Foto de: Um Olhar Povoacense |
Antigamente aș pessoas que viviam no campo alimentavam-se essencialmente daquilo que a terra produzia, num contexto de economia tradicional e em regime de subsistência económica. O pão, base de segurança alimentar, entrava sempre nas refeições diárias. Habitualmente e por tradição comia-se três vezes ao dia: almoço às 10 horas, jantar às 15 horas e a ceia à noite. Eram as refeições de referência do “homem da terra”. O “quebra-jejum”, como era conhecido o pequeno-almoço, nem sempre se tomava. Convicções religiosas levavam algumas pessoas a prescindir dele, ficando em jejum, como oferta de sacrifício pessoal à divindade mais querida.
No espaço rural grande parte das refeições era preparada com produtos da casa. Ir à loja comprar géneros alimentícios era coisa que se devia evitar. A solução estava na utilização da “comida de panela” e da “comida de balsa”. Integrava a comida de panela o “caldo” e a açorda de feijão ou de favas e, ainda, ervilhas ou favas guisadas. Por seu lado, a comida de balsa agrupava produtos do porco: carne, toucinho, chouriço e morcelas, armazenadas em balsas e boiões de barro. Por sua vez, a banha, mais conhecida por “manteiga de porco”, era a única gordura aplicada na confecção de comidas e, por isso, rara era a casa que não tinha boiões de “manteiga” debaixo da amassaria ou no vão das escadas, para uso racional e parcimonioso.
A mulher, como boa gestora da sua casa, quase todos os dias levava a sua panela ao lume, onde fazia os ricos caldos e açordas ou guisados, que eram a comida mais barata e permitiam não ter de aumentar o rol da loja. A comida da balsa ficava reservada para ocasiões específicas e de maior carência de outros produtos.
As migas de leite, sopas de café, queijo fresco, chicharros fritos ou assados na sertã e sardinhas fritas entravam também na dieta alimentar da família rural. A carne de vaca, apelidado de “comida de rei” por ser comida onerosa, era consumida nos momentos mais nobres, especialmente dias santificados e festividades religiosas, sendo no entanto de acesso generalizado por ocasião da distribuição das pensões das festas do Espírito Santo. A fruta era da época, trazida dos pequenos pomares que produziam em abundância bananas, laranjas pêros e araçás. Era de consumo contido, principalmente em famílias que não possuíam quintas. No verão apareciam as uvas e, na horta do quintal ou num minúsculo terreno, colhiam-se pepinos, melancias, e melões.
Foto montagem de: Um Olhar Povoacense |
A couve, a salsa e a cebola eram hortaliças sempre presentes na confecção de alimentos. O feijão e a ervilha verde consumiam-se no verão. O pão de milho, como alimento indispensável na dieta alimentar, era usado diariamente; o mesmo não se passava com o pão de trigo, unicamente consumido em fins de semana. A massa sovada era cozida pelo Natal, Páscoa, Corpo de Deus e festa da padroeira.
O chá e o café, geralmente de fabrico caseiro, eram as bebidas mais utilizadas na alimentação. Muito do café consumido era proveniente do milho torrado, produzido a partir da trituração do “milho ardido”, que se fazia num alguidar com a pressão de garrafa bojuda e de base larga ou com pedra do calhau rolada. O leite, considerado muito sustentável, também satisfazia muitas “horas”, geralmente misturado com pão - eram as famosas e apreciadas “migas de leite” para uns e “miolos de leite” para outros.
Outras bebidas produzidas localmente e de uso generalizado faziam-se a partir de infusões de plantas medicinais. Os chás medicinais mais recomendados eram a erva-luísa, sálvia, arruda, hortelã, rosa-de-bem-fazer, macela, poejo e de folha de araçazeiro. O funcho, a hortelã e o agrião faziam parte do conjunto das plantas bravias comestíveis que entravam nas recomendadas sopas de panela. O rizoma da serpentina era muito procurado para transformação em farinha para confecção de papas, como recurso à escassez de cereais.
O Inhame também entrava na dieta e podia servir de conduto ou de pão ou mesmo ter as duas funções em simultâneo, constituindo um bom suprimento alimentar. Para condimentar os guisados utilizava-se a açafroa, considerada bom substituto do colorau ou pimentão-doce.
Fonte: Livro “Era Assim no Campo - Meados do Século XX”
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