Testemunho de uma
criança ribeiraquentense de nome Albino Silva
que na época da catástrofe tinha apenas 11 anos de idade:
Hoje, 31 de Outubro de 2017, faz 20 anos que ocorreu as trágicas derrocadas na minha terra, na Ribeira Quente. À semelhança de muitos conterrâneos meus, também minha casa foi atingida pela tragédia da Madrugada de Terror.
Hoje, 31 de Outubro de 2017, faz 20 anos que ocorreu as trágicas derrocadas na minha terra, na Ribeira Quente. À semelhança de muitos conterrâneos meus, também minha casa foi atingida pela tragédia da Madrugada de Terror.
"Por volta das 3h00 da madrugada, minha mãe sentiu a porta da cozinha rebentar com a entrada da lama, árvores e pedras. Ela, minha mãe, foi à cozinha fechar a porta, pois pensava que fosse o vento que a tivesse abrido. Ao chegar à cozinha, às escuras, ela embarra em um tronco de uma árvore e sente a lama e pedras a mover-se por casa a dentro. Foi chamar meu pai, que por instinto foi me buscar e a meu irmão ao quarto que ficava de frente para a cozinha.
Estava muito
escuro e na zona onde morávamos, a derrocada não veio com muita violência, pois
já tinha perdido a maior parte da sua energia mais acima, junto à entrada da
freguesia onde estavam outras casas de família, também, em grandes apuros.
Contudo, com o barulho da ribeira, não sabíamos o que se estava a passar ao
certo. Ao sairmos a porta que dava para a rua, vimos que na estrada estava uma
altura de quase 2 metros de lama e árvores a "andar" mesmo à nossa
frente. Subimos o muro da nossa casa que encostava à casa do Sr. António Braga
(pai) e meu pai subiu ao balcão da garagem que encostava à nossa casa, onde
minha mãe passou os filhos para as mãos dele, sendo a ultima a ser pegada por
ele para cima deste balcão, quando, neste preciso momento, o poste de
electricidade é derrubado pela lama e cai para o nosso lado que por pouco não
nos atingiu. Batemos à porta do Sr. Braga, que também já estava acordado junto com
a mulher e os filhos, e por lá ficamos uns minutos até que foi decidido sairmos
dali, pois aquela zona não conferia segurança.
Da casa do Braga,
saltamos para a casa do Sr. António Sacadura, por onde ficamos uns instantes na
sua casinha de trás, junto com os dois filhos e a família da Helena que por lá
se encontrava. Nestes instantes, juntou-se a nós o Sr. António Braga (filho), a
mulher que estava grávida e as duas filhas. Aqui, também não nos sentíamos
seguros, pois estava a entrar água e lama por trás. Foi decidido irmos para o
interior da casa do Sr. António Sacadura, onde a água já começava a entrar,
pelo que fomos para o primeiro andar, pois era a zona da casa onde nos conferia
mais segurança.
Nestes instantes
que se seguiram, onde estávamos todos com enorme pavor à situação que estávamos
a passar, ouvia-se a mobila do Sr. Sacadura a partir no rés-do-chão, ouvia-se
gritos de socorro e agonia. Famílias que estavam a nadar em lama na sua própria
casa, o Gualberto Rita a tentar saber se a mulher, que morava a uns 50 metros
do local de onde nos encontrávamos, estava bem... até que por volta das 4h00 da
madrugada, uma hora depois do inicio deste cenário, sente-se a terra a tremer,
ouvia-se como se fosse algo a estalar num ronco estranho da natureza... era a
derrocada na zona da Canada da Igreja que estava a cair. Uma hora e pouco
depois, entre vários murmúrios e pessoas a gritar, da varanda, ouvimos o
Fernando Caranguejo: "Está tudo morto na Canada da Igreja".
Tinha onze anos...
ficou o trauma na nossa memória. Perdemos familiares e muitos amigos. A vida
voltou à normalidade mas nunca mais voltou as 29 vitimas da Tragédia da Ribeira
Quente".
Para sempre ficará na nossa lembrança esta Madrugada de Terror.
Um abraço a todos os meus
conterrâneos.
Albino
Silva
Ribeira
Quente, 31 de outubro de 2017.
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