Vindimas
deixam sempre perfume no ar, apesar da fadiga aliás como é natural. Sentimos
alegria ao dar um doce beijo numa caneca ou tigela de barro ou canjirão.
Quando
transborda, goela abaixo o precioso e perfumado vinho doce, na euforia do
momento sem conta nem medida, assim ingerido, por vezes transborda quando menos
se espera; e há que ter um andar cauteloso ou até apressado; e lá damos uma
voltinha…
Não
vá Baco ou alguém rir-se de nós!
Enfim
coisas da vida…
Cito
o provérbio: Até ao lavar dos cestos é vindima…
Chorar
ou rir é viver a vida!
Nos saudáveis convívios da vida, surgem
despiques, contam-se histórias, anedotas apimentadas ou não, uma ou outra
cantiga brejeira, do tipo destas que há anos atrás foi início de namoro, aqui
na costa…
Se
queres casar comigo: Provo tua boca feiticeira:
E
se fores bom artigo: Amar-te-ei a vida inteira:
Não
proves que sou veneno: Irás morrer sem amar:
Um
rato tão pequeno: à morgalheira vai parar:
Vai
até ao canavial: Pra te mostrar uma coisa:
Não
fales de mim mal: Pra que ninguém te ouça:
E
lá de quando em quando, bago de uva era atirado, de cá para lá e de lá para cá,
com um piscar de olhos à mistura…
Assim
era o namoro de antigamente, se havia um beijo era de corrida…
Vindimas
no meio da algazarra há tarefas para todos, uns apanham uvas enquanto que
outros, com cestos de vimes, ou outro tipo de recipiente vão carregando as uvas
para tabuleiros grandes de madeira onde fazem a escolha.
Logo
depois da escolha que foi a separação das uvas verdes ou estragadas das boas
que são para consumo natural, ou em vinho quase sempre para uso caseiro, ou
para brindar algum familiar ou amigo…
A
maioria das uvas são transportadas em
caixotes que vão para a casa dos seus donos no dorso de cavalos guiados pelos
donos ou tratadores calcorreando calhau, vereadas tortuosas e caminho bom; são
utilizadas carrinhas por ser mais prático sempre que o caminho o permita.
Há
umas boas dezenas de anos existiam diversos lagares de pedras nas casas
primitivas da costa e fajã do calhau nesta última o Sr. António Pereira e
esposa D. Maria Beatriz são proprietários de três lagares, dois inactivos e o
terceiro activo quando cheio de uva e quando é esmagada dá uma pipa de vinho
que é guardado na adega deste casal na Fajã com todo o cuidado de quem percebe
de vinhedos e do seu derivado, o vinho…
Na
costa há quem tenha lagar de cimento; de pedra segundo consta só existem
resíduos, a salientar quando existia vinho abundante na Costa já há umas boas
dezenas de anos chegou a ser transportado de barco por ser mais prático…
Era
usual homens, mulheres e crianças aparentemente saudáveis, previamente lavavam
pés e pernas no mar e logo depois na casa os voltavam a lavar em água doce.
Aqui
deixo umas improvisadas quadras que disseram antes de entrar no lagar…
José
lava bem os pés: Quero vinho sem esterco:
Não
te caia o rapé: Do umbigo que o perco:
Eu
já sou homem: Sem tabaco no umbigo:
Ò
ti Manuel arreda, foge: E não se meta comigo:
Ei
galinho da madeira: já cantas de galo:
Eu
tava na brincadeira: contigo não me calo:
Ti
Manuel toma tino: Como a uva tás maduro:
Senão
ainda lhe empino: Pro lagar eu lhe juro:
Tu
és uma tagarela: E corda mais não dou:
És como a esparrela: Que melro velho apanhou:
Pró
lagar ele não vai: Pró vinho não avinagrar:
Tem
idade de ser meu pai: Ei gente! Vamos as uvas esmagar…
À
medida que vão esmagando as uvas ali fica tudo concentrado, engaço, grainhas,
etc.
No
dia seguinte temos vinho doce à disposição de quem o aprecia.
O
restante ali fica acomodado e, em balseiras, em média cinco a seis dias em
fermentação ou cortimento como alguns dizem, todo o conteúdo é mergulhado ou
virado três vezes ao dia.
No
lagar existe uma pedra com peso e configuração adequada ao mesmo que é
utilizada para o esmagamento total, mas já há muito que existem prensas de tipo
diverso tal como os raladores manuais e não só…
É
tempo de coar o vinho depois de extraído, é usual usarem um pequeno cesto de vime
para este fim, logo depois vai para o vasilhame previamente preparado, a notar
o vasilhame só fica totalmente vedado ao fim de três semanas, há quem coloque
sobre o orifício provisoriamente uma maça, ou pedra lisa.
Uma
paisagem é sempre bela especialmente aos olhos de quem a ama!
Não
posso dizer que gosto da fajã do calhau que não conheço, ou da costa onde já lá
fui três ou quatro vezes, uma delas para a água num quinze de agosto para ali
tomar banho, foi agradável o convívio como também ajudar na apanha da uva há
uns bons anos atrás e o que digo é que não sou (amante) da costa.
Opino
é que tudo tem o seu encanto peculiar, aliás como é natural.
Quem
corre por gostos não cansa, diz a nossa gente…
Assim
acontece aos que gostam da costa da fajã do calhau ou qualquer outro lugar à
beira mar, são os enamorados de mãos rudes ou macias que acariciam a terra e as
videiras para produzirem fruto mantendo o ciclo de vida que se renova e cada
Primavera…
Quanto
labor, quanta canseira; são as cavações, sachas, mondas, arranjo de tapumes,
adubações, podas, amarração das vinhas, desladroar, desmatar, mais haveria a
dizer, que o digam os entendidos, aqueles e aquelas em que o suor corre em bica
no meio de tanta labuta, e eu o que faço bebo o vinho e digo: Rebente quem o deu!
E
quem o deu? A vinha…
Contam
os mais idosos que algures tendo um homem deslocando-se a um prédio de vinha,
de burro, não teve o cuidado de amarrar o animal, que assim solto, ia comendo
nas varas da vinha. Neste mesmo ano a vinha produziu mais fruto, concluiu o
homem que era bom podar a vinha e assim tem sido.
Esta
possivelmente será mais uma história da minha avó!
E
assim é a fajã e a costa, casas e vinhedos em prodígios de equilíbrio
empoleirados nas encostas, socalcos á beira das falésias tendo como sustentáculo
velhos murros canaviais e outro tipo de vegetação, uma ou outra figueira: a
deslizar encosta abaixo como serpentes os vinhedos sequiosos como se a querem
banhar com as sereias de carne e osso na água cristalina e rolar nos afagos das
ondas no rendilhar da espuma.
E
quem sabe espreguiçar-se na praia a bronzear seus doces frutos tão apetecidos,
e na vindima do amor colhidos, é que do amor nasce a vida!
Visionar
a Fajã do calhau ou a Costa a luz dos fios de prata de luar tecidos deve ser
fascinante, ouvir os cagarros e o marulhar do mar na quietude será adormecer e
com encanto sonhar…
Benjamim Carmo
Povoação,
4 de Outubro de 2016.
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