Num ano de muitas
calamidades públicas por todo o Mundo, devido a acções provocadas pela
Natureza, esta Ilha de São Miguel sofreu um dos mais longos períodos de chuvas
de sempre.
Os solos encharcados foram
cuspindo terras que se soltavam, daí os muitos descorrimentos que se deram,
alguns de muita gravidade.
Também na Ribeira Quente,
na noite de 31 de Outubro de 1997, entre as 3 e as 3 horas e 30 minutos,
desprenderam-se das rochas altas volumosos bocados de terras encharcadas que,
deslisando vertiginosamente encosta abaixo, vieram arrasar zonas da parte
antiga desta localidade, soterrando sob as mesmas, 29 pessoas que dormiam nos
seus lares.
Quer pela grandeza das
matérias descidas, quer pelas mortes e prejuízos causados, depois do ano de
1630 este foi o mais trágico acontecimento histórico ocorrido na Ribeira
Quente.
Os órgãos de informação
moderna, como a televisão, deram-lhe a dimensão necessária e muita mais, por
isso se criou um imenso movimento de solidariedade humana jamais igualado nos
Açores e, por via disso, foram nascendo outros actos de solidariedade humana
até mesmo fora dos Açores e país.
Do outro lado do
Atlântico, como não podia deixar de ser, os açorianos criaram outros movimentos
de angariação de auxílios porque, na realidade, o nível de vida por lá (América
e Canadá) era de poder equilibrado, os auxílios foram crescendo de uma forma
relativa e muita válida.
Vinte e nove mortes num
pequeno aglomerado como a Ribeira Quente, foi algo de muito dramático e
chocante.
Entre os vinte e nove
mortos, contaram-se:
César Furtado Carvalho, de
76 anos e sua esposa Maria da Glória Pimentel Rego, de 71 anos;
João Vieira de Melo
Peixoto, de 67 anos, sua esposa Idalina Cardoso de Melo, de 63 e o filho Helder
de 22 anos;
Maria Elvira Correia
Pimentel Pacheco, de 36 anos, e seus filhos Magno Filipa, de 16, Carla Patrícia
de 18, Leandra Sofia de 7, e Hugo André de 10 anos;
Maria Helena de Melo
Peixoto, viúva de 39 anos, morreu juntamente com seus filhos Pedro Miguel de
13, Milton César de 14 e Diogo Alexandre de 8, e ainda um sobrinho desta viúva,
que residia em sua companhia, de nome Paulo José da Silva Costa, de 33 anos de
idade;
Maria Gilda Costa Vieira,
de 62 anos, seu marido José Tavares Ferramenta, de 64 e seu filho Fernando Luís
Costa Tavares, de 24, estes últimos, ambos coveiros da freguesia da Ribeira
Quente;
Ângelo Couto Linhares, de
64 anos;
António Leite Medeiros, de
50 anos;
Maria de Jesus Linhares
Cardoso, de 31 anos e suas filhas Sofia Linhares Cardoso, de 6 anos e Alexandra
de apenas 3 semanas;
Aida Maria Amaral Xavier
Rosonina, de 26 anos e sua filha Simone Xavier Rosonina, de 2 anos;
Manuel Rosonina e sua
esposa Zulmira Oliveira Silva, ambos de 59 anos de idade;
Ilda de Jesus Gonçalo, de
75 anos e sua neta Tatiana Barbosa Vieira.
Porque era noite fechada e
tudo se havia consumado em fracções de minutos e nada indicava estar iminente
qualquer acontecimento de tamanha natureza, visto que a zona dos corrimentos,
no percurso de 367 anos históricos, nunca tinha sido considerada zona de perigo
- embora o perigo e os riscos estejam em toda a parte - quaisquer socorros
prestados não podiam ser imediatos nem obstariam a que fosse consumada tamanha
desgraça.
Completamente isolado, o
povoado da Ribeira Quente por efeitos da tempestade, quer por terra quer por
mar - visto que os taludes que suportam a modesta estrada (única) de acesso
assentam parcialmente sobre o leito da ribeira - tanto os corrimentos de
barreiras descidos sobre esta, como os cortes feitos pela mesma devido à força
do caudal, contribuíram para que parte destes socorros fossem insuficientes e
demorados.
O paredão feito no porto
de pescas da Ribeira Quente devido a pressões e aproveitamentos já mencionados,
embora fosse insuficiente para quaisquer auxílios vindos do mar, havia cedido a
uma tempestade ocorrida a 25 de Dezembro de 1996.
Sem estrada, sem porto de
mar, sem telefones nem luz, numa altura tão alucinante, ficou o povo desta
localidade em muito mais abandono do que aquele que sofria antes de 1940.
RIBEIRA
QUENTE E AS CHEIAS
Dentro do contexto do
passado histórico, embora a ribeira da Ribeira Quente seja a única boca de
saída de todas as águas pluviais ou de absorção que descem do Vale das Furnas,
nas quais se incluem as de escoamento da sua lagoa, em matéria de cheias, estas
nunca foram trágicas.
De um modo geral, se se
excluir a Freguesia de Água Retorta, toda a área do concelho de Povoação é, de
certo modo, uma zona da ilha de São Miguel considerada de risco expectante,
mais propriamente dito em alturas sazonais, Outono, Inverno e parte da
Primavera, devido a cheias desmesuradas.
Historicamente, a
freguesia do Faial da Terra tem sido companheira da sede do seu concelho nos
momentos de desgraça, quanto a cheias. Apenas quase só divididas pela cumieiras
que parte do Pico da Caldeira e se estende até ao Pico Longo, no decorrer dos
séculos tanto a hoje a Vila da Povoação como o apertado povoado do Faial da
Terra têm sido lugares de muitas catástrofes hidrográficas.
A bacia da Povoação, quer
pela sua dimensão, (3.350 hectares), quer pelos inúmeros sulcos cavados pelas
águas nas encostas das suas montanhas, tornados depois regatos e ribeiras,
sempre foi uma área geográfica hídrica de alto risco e quase perigo permanente.
Hoje está muitíssimo agravado este alto risco porque toda ela, bacia, é uma
pastagem de terras que não absorvem as águas pluviais e que, quando absorvem,
logo se encharcam e cospem as águas que vão vertiginosamente formar caudal.
Por isso a Povoação é
terra de cheias.
Dentro do nosso período
histórico ou período em que se fez história, a cheia do ano de 1744 foi a mais
trágica, visto que não só varreu muitas casas da ainda então na Povoação Velha,
como matou 61 pessoas que foram arrastadas para o mar. Depois, sendo já Vila, a
cheia do ano de 1896 foi a que mais marcada ficou na sua verdadeira história
porque, esta Grande Cheia, assim chamada, levou algumas casas e matou 12
pessoas, cujos nomes estão registados em documentação camarária.
Falando novamente da
Ribeira Quente, todas as históricas de cheias da sua ribeira nunca causaram
mais do que maiores ou menores prejuízos materiais, porque o seu curso de águas
passa ao lado.
Como já foi mais de uma
vez referido, o lugar da Ribeira Quente tem uma história parcialmente
encoberta, além desta agora contada.
Baseando-nos nos escritos
de Frutuoso e aceitando condicionalmente algumas das suas afirmações escritas,
podemos verificar que, na realidade há pedaços dos seus escritos que nos
empurram para o campo das suposições, que bem podem ser verdades.
Repetindo, agora, no seu
todo, o último parágrafo da página 140 do volume II do seu livro Quarto,
podemos encontrar certezas e incertezas que podem ser sequências dessa encoberta
história:
"A noite que
amanheceu a sete de Outubro de mil e quinhentos e oitenta e oito, choveu por
aquelas partes (do hoje Concelho da Povoação) tanta água, que atupiu muitas
destas furnas (caldeiras) com suas enchentes e levou algumas casas com seus
moradores ao mar, de que tomou bom espaço posse um pedaço de terra que quebrou
do pico da Vara, mudando a Ribeira Quente de sua primeira madre, e em diversos
lugares e partes desta ilha, fazendo muitas mudanças e espantosas
novidades". (O entre parêntesis é do autor deste trabalho)
Notoriamente, mais
apanhados da informação do que da observação, nem por isso alguns dos dados
desta notícia do Dr. Frutuoso perdem mérito histórico, visto que dos mesmos
constam nomes e referências indesmentíveis porque foram verdades.
ATUPIU (entupiu) era usual
como era vulgar a FURNA e não caldeira. Porque ele, Frutuoso, se refere, na
realidade, às Furnas e as águas das Furnas só têm saída para o mar através da
apertada garganta que se começa a formar na "Ribeira dos Tambores" e
vai, mais abaixo, chamar-se ribeira da Ribeira Quente, pois nunca houve outra
com esta designação nem saída. A afirmação:
"mudando a Ribeira Quente
(curso de água) de sua primeira madre", é sinónimo de que, antes deste
acontecimento ocorrido naquele ano de 1588, a foz da ribeira da Ribeira Quente
era diferente.
"e levou algumas
casas com seus moradores ao mar". De certeza que não eram casas do lugar
das Furnas que ainda não era povoado; por isso se pode admitir que já houvessem
algumas casas de veraneantes nas margens desta ribeira.
Há muita contradição nesta
informação de Frutuoso, mas o acontecimento foi um facto histórico que veio a
ser reproduzido, mais tarde, em outras narrativas.
O corrimento de parte da
falda sul do Pico da Vara foi, realmente, algo de vulto, visto que ainda no
presente aquela perigosa falésia se encontra sem vegetação ou desguarnecida.
Quando o Dr. Frutuoso
menciona no seu livro que neste lugar também veraneavam religiosos, não designa
sexos, mas a toponímia vem-nos mostrar que houveram outras ocorrências
históricas dentro do espaço físico da Ribeira Quente.
O "Outeiro da
Freira", que geograficamente se chama "Outeiro das Freiras",
foi, sem dúvida, ou propriedade de qualquer congregação religiosa, ou refúgio
de freiras nos tempos corsários (mais provavelmente a primeira versão). Esta
zona alta da Ribeira Quente foi, como tudo indica, a área das melhores fajãs
desta localidade, antes da erupção vulcânica de 1630.
A "Eira das
Freiras", conforme o mapa, é toda a zona nascente da margem da ribeira
desde o litoral à primeira curvatura desse curso hídrico. Sem ser solo de
formação, a sua parte plana e já no plano inclinado, foram os melhores quintais
da localidade da Ribeira antes deste se terem tornado zona residencial.
Só o moinho que ali
existiu (existem ruínas) se relaciona com o passado.
A zona alta continua era propriedade
da família Saraiva - que era um carpinteiro natural das Furnas que veio a casar
na Ribeira Quente com uma jovem que havia sido criada pelo Padre Ângelo, já
mencionado - o qual se tornou seu proprietário depois de regressar da América
do Norte, por ter sido ali imigrante.
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