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terça-feira, 2 de julho de 2019

O VALE DAS FURNAS AO ENTARDECER


Estou sentado na varanda do Pomar, onde antes já estiveram sentados o meu avô Manuel Furtado e o meu Pai José Furtado, estando eu agora temporariamente a ocupar o lugar deles. Está a anoitecer e o Vale das Furnas está aos meus pés. Para mim, é o momento do dia que mais gosto no Vale, desde logo porque é quando consigo apreciar melhor as diferentes tonalidades do verde da boca deste Vulcão, e como são diferentes, sim, porque a folha dos inhames, das acácias, dos carvalhos, dos castanheiros, das criptomérias, das araucárias do parque Terra Nostra, das hortênsias, das azáleas, das camélias, das conteiras, das pastagens, observadas do Pomar todas são bonitas, mas não são iguais. Acresce que o som que vem das ribeiras com a água que corre rumo à Ribeira Quente ao fim de tarde é mais audível. Este som característico da água em movimento, misturado com o cantar das rãs, é único e só pode ser escutado na maior e mais bela hidrópole do mundo e que é o Vale das Furnas.

Também observo as montanhas que circundam esta imensa cratera que o meu amigo Jaime Gama insiste que, tal como as diferentes águas das Furnas, deveriam ser identificadas e publicadas numa pequena brochura, o que muito contribuiria para o enriquecimento cultural e científico de quem nos visita e mesmo dos que cá residem. 
Mas, desta varanda onde tenho como companhia a maravilhosa orquestra e o coro constituído por pássaros, de que relevo os canários da terra, os tentilhões, os melros negros, as alvéolas, bem como as tabacas, as codornizes, e os faisões dos serviços florestais, tenho o privilégio de, através da visualização das ruas, do casario e das pessoas que as habitaram, rememorar os últimos 113 anos da história do Vale das Furnas. Este período corresponde aproximadamente à distancia que separa o nascimento do meu avô e os dias de hoje, pois a vivência intensa que tivemos, o facto de ter sido “criado na rua”, ser curioso, gostar da natureza, foram os ingredientes principais para, cá de cima, e nos dias de hoje, me comover com tantas histórias de vida que se passaram durante estes anos. Sem duvida que a dialética que a emigração encerra, pelo que tem de crueldade mas também de libertação, é o que mais me vem à memória, tal como o ciclo da vida, composto pelo nascimento, a permanência e a morte. 
E, mesmo já de noite, as torres da Igreja de Nossa Senhora da Alegria se destacam na Freguesia como a querer protegê-la de tantos desafios, atentados e incertezas que marcam o nosso tempo e a nossa vida. 
Mas o Vale das Furnas continua lindo. 
In Jornal Diário dos Açores, 2 de julho de 2019.

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