Dás-
me mais quanto tempo, Deus meu?
Ainda
tenho tantas coisas e tão pouco tempo para aproveitar! Precisava de mais duas
ou três vidas para realizar tudo aquilo que me vai na cabeça!
Desvio
os olhos do relógio da igreja e detenho-me a apreciar o coreto agora vazio e
solitário. Ergo o rosto para apanhar os últimos raios do sol do dia e
delicio-me com o calor reconfortante que ilumina as rugas desta cara
envelhecida.
Porque
é que envelhecemos?
Reparo
nas minhas mãos, também elas já gastas ostentando os sinais da idade. Pequenas
manchinhas salpicam, aqui e ali, estas mãos que foram capazes de criar tanta
coisa boa. São pequeninos troféus de uma vida marcados na pele. Para
alcançarmos um pouco de sabedoria temos de pagar o preço: envelhecer…
Dás-me
mais quanto tempo, Deus meu?”
Este
texto foi retirado do livro que o António Pereira publicou em Outubro de 2016 o
qual retrata com muita felicidade a sua rica e forte personalidade. Tendo
falecido em um de Maio de 2017, sem que nada o fizesse prever, tem um certo sabor
premonitório. Aquela interrogação que ali aparece duas vezes “Dás-me mais
quanto tempo, Deus meu?” leva-nos a pensar que ele, tendo ainda tantas coisas
para realizar, tinha um certo receio de que o tempo para tal lhe faltasse. E
assim aconteceu.
No
entanto o meu bom primo e grande amigo poderia orgulhar-se de que deixou rasto
na freguesia de Água Retorta que tanto amou e dignificou como poucos.
Não
será, de facto, fácil encontrar outro que possuindo tão poucas ferramentas,
como aquelas de que ele dispôs, para além da sua grande inteligência e muitas
outras qualidades, fosse tão longe.
Gostava
tanto de ter estudado para além da quarta classe que fez com alta distinção. A
doença, porém, foi implacável e não permitiu que em tempo útil pudesse
continuar os estudos. A sua vontade de aprender mais essa foi muito forte e
levou-o a atingir níveis de conhecimento invulgares para quem nunca saiu de uma
isolada freguesia rural.
Aprendeu
música e sabia tocar todos os instrumentos de uma filarmónica, sobretudo o clarinete,
foi regente e com muita competência, sendo ainda bastante novo, da filarmónica
da sua terra, compôs algumas peças musicais de elevado nível, tocava órgão com
alguma qualidade, escreveu poesia e muitos textos de intervenção social e
política, empenhou-se a sério na promoção da sua freguesia e conseguiu realizar
obras importantes para o desenvolvimento das suas gentes, pensou e organizou,
enquanto presidente de junta, o primeiro encontro das juntas de freguesia de S.
Miguel que teve repercussões importantes na nossa Ilha, e muitas outras coisas
mais.
Creio
que se poderá dizer com alguma verdade que o António Cabral Pereira, mesmo
dentro dos limites que acompanharam a sua vida, foi enorme.
Weber
Machado Pereira
P.
D., Julho de 2107
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