Como se tivesse
deixado a minha ilha e partido para terras distantes.
Bate
novamente o mar contra os rochedos, que do alto dos miradouros se avista. Belo
e misterioso.
Soam
novamente os sinos, lembrando que longe, muito longe, num pequeno ponto entre o
céu e o mar, onde a beleza habita, aí fica São Miguel.
Procuro
em mim mesma a visão dos Açores a partir do mundo e o que tenho são doces
lembranças, tão doces quanto os tradicionais doces...
Quando
pela primeira vez escrevi sobre os Açores, mais precisamente sobre a ilha de
São Miguel, as palavras foram ditadas pela emoção. Emoção de ter retornado às
origens e descoberto a minha família açoriana. Emoção de ter conhecido a terra
da qual minha mãe contava histórias. Essa emoção era forte e vibrante.
Agora,
com o passar do tempo, as lembranças são como um sonho suave que chama de volta
ao passado.
E
assim, com a imagem dos penhascos floridos do miradouro da Ponta do Sossego, o
passado alinhava o presente.
Pão,
vinho, igreja do Senhor Santo Cristo, Convento da Esperança, pedras negras,
vento, chuva, sol. Palavras que expressam a minha lembrança as quais coloco no
papel para, quem sabe, unir com coerência e formar uma bela história.
Não
nasci nos Açores, mas no momento sinto como se assim fosse. Como se tivesse
deixado a minha ilha e partido para terras distantes.
Para
os que estão do lado de cá do oceano, não há como escrever sem ter como norte a
palavra saudade. E é essa saudade, creio eu, que preserva a memória e a
tradição de um povo. Quer seja na culinária, em fotografias, ou simplesmente
contando aos filhos e netos, de geração em geração, histórias da terra distante
onde o chão tremia e o mar era furioso e fascinante.
Tanto
os que ficam como os que partem têm na alma a coragem e no coração a saudade.
Os que partem têm coragem para enfrentar o desconhecido. Os que ficam, coragem
para tentar construir um futuro sustentável, apesar do isolamento e das
dificuldades. Sou descendente dos que partiram, dos que têm a saudade no
coração. Dos que tentam preservar a memória e a tradição, estando dispersos
pelo mundo.
No
Brasil sei que existem colônias de açorianos em Florianópolis e no Rio Grande
do Sul. No Rio de Janeiro não somos muitos.
Nós
brasileiros, de um modo geral, não vemos os Açores como uma região autônoma e
tão pouco como um arquipélago distante. Fala-se de Portugal de uma forma geral,
é como se as ilhas fossem ali bem pertinho do continente. Não temos idéia do
isolamento que faz com que cada ilha tenha suas próprias características, seu
próprio sotaque. Inclusive eu, que só tive essa percepção quando visitei São
Miguel.
Creio
ser muito interessante o intercambio e parabenizo o Mundo Açoriano, que no
momento em que completa três anos, nos dá de presente a oportunidade de
participar desse intercambio e compartilhar a nossa emoção e opinião com tantos
outros ao redor do mundo. Oportunidade de trazer ao Brasil um pouco da cultura
açoriana.
Assim
é minha relação com os Açores, com a minha ilha de São Miguel. Uma relação de
amor, saudade e dualidade. Metade Brasil, metade Açores. Talvez não me
acostumasse a viver no ritmo lento e no silêncio das ruas desertas da Ribeira
Grande. Provavelmente estaria angustiada ao sentir-me isolada no oceano, sobre
um vulcão...
Mas
em certos momentos em que a alma pede calma, adoraria estar ouvindo o silêncio
da Lagoa do Fogo ou apenas olhando o mar em um dos miradouros do nordeste e
sentindo, paradoxalmente, uma imensa saudade do meu Brasil.
MARGARETH
MEDEIROS RUFINO
Farmacêutica
Natural
do Rio de Janeiro, onde reside (filha de mãe micaelense)
Fonte:
Mundo Açoriano
Gostei imensamente de ver o texto que escrevi, publicado e com ilustrações tão bonitas.
ResponderEliminarmuito bem elaborado o texto, parabéns
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