Da esquerda para a direita | Hugo Franco (Diretor Administrativo e Financeiro) Maria de Fátima Vieira (Diretora Geral) | Tiago Santos (Diretor Técnico Pedagógico) |
Veio a público no último mês as dificuldades financeiras e de tesouraria de algumas Escolas Profissionais da região, levando inclusive ao encerramento das suas atividades a Escola Profissional da APRODAZ em Ponta Delgada.
Também é do conhecimento público que nem todas as Escolas Profissionais se enquadram nesta situação crítica de eminência do encerramento da sua atividade. Neste sentido, fomos de encontro aos responsáveis da Escola Profissional Monsenhor João Maurício de Amaral Ferreira para saber um pouco mais sobre a situação financeira deste estabelecimento de ensino concelhio.
Foto de: Um Olhar Povoacense |
Um Olhar Povoacense - Qual o papel desempenhado pela Escola Profissional da Povoação no desenvolvimento do concelho?
Escola Profissional da Povoação - Os estabelecimentos de ensino e formação profissional, e a Escola profissional João Maurício de Amaral Ferreira não é exceção, foram pensados como geradores do desenvolvimento local. Os conteúdos abordados nos vários cursos que pela nossa escola têm passado funcionam como desafio às forças vivas locais, de modo a que as várias sinergias possam ser um fator dinâmico e determinante para o nosso concelho. A nossa preocupação tem-se pautado por encontrar ofertas formativas que vão ao encontro das necessidades dos nossos jovens e do nosso concelho, potenciando e consolidando a sua participação efetiva na sociedade, através de um ensino em que se trabalha o saber-ser, o o saber-estar e o saber-fazer.
Não menos importante que a formação profissional é a dinâmica que a Escola traz para o concelho, nomeadamente através da criação de riqueza junto do mercado local e da economia local. Ou seja, para além da dinâmica gerada pelo movimento de formadores e de formandos, os formandos recebem, através da Escola, apoios à formação que, não sendo muito relevantes nos cursos de ensino profissional, nos cursos afetos ao programa reativar, devido ao apoio concedido através das bolsas de estudo, se traduz na injeção de capital no concelho que ajuda a alimentar a economia local.
U.O.P. - Quantas pessoas formaram ao longo destes 25 anos de atividade formativa?
E.P.P. - Ao longo dos últimos 25 anos acolhemos na nossa Escola mais de 1500 formandos nas mais variadas tipologias de ensino e que permitiram aos povoacenses, e não só, melhorar as suas qualificações profissionais e escolares. É com muito orgulho que, em articulação com o Governo Regional dos Açores, tivemos o prazer de formar e certificar alunos em todos os níveis de ensino, desde o 1º ano da instrução primária, com a Rede Valorizar, passando pelo 2º e 3º ciclos com os cursos Reativar e, naturalmente, o ensino secundário, com os cursos profissionais e os cursos Reativar de nível 4, sem esquecer a formação de ativos.
Do total dos alunos matriculados, 1105 conseguiram concluir o percurso formativo com aproveitamento, o que se traduz numa taxa de sucesso de 73%. Estes diplomados, em áreas tão diferentes entre si, são agentes de desenvolvimento local, quer como empreendedores, quer como mão de obra qualificada que ajuda as empresas a prestar um serviço com valor acrescentado.
U.O.P. - Atualmente quantos alunos frequentam os vossos cursos? Que cursos lecionam presentemente?
E.P.P. - Atualmente, e fruto das estratégias de diferenciação e inovação adotadas, a Escola tem em funcionamento 6 cursos, com um total de 86 formandos, sendo que temos 2 cursos em cada ano do ciclo de formação, nomeadamente:
- 12º ano - Curso de Técnico/a de Apoio Familiar e de Apoio à Comunidade (15 formandos);
- 12º ano - Curso de Técnico/a de Produção Agropecuária (9 formandos);
- 11º ano - Curso de Técnico/a de Assistente Dentário (13 formandos);
- 11º ano - Curso de Técnico/a de Termalismo (16 formandos);
- 10º ano - Curso de Técnico/a de Auxiliar de Farmácia (17 formandos);
- 10º ano - Curso de Técnico/a de Mecatrónica (16 formandos);
Numa altura em que se verificava uma redução do número de alunos no ensino profissional, a nossa Escola foi capaz de cativar o interesse dos jovens, tendo, inclusive, com o apoio da Câmara Municipal, e perante a intransigência do Governo Regional, aberto turmas a mais do que as financiadas pelo governo, como é o caso das turmas que agora terminam o seu ciclo de formação.
U.O.P. - Relativamente aos trabalhadores (auxiliares, administrativos e professores), quantos estão afetos à Escola?
E.P.P. - Neste momento, a Escola conta com uma estrutura de 29 colaboradores, distribuída em 3 elementos da Direção Geral, 2 funcionários administrativos, 1 Técnico de informática, 3 Auxiliares de Ação Educativa e 20 Professores/Formadores.
Acresce referir que, em resultado da dinâmica introduzida na Escola para assegurar a sua sustentabilidade, nos últimos anos, quer os diretores, quer alguns funcionários, acumulam funções, por exemplo, dando formação profissional.
U.O.P. - Entrando concretamente na vertente financeira, qual é, à data de hoje, a situação da Escola? Qual o montante exato do passivo?
E.P.P. - Fruto de muito trabalho e empenho, posso afirmar que a nossa Escola tem uma situação financeira estável e equilibrada, assente na sustentabilidade da sua atividade, com todos os pagamentos em dia, pelo que não apresenta qualquer dívida acumulada.
Foi nossa prioridade desde a primeira hora e temos conseguido que, no final de cada ano letivo, todos os pagamentos estejam feitos. Quando iniciei funções a imagem do ensino profissional em geral não era positiva em termos financeiros. Falava-se em atrasos constantes nos pagamentos a formadores e, nalguns casos, até atrasos no pagamento dos apoios aos formandos. Cá a situação não era diferente, mas quisemos, desde o primeiro dia, mudar esta imagem e, desde então, nunca falhamos nos pagamentos mensais aos formandos, formadores e funcionários. Isto transformou a nossa imagem, deu-nos maior credibilidade e permitiu-nos, até, cativar formadores da área técnica de fora do concelho que vieram contribuir com muito valor acrescentado para os nossos jovens.
Não obstante, e tal como tem sido do conhecimento público, não posso deixar de realçar que o ensino profissional na região não tem sido muito bem tratado pela tutela nos últimos anos, principalmente a partir de 2014 com a entrada em vigor do último quadro comunitário. Com este novo paradigma e, aliado ao facto de toda a atividade da escola se encontrar suportada nos fundos comunitários provenientes do Fundo Social Europeu, fomos forçados a desenvolver um conjunto de estratégias de gestão que fossem ao encontro de tais limitações regulamentares e que permitissem que a nossa missão continuasse a ser desenvolvida.
A celebração do protocolo com as demais entidades e instituições do concelho permitiu-nos contornar estas dificuldades e colocar em prática o nosso novo projeto educativo. Aqui, tenho de destacar a Câmara Municipal da Povoação, que tem sido uma parceira fundamental desde 2018, tendo confiado no nosso trabalho e nas nossas estratégias. Mais recentemente, saliento a postura da Junta de Freguesia da Povoação para com a nossa escola, tendo sido celebrado recentemente um protocolo de apoio financeiro para apoio nas atividades formativas.
Foi um caminho sinuoso até aqui, mas fomos perseverantes, realistas e, muitas vezes, incompreendidos, mas colocámos sempre como nosso objetivo principal a sustentabilidade de toda a atividade da instituição, pois só assim conseguiríamos garantir o seu presente e futuro.
U.O.P. - A Escola corre o risco concreto de encerrar?
E.P.P. - Não! No entanto, gostaria de enquadrar esta questão de outra perspetiva.
Em 2009/2010, ano letivo em que iniciei funções, a escola tinha 5 cursos em funcionamento, com um total de 66 formandos. No ano letivo atual, temos 6 cursos em funcionamento e um total de 86 formandos. Destes 6 cursos, apenas 5 são totalmente financiados pelo FSE. Na primeira metade de existência da nossa Escola tivemos 430 matriculados e após a nossa entrada já tivemos mais 1115 matriculados. Quase o triplo! Só por aqui se vê a dinâmica e o empenho que temos colocado em prol desta escola e deste concelho.
Embora possa passar a imagem de que foi fácil, a verdade é que enfrentámos/enfrentamos muitos desafios. Apesar de todos os esforços junto do Governo Regional, a nossa oferta formativa foi sendo reduzida e entre 2017 e 2019 chegamos a ter apenas 3 turmas financiadas. Pusemos, novamente, mãos à obra e conseguimos, pela primeira vez na região, que uma escola profissional lecionasse cursos sem serem financiados pelo FSE, ou seja, fomos a primeira escola da região a lecionar cursos profissionais com recurso a receitas próprias. Colocámos em prática o nosso processo de reorganização interna e de todo o projeto educativo e, com o apoio da autarquia e muito sacrifício interno, levámos a cabo as nossas ideias, o nosso projeto. Respondemos positivamente a todos os desafios do Governo Regional nas mais diversas tipologias de formação, reorganizámos o nosso espaço, os nossos equipamentos. E também aqui fomos pioneiros - desde 2017 que distribuímos equipamentos informáticos a todos os formandos, contribuindo, desta forma, para o aumento da literacia digital e para a redução das desigualdades sociais, nomeadamente no acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação. Todos os nossos formandos têm um equipamento informático (Tablet/Computador Portátil) que, concluindo o curso com aproveitamento, lhes é “oferecido”.
U.O.P. - Qual a sua opinião acerca do atual modelo de financiamento das escolas profissionais privadas e sociais?
E.P.P. - Antes de responder diretamente a esta questão, acho pertinente contextualizar a origem das Escolas Profissionais na região. Estas surgiram, na sua grande maioria, por impulso do próprio Governo Regional, como forma de colmatar as desigualdades do sistema de ensino da altura e de possibilitar aos jovens da nossa região uma formação profissional adequada, como alternativa e complemento ao sistema de ensino geral, de forma a permitir uma orientação, uma formação e uma realização pessoal, sempre em contacto com o mundo de trabalho, culminando com a dotação das estruturas concelhias de recursos humanos intermédios mais qualificados.
Deste modo, defendo que, não obstante a natureza jurídica destas instituições, é obrigação do Governo Regional olhar para elas como parte integrante e fundamental no Sistema Educativo Regional e, como tal, não sendo responsável pela sua gestão, é certo, cabe-lhe legislar sobre o novo modelo de financiamento por forma a garantir os pressupostos da intervenção do Estado tanto em matéria de Educação como de Economia. Está em causa a estabilidade e a eficiência destas Escolas, pressupostos fundamentais para garantir um sistema equitativo para todos os jovens povoacenses e açorianos em geral, possibilitando-lhes oportunidades e percursos alternativos enquadrados com o seu perfil e áreas de competência máxima. O Governo, enquanto órgão máximo, deve garantir condições para que os intervenientes sociais possam maximizar os seus recursos.
Posto isto, considero que o atual modelo de financiamento é muito penalizador para as Escolas Profissionais da Região. Passamos de um modelo burocrático, para um modelo simplificado, mas demasiado penalizador atendendo às metas a contratualizar e às penalizações resultantes do numero de formandos por turma. Em alguns pontos, o nosso modelo de financiamento é mais limitador do que o de Portugal Continental, o que, no meu entender e dadas todas as especificidades da nossa Região, é incompreensível.
Mais, há muito que defendo que os Açores, para além das ilhas de coesão, também possuem concelhos de coesão e, embora não pareça, torna-se fundamental salvaguardar as especificidades destes concelhos e destas ilhas no modelo de financiamento, tal como acontece em Portugal Continental.
Estamos numa fase de transição entre quadros comunitários e, portanto, é a altura ideal para corrigir todas estas falhas no modelo de financiamento, tendo o Governo já dado provas de que está interessado em melhorar este modelo de financiamento e adaptá-lo às reais necessidades desde modelo de ensino. A ver vamos.
Há dias circularam entrevistas pouco animadoras na comunicação social, sendo que uma delas me deixou estupefacto: “Abrir um curso com um número de alunos no limite do financiamento é suicídio.” Na minha opinião, suicídio é achar que as Escolas devem assentar a sua missão apenas com base na parte financeira; suicídio é não conhecer a verdadeira missão das Escolas Profissionais; suicídio é não conhecer as especificidades da nossa Região e de cada concelho que a compõe; suicídio é não saber diferenciar Igualdade de Equidade.
U.O.P. - Quais os desejos da Direção da Escola Profissional Monsenhor João Maurício de Amaral Ferreira para o futuro?
E.P.P. - Que continuemos este projeto sociocultural de interesse público, onde domina o investimento nas pessoas, principalmente na camada mais jovem. É também nossa missão descobrir talentos em todas elas, mesmo naquelas que possuem mais desvantagens.
Que seja um modelo de ensino diferenciado, pautado por uma ligação, cada vez mais forte, entre a educação e o mundo do trabalho, privilegiando experiências reais através das FCTs (formação em contexto de trabalho).
Que possamos ter programas curriculares, respeitando o ritmo de cada aluno.
Que possamos formar técnicos competentes, bem como estimular o desenvolvimento pessoal, permitindo a participação mais ativa na vida em sociedade, facilitando o processo de escolha do futuro profissional.
Damos a nossa garantia de manter o foco e a determinação que nos permitiu, num período conturbado no ensino profissional, inovar e superar as dificuldades que nos foram impostas pelo quadro comunitário de apoio, mas esperamos que o reconhecimento e a confiança dos nossos formandos encontre no nosso Governo Regional o compromisso e o empenho, já evidenciados, e que nos continue a apoiar na nossa missão, ao serviço do Concelho da Povoação e da Região Autónoma dos Açores.
Por fim, deixar uma palavra aos nossos formandos, formadores, colaboradores, encarregados de educação e restantes parceiros, que têm sido incansáveis no apoio, na confiança e na compreensão. São o motivo da nossa existência e é para vocês que trabalhamos. Ficamos bastante felizes de estarem connosco nesta Escola. Uma Escola que também é vossa.
Estejam descansados, nós estamos aqui, com vocês, para vocês.
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