Por
onde andais?
Em
países longínquos do meu coração que chegaram até mim em cada manhã no
apetecido, fresco loiro pão.
Ai
que saudades das velhas eiras, do moinho de engenho junto à ribeiras e máquinas
debulhadoras do trigo, que afadigou homens e mulheres na recolha do precioso
grão, que de mão em mão passou em experiências feita na escola da vida inteira.
Na
curva dos meus fracassos, nunca digo à natureza, foi chão que já deu uvas!... A
natureza é generosa e tudo nos dá, dos meus sonhos de criança vejo extensos
milheirais que era prodigo o conselho povoacense, carros de bois carregaram
espigas de milho, que transbordavam da sebe quando os carros iam aos solavancos
em prodígio de equilíbrio caminho abaixo, caminho acima.
Ouvia-se
ao longe a sinfonia da chiadeira dos eixos das rodas que alertavam os donos que
o milho estava a chegar a casa.
Família,
vizinhos amigos, vinham tirar folha á maçaroca, milho branco ou amarelo, em sua
beleza singelo e de forma tão variada. Rapazes e raparigas à procura do milho
rei para um beijo darem na desfolhada, não existia fadiga, havia sempre uma
graça, um piscar de olhos um piropo uma ou outra cantiga brejeira e sempre um
ou mais namoricos começavam.
Vamos,
vamos minha gente deu-nos machos para amarrar, para o dependurar-mos na tulha,
vamos não há tempo a perder, parar é morrer, já o dizia minha avó que era
mulher de sabedoria. Terminado o trabalho seguia-se um baile furado, formem
pares todos à roda, braços ao alto, estalem dedos, entra Maria para dentro que
já vou para fora… isso mesmo estes passos bem marcados e repenicados, entra e
sai e vira, assim mesmo é que é.
Vai
dai uma cantigas!
O
baile da Povoação… é um baile encantanudo…se me apanho fora dele…vejo sol por
um canudo… quando minha avó nasceu… eu já tinha três semanas… já vinha da
Povoação… com um saquinho de castanhas… quando minha avó nasceu eu já vinha de
S. Vicente… minha sogra está teimosa… que nasceu á minha frente…
E
assim pela noite dentro continuava o baile furado, uns comes e bebes à mistura…
Ó
José vai dar uma cantiga… Ai vai ela fresquinha de agora…a mulher ralha comigo…
que só quero baile furado… este é um vicio antigo… de quando fui seu namorado…
esta foi boa… é mesmo para atiçar!
Ó
Clara onde é que está a sua esperteza!
Ele
não pede por esperar!
Como
uma batata escaldando na boca que mal entre logo sai, ela ripostou… saíste-me
um bom garoto falando mal de mim… cara de macaco torto… bigode tão ruim… sempre
gostaste do meu bigode… dos meus abraços ainda mais… à cá Del Rei quem me
acode… que ela por mim dá ais…
E
o despique prossegue!
O
meu amor é um bandalho, que só quer pernear… é carta fora do baralho… que não
se pode jogar…
A
cada resposta brejeira soam em um uníssono as gargalhadas dos familiares e
amigos: prossegue a cantorias mas não apimentada mas amena… dá-me um beijo meu amor…
que beijar não é pecado e também se o for… por mim estás perdoada…
O
meu amor me pediu… o que não lhe posso dar… as meninas dos meus olhos… que não
as posso tirar… Os olhos do meu amor são grãos de trigo na eira… são nados ao
domingo, e nascem á segunda-feira… Tenho um lenço de ciúmes… meu amor para te
dar… com quatro nós dê suspiros… sem os poder desatar… O pobre vive em pobreza,
porque dinheiro não têm, e a sua maior riqueza, é ter quem lhe queira bem… Hoje
não é dia de tristeza vou dizer a minha chacota!
Semeei
no meu quintal, a asa de uma caneca… nasceu-me um macaco torto, cara de maroto
tocando uma rebeca…
Esta
é de lhe tirar o chapéu… vai mais um Chico!
Agora
é a vez de ti João, eu por mim fico por aqui… É verdade bem lembrado; Ó ti João
diga qualquer coisa á fartura de milho que lhe entrou em casa… Ei rapazes… eu
não estou no dia sim, mas vocês merecem ouvir qualquer tonteira minha, pois ai
vai…
O homem muito trabalha… e ás vezes com algum
ralho… muitas vezes não lhe calha, gozar o seu trabalho…
Cheguei
ao alto da vida, alegremente sorrindo… choro agora na descida… como cantava
subindo…
Estas
merecem um brinde a ti João… Ó Jacinta trás dai o cajeirão do vinho, esta gente
está com a garganta seca…
Ei
gente… ergamos o nosso copo este vai á saúde de ti João, tia Jacinta e família
e á nossa;
Isto
é que se chama uma boa pinga… ei raparigas deixem de namorar… vai dai uma
cantiga…
Encostei-me
ao pessegueiro e fiquei cheiinha de flores… ai de mim tão novinha… e já tão
cheia de amores…
Madressilva
pampilosa… onde foste deitar flor… foi no adro da igreja… no chapéu do meu
amor…
Ei
gente agradeço a todos, seja pela saúde de todos e pelas almas; vamos á deita
amanhã é domingo; vamos á missa agradecer a Deus a fartura que no deu.
E
ao repicar do sino lá iam as pessoas á igreja com seus modestos fatos
domingueiros as mulheres na sua maioria de saia e blusa, xaile sobre os ombros
entrelaçado, pés calçados de tamancos a fazer o característico ruido do tlic
tlac; ao entrarem na igreja descalçavam e ficavam por baixo da pia da água
benta.
Os
homens uma grande maioria descalços recordo-me que só aos onze anos estreei uns
sapatos porque fui trabalhar sem ganhar um escudo para o sabão para minha mãe a
roupa lavar… era assim naquela época, e lá uma vez que outra toma que é doce
uma bordoada puxando carroça a calcorrear caminhos outra vez rastejando como
uma toupeira por baixo de casas metálicas… não é meu objectivo falar de mim que
não se coaduna com este ligeiro apontamento…
Neste
apontamento cito três quadras que ouvi da boca do Senhor Manuel Alves que
residiu na Paul Ilha de S. Maria (Ilha Coração), este Senhor já falecido tinha
um encanto peculiar ao citar estas e outras quadras que era apanágio dos bailes
realizados no Paul e arredores.
Benjamim
Carmo
Povoação,
segunda-feira, 24 de julho de 2017
Sem comentários:
Enviar um comentário