CRÓNICA de CAROLINA
CORDEIRO
#azoresfringe |
A criança que fomos cresceu e encanta-se
com as imensas possibilidades que se pode ter com os avanços da tecnologia. A
criança que fomos cresceu e sente saudades do encanto do seu tempo. A criança
que fomos cresceu e colou um sonho antigo à modernidade da sua realidade: o
sonho torna-se vivo.
Há cinco anos, eu e mais uma mão cheia de
artistas sonhadores colocámos a expetativa na novidade dum projeto a quem
poucos davam crédito. Fomos turistas numa ilha que desconhecíamos, artistas
convidados para falar da sua arte, fomos público atento e em número imenso, em
alma; fomos os assistentes do diretor, os assistentes dos técnicos do som, os
assistentes dos assistentes que carregavam tudo o que havia para carregar e
montámos o palco do evento seguinte, em qualquer sítio que abrisse a sua porta
para ver crescer o sonho de um picaroto. Em dez dias, demos a volta à ilha,
conversámos, parámos, rimos, lemos, escrevermos, dançámos e vimos tudo isso a
acontecer. Vimos a montanha a desabrochar e a aumentar ainda mais de tamanho, à
medida que a ela nos chegávamos e, perante o nosso olhar cativante, um olhar de
quem sentia no coração e na pele, a magia de estar a participar no início de
algo foi algo que há muito a nossa geração de artistas açorianos precisava. Foi
o nascer do Azores Fringe Festival.
Carolina
Cordeiro partilha sua escrita no
meio
das vinhas da MiratecArts Galeria Costa;
Foto:
Helder Gonçalves.
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Cinco anos volvidos desse desembarque
fulgurante do futuro nas nossas mãos, o sonho materializou-se. Melhor, dois sonhos
concretizaram-se num abrir e fechar de olhos: o festival de artes dos Açores
ganhava uma proporção internacional jamais vista e o passado voltava à vida,
numa noite muito digna desse nome.
Numa celebração do quinto ano de levar a
arte às pessoas, onde se viveu o abraço daqueles que nos últimos anos nos
fizeram companhia; onde se sentiu a alegria de conhecer os novos artistas,
abrindo-lhes a porta da família “fringena”; onde se sentiu o amor destas gentes
pelo trabalho que desenvolvem com o seu barro, com as suas escamas, com as suas
pedras negras ou com tudo aquilo que a Natureza lhes dá, eles recriam,
transformam o nada em algo para que esse nada esteja presente em todos os
instantes que nos deixamos absorver pela magnitude do sítio onde estamos — de
pequenas freguesias a grandes encontros de autores.
Momento selfie por Carolina Cordeiro |
Dentro desse mar imenso das nossas artes,
arte que nos sai pelos poros e nos cativa a energia para fazer mais e mais e
ainda mais, nasce o fechar de um ciclo, uma emoção por demais forte para quem
viu, lá atrás no tempo, outro sonho a nascer. De todos os eventos programados
para este fim de semana literário, de todos os instantes proporcionados, onde
cada artista abriu as suas portas, expôs a sua visão e do que sentiu, houve um
que, a mim, me encheu de orgulho em vê-lo de pé e com uma energia inesgotável.
A abertura da Paim Book House, em Stª Luzia, é o segundo sonho, tornado
realidade, que vi acontecer, neste final de semana de maio.
#azoresfringe |
De uma casa do passado, de uma promessa de
família, nasce uma casa onde se respira arte, se consome arte por todos os
sentidos do nosso ser e por onde se aprende a ser cativado pela beleza de se
estar vivo. Há cinco anos atrás, a casa era um farrapo: chão a desabar, paredes
sujas, tetos esburacados onde nem mesmo o brilho das estrelas, à noite, era
encantador. Para mim, confesso, não o era. Mas eu não era a pessoa que queria
ver o seu sonho ser realidade. Esse era o sonho do meu queridíssimo Manél. Um
sonho que teve de lutar contra a racionalidade do séc. XXI, contra a
dificuldade da economia regional e contra o pressuposto do que as coisas
deveriam ser. As coisas devem ser apenas aquilo que nós querermos que elas
sejam e este nicho de cultura é aquilo que o seu sonhador quis que fosse. E
chorei. Deus, como chorei ao reentrar, novamente, naquele espaço! As lágrimas
vieram de dentro, sem contar com elas. Nasceram de um lugar que nem sabia ter.
Brotaram por um corpo que se viu a tremer por sentir-se a flutuar na beleza de
um “era uma vez um sonho, bem-vindos à realidade”. Era o início da procura de
um outro sonho.
É para recordar estas datas de maio de
2017: sentir o maravilhoso peso de se estar a viver o sonho daqueles que fazem
os meus sonhos nascerem. E, meus caros, isso é Fringe! #azoresfringe
por
Carolina Cordeiro
Povoação,
terça-feira, 30 de maio de 2017
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