
Como bem diz o Professor José Luís Brandão da Luz, no Prefácio deste livro, “o Padre Dr. Octávio H. Ribeiro de Medeiros, conjugando o zelo pastoral de 19 anos de serviço na paróquia de Nossa Senhora da Penha de França, com a reconhecida formação e obra sociológica que desenvolveu na Universidade dos Açores, reúne, nesta pequena mas marcante publicação, exemplos de vida de pessoas da terra que nos farão certamente reflectir sobre a necessidade de revitalizar os ideais que a cultura religiosa compreende, pois permanecem vitais para informarem e elevarem o meio social que nos pertence”.
Na vida de Octávio de Medeiros, que acompanhei desde 1959, ano em que o conheci, como colega do curso anterior ao meu, no Seminário Menor de Ponta Delgada, ao tempo instalado no Colégio dos Jesuítas, agora Biblioteca Pública, há coisas que me marcaram e uma delas foi o sofrimento que lhe causou o breve cargo que desempenhou como Vigário Episcopal. Recordo, como se fosse hoje, o entusiasmo com que aceitou o desafio depois de uma escolha difícil que obrigou o Bispo D. António a uma segunda ronda de consultas ao clero de São Miguel e Santa Maria para saber quem sucederia ao Padre Cipriano Pacheco naquele Serviço. E lembro-me das palavras do Padre Octávio Medeiros que escolheu como lema de acção para aqueles três anos uma “pastoral de presença e de toalha à cintura”.
E como último gesto deve ficar na mente das pessoas este que foi divulgado no dia da sua morte: o pedido expresso que não o homenageassem com flores e que transformassem o seu valor em solidariedade para com alguém necessitado ou em celebração de missas em sufrágio das “almas do purgatório”. Um gesto que teve resposta na missa exequial transmitida online pelo “Olhar Povoacense” em que poucas flores se viram, mas em que se notou um grande e respeitoso silêncio no início da Eucaristia em que foi lido o seu testamento espiritual, no qual testemunhou a sua Fé e Esperança e pediu perdão pelas insuficiências e falhas.
Ainda este ano, em Fevereiro, aqui nestas Leituras do Atlântico me referi ao livro de Manuel Ventura de Medeiros, “Versos Religiosos” - Da Criação do Mundo às Salvas a Maria Santíssima – uma feliz reedição promovida pela Junta de Freguesia de Água Retorta, terra de naturalidade e vida do poeta popular, coordenada pelo Padre Octávio Henrique Ribeiro de Medeiros - e acerca do qual a Professora Fátima Ribeiro de Medeiros disse que este é o “legado poético de um Homem de Fé”.
Acima de tudo, neste sétimo dia da sua morte, deixo o abraço a quem sempre me chamou e tratou como “amigo-irmão” e só há mais uma pessoa, por sinal também antigo colega de Seminário que assim me trata, o Comendador Duarte Miranda, mesmo na distância de longes terras do Quebec.
Em espírito, Octávio, estaremos sempre unidos. O resto é a brevidade do tempo!
Santos Narciso
Foto: Pedro Monteiro
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