“Não conseguia perceber o
porquê da queda do avião. Sabendo que a Povoação, que se avistava muito bem,
não era o local da aterragem Marcel Cerdan, acabou por compreender que o
destino tinha marcado encontro com o seu pai naquele local.”
Acho que é a primeira vez
que escrevo sobre este assunto...
Há 25 anos, nos 50 anos sobre a queda do avião da Air France no Pico Redondo, no então lugar da Algarvia, Nordeste, acompanhei o filho de Marcel Cerdan na subida ao local onde o pai, com o mesmo nome, perdeu a vida na queda do avião Constellation F-BAZN.
O primeiro contato foi uma
curiosidade tremenda. O jornalista Jean Cormier (falecido em 2018), do Le
Parisien, telefonou para o Diário dos Açores para perceber como poderia subir
ao Pico da Vara na companhia de Marcel Cerdan, filho do famoso pugilista francês
com o mesmo nome, que há pouco tempo se havia sagrado campeão do mundo na
categoria de pesos pesados.
Boxe?, questionou a minha
colega de redação.
Acácio, é para ti,
acrescentou, pois na altura era eu o responsável pela secção de Desporto. E
passou-me a chamada.
Atendi. Do outro lado um
jornalista francês a falar um português com sotaque brasileiro.
Jean Cormier de seu nome.
Entendemo-nos perfeitamente. E guardei segredo!
No final de setembro
aterraram em Ponta Delgada.
Marcamos encontro para o
hotel Talismã.
Conversamos sobre o que
pretendiam e o que seria necessário para subir ao local ao acidente.
Formalizei o pedido junto da
Câmara Municipal do Nordeste que nos deu a necessária autorização e duas guias
para nos acompanhar na subida: a Carmen e a Sílvia.
Subimos a 27 de setembro. Um
dia de sol, fresco, mas chuvoso na véspera. Os musgos e as turfeiras eram
autênticas armadilhas.
Chegados ao Pico Redondo,
onde o cruzeiro serve de memorial aos que perderam a vida no acidente, Marcel
Cerdan abraçou-se à cruz e chorou compulsivamente durante minutos. Era como se
sentisse a presença do pai naquele local. Respeitamos o momento. Não tive
coragem de fotografar. Respeitei a dor de um homem que mal conheceu o pai.
Descemos uns minutos depois,
em silêncio total.
Em outubro de 1999 o Diário
dos Açores publicou a reportagem (a custo, pois nessa altura já eu tinha saído
do jornal).
Umas semanas mais tarde
recebi uma carta de Jean Cormier com a reportagem publicada no Le Parisien.
Hoje, 75 anos volvidos sobre
o acidente e 25 anos após o filho ter vindo à ilha de São Miguel ver o local
onde o pai perdeu a vida, sinto-me um privilegiado por ter tido a sorte de
acompanhar este momento.
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