Semeias
a Batata, o milho, e o feijão, lanças à terra semente de trigo que aos poucos
vai germinando e um dia serão loiras espigas, a ondular ao vento em oscilações
como o mar irrequieto. Depois de todas estas canseiras ficas inativo e ficas a
olhar o mar imenso, e até juto de ti chega o cheiro da maresia, e resoluto vais
até à beira mar e arreias o teu barco “o aventureiro”, e fascinado partes com
um sonho acalentado, vais mar fora e ficas a navegar entre céu e mar. Ao longe
a terra é um minúsculo amontoado; e lanças ao mar o isco e teus apetrechos de
pesca, e apanhas um peixe, e depois outro, e aos poucos vais enchendo teu
pequeno barco… Passando vão horas, é preciso regressar a casa e rema que rema.
A noite está serena, o céu está semeado de estrelas e remas e tornas a remar
que a família te ajuda a varar o barco. Depois lá vem aquele abraço. Passada a
euforia, vem uma noite repousante, e passados alguns dias voltas a ser
camponês.
É
tempo da apanha da batata, vem depois o labor da ceifa do trigo que levas para
a eira. Depois da debulha será pão que repartirás com tua esposa e filhos.
Recolhes o feijão e o milho, vêm depois as vindimas, a uva perfumada que vai
para o lagar, é esmagada e se transforma no vinho precioso que alegra a vida
usando-o sem excesso. Vem depois dias mais tranquilos e ficas com a nostalgia
de voltar ao mar e como um “íman” sentes-te atraído, e vais à faina da pesca. O
mar está ligeiramente revolto e dessossegado e a Maria pete-te que não vás ao
mar, mas tu persistes, sentes em ti uma atração irresistível, Maria dá-te um
abraço e coloca-te ao pescoço um cordão com uma medalha do Senhor Santo Cristo
para te proteger. Regressando a casa, Maria ajoelha-se junto a um oratório do
Senhor, e numa súplica de prece fervorosa ao Senhor Santo Cristo que proteja o
seu António.
Afoito
vai indo o António mar fora, o dia passa rápido com o sol a jogar às escondidas,
ora aparecendo e desaparecendo entre nuvens espessas e sombrias, o barco cada
vez baloiçava mais, na ondulação constante do mar revolto. Vem a misteriosa
noite coberta com um enorme xaile negro, carrancuda e tenebrosa com aspeto fan-
tasmagórico, de quando em quando o vento ponha-se a uivar, as nuvens
atropelam-se velozes umas às outras; começou a relampejar veias de fogo “zagaiando”,
iluminam por fração de segundos as densas trevas da noite. Ribombam os trovões
logo seguidos de fortes aguaceiros… O António estava apavorado, tremia mas
remava… remava… e sentia-se exausto; o barco ia ao vai-e-vem das ondas, umas
vezes na crista outras vezes baixava de repente como se fosse afundar, e dizia
o António: Senhor tu sabes que sou pecador!... Mas sei Senhor que és misericordioso,
pela inocência dos meus filhos salvai-me…!
Enquanto
isto dizia beijava a medalha do Senhor Santos Cristo, e como por milagre o
vento acalmou um pouco… E o António horas depois chegou ao porto;… Maria ao ver
o marido ajoelhou-se no velho cais, agradecendo ao Senhor Santo Cristo, a graça
do marido por estar vivo. Depois da varagem o António abraçou Maria e os
filhos, e com lágrimas a correr-lhe na face curtida de agrestes nortes, dizia:
foi um milagre do Senhor Santo Cristo!
Foi
um milagre! Eu que sou tão pecador… Tão pecador.
Senhor
meu Jesus, perdão!
Povoação,
16 de setembro de 2016.
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