Edição N.º 5095 do prestigiado e conceituado Jornal a Crença e com uma forte presença do Concelho da Povoação.
Esclareço que, apesar de ter anuído colaborar esta semana com “A Crença” acerca deste tema, não sou grande conhecedor das leis laborais e estou sentindo algumas dificulda- des em organizar o pensamento. Portanto, o texto que coloco à disposição do diretor e dos leitores deste jornal, será baseado apenas e só na minha opinião muito pessoal e, por isso, vale o que vale.
“Com ou sem covid-19, será cada vez mais difícil a algumas paróquias manter o sistema atual de sustentação do clero. É provável que, como em tantas outras áreas, as Dioceses deixarão esgotar até à exaustão o sistema vigente sem se precaver para o que aí vem (...)”
Como tanto se tem apregoado, este tempo é inédito e, por isso mesmo, estão a ser to- madas medidas de exceção que, oxalá, não se tornem cada vez mais frequentes. Apesar da Igreja ser “Vinha do Senhor”, “Povo de Deus”, “Corpo Místico de Cristo”, “Sacramento de Salvação”, “Mãe e Mestra”, tem no seu regaço seres humanos que nela trabalham e precisam de tirar o seu sustento como tantas outras pessoas em outras circunstâncias e lugares. Sabemos que a Igreja não é uma empresa (pelo menos, acredito que não seja), mas tem pessoas de carne e osso, sacerdotes e leigos, que vivem exclusivamente dos rendimentos eclesiásticos para terem uma vida digna. Legalmente, como qualquer outro trabalhador, os padres todos os meses contribuem para a Segurança Social e o seu regime contributivo está enquadrado e previsto no âmbito de trabalhador por conta de outrem. Somos, portanto, aos olhos da lei e do estado, empregados e as paróquias, há poucos anos a esta parte, tornaram-se em entidades empregadoras. É a lei e sistema atuais. Assim sen- do, legalmente, o aconselhamento feito por parte do economato da diocese ao Lay-off é legal e garante o sustento de pessoas e o funcionamento das paróquias que se encontram em dificuldade. Apesar da medida, os párocos, mesmo aderindo ao Lay-off, continuarão a exercer as suas funções com a normalidade possível em tempo de pandemia e os serviços pastorais e sacramentais estão mais que assegurados.
Todavia, não posso concordar com aqueles que acreditam que as dificuldades por que pas- sam as paróquias se devem apenas a este tempo de exceção. Há muito que as comunidades cristãs se sentem estranguladas economicamente. Com ou sem covid-19, será cada vez mais difícil a algumas paróquias manter o sistema atual de sustentação do clero. É provável que, como em tantas outras áreas, as Dioceses deixarão esgotar até à exaustão o sistema vigente sem se precaver para o que aí vem, mas a baixa prática dominical, a falta de receitas que pro- vêm maioritariamente do contributo voluntário e livre dos fiéis, a população cada vez menos numerosa e mais envelhecida, a confusão que existe acerca da côngrua/ordenado do padre (ainda há muitos que pensam que os sacerdotes recebem todos um ordenado do Estado) e o esforço hercúleo que as comunidades fazem para manter o seu património, são indícios mais do que suficientes de que o estatuto económico do clero sofre de uma doença que será letal dentro de alguns anos. Apenas uma minoria de crentes sustenta o que está ao serviço de todos e isso não é justo. Meia dúzia mantém a parte económica das paróquias, enquanto a grande maioria usufrui de todos os serviços sem prestar qualquer colaboração. Não se pode pedir mais a quem já contribui com tanto. Em São Miguel, o que nos vai valendo são as festas de verão e as comissões económicas que trabalham árdua e gratuitamente, engenhando as mais diversas formas para garantir a sustentabilidade das comunidades.
Em jeito de desabafo, apesar de conhecer a passagem do evangelho em que Jesus nos pede para não ter problemas em nos dedicarmos a cem por cento à evangelização, porque cada trabalhador merece o seu salário (Lc 10, 7), ao ouvir e ler tantas vezes comentários como este que transcrevo na íntegra: “vão trabalhar cambada de chulos e parasitas dos impostos de todos nós”, preferia ter um emprego e poder dizer como São Paulo: “não comemos o pão de graça à custa de ninguém, mas com esforço e canseira, trabalhamos noite e dia, para não sermos um peso a nenhum de vós.” (2Tess 3,7-9)
Este modo de estar e ser Igreja está a ruir por todos os lados. Resta saber se vamos esperar pela sua queda ou se teremos a coragem de ser pró-ativos. Sem medos e sem desculpas esfarrapadas. Talvez seja tempo de pensar no assunto a sério. Sabemos que a Igreja tem revelado ao longo da história alguma dificuldade em conviver com o diferen- te e, muito mais ainda, com o novo. Mas há situações que exigem dela esta abertura e esta coragem. Defender um “estatuto” só porque sempre foi assim, não é a atitude cor- reta. Convém não esquecer que, com lay-off ou sem lay-off – até porque esta situação é excecional – muitas comunidades cristãs continuarão com as suas dificuldades e o clero que as serve não terá futuro diferente. Basta ver as reformas que recebem os sacerdotes que se dedicaram exclusivamente ao serviço pastoral.
Apesar de legal, não deixa de ser triste o facto das comunidades precisarem de se apoiar no lay-off para poderem suprir as necessidades das suas estruturas paroquiais.
*Ouvidor de Povoação
In Jornal N.º 5095 de 30 de abril de 2020.
Sem comentários:
Enviar um comentário