sábado, 18 de janeiro de 2014

RIBEIRA QUENTE - OS TÚNEIS DA LIBERDADE: CONCLUSÃO (com vídeo)

Este é o último capítulo que hoje apresentamos sobre a história da construção dos túneis da Ribeira Quente. Foram 11 os capítulos a vós apresentados, ficando este magnífico registo histórico no blog Um Olhar Povoacense. Se quiser visualizar todos os capítulos seguidos, basta ir ao motor de busca do blog e colocar a frase “Os túneis da liberdade”.  

CONCLUSÃO

Ao elaborar este trabalho tentamos dar uma dimensão geral do valor da construção dos túneis.

Eles representam o esforço de todos quantos contribuíram com o seu trabalho e inteligência, despendendo horas e noites a fio, ganhando um ínfimo salário que, com instrumentos rudimentares, arriscaram as suas vidas em virtude da insegurança qua a obra oferecia.

Foram estes homens que utilizando técnicas e estratégias próprias, transformaram os túneis numa obra de arte.

Numa visão conjuntural, os túneis constituem um marco referencial na história da Ribeira Quente. Um símbolo de libertação para este povo.

Antes da abertura dos túneis, a Ribeira Quente era vista como uma povoação isolada, em virtude de ser a única localidade da ilha sem uma estrada de rodagem. De tal maneira isto é verdade, que só no dia da sua inauguração, a Ribeira Quente conhece pela primeira vez um automóvel.

Os túneis foram uma porta aberta ao exterior, viabilizando comunicações terrestres e transportes, mobilizando pessoas, bens e ideias, permitindo novas perspetivas que alteraram a sua sociabilidade.

A abertura dos túneis estrada, proporcionou vantagens económicas.

Gozando de uma certa comodidade e segurança, que a nova estrada oferecia, o comércio interno intensifica-se, permitindo um melhor escoamento do pescado e, em contrapartida, a entrada avulta de bens de consumo.

A própria estrada e os túneis constituíram, durante o seu período de construção, uma fonte de mão-de-obra, numa época em que os empregos eram escassos.

Como salientou António do Rego Soares, “o fim desta obra de que tanto nos orgulhamos, lançou no desemprego os braços que nela ganhavam a vida dos seus filhos. E estes braços conservar-se-ão inertes e impotentes para afugentar a morte que pelo portal da fome lhes anda a rondar as vidas. (…) Pois o povo desta freguesia não precisa por enquanto de esmolas, mas apenas de trabalho”(1).

Do ponto de vista da cultura e das mentalidades, os túneis estrada, contribuíram a longo prazo para a sua modificação. Antes da abertura dos túneis, as tradições e os costumes daquele povoado permaneciam quase intatos.

Uma notícia, datada de 1939, inserta no jornal Correio dos Açores acerca da inauguração do túnel estrada, descreve aa simplicidade das festas do Espírito Santo na Ribeira Quente e daquelas gentes, “demonstração cabal do grau de isolamento da gente da Ribeira Quente”(2)

O contato mais rápido e direto com o exterior veiculou novas ideias e acelerou o processo de assimilação de novos usos e costumes que alteraram de forma profunda a cultura e a mentalidade do povo da Ribeira Quente.

Poder-se-á ainda considerar os túneis como o ex-libris da Ribeira Quente, na medida em que fazem parte do cartão de visita daquela localidade. Constituem só por si um ponto turístico, concorrendo para um melhor embelezamento da estrada.

Por estas razões, será legítimo dizermos que os túneis são para este povoado sinónimo de liberdade.

É claro que muitas questões ficaram em aberto depois de percorrido este trajeto a que se procurou imprimir certa coerência, questões que poderão ser objetivo de futuras pesquisas mais aprofundadas.

Todavia, ficaram configuradas as linhas gerais da construção dos túneis e assim pensamos que este trabalho será um contributo para o estudo da rede vial de São Miguel.

Sendo a sua maior parte da atribuição do Estado Novo, Os Túneis da Liberdade, contêm informações que ilustram a sua ideologia política.

O segundo capítulo, nomeadamente os pontos 2.4, 2.5, 2.7 e o último ponto, concorrem para este fim. A exaltação da virtude e da obediência, que faziam parte do esquema ideológico do Salazarismo, a censura, que impedia a liberdade de imprensa, tão sentida e lamentada pelo Eng.º Floriano Borges encontram-se, embora minimamente, representados nesses pontos da segunda parte.

As crianças que fazem continência às autoridades e as vivas constantes ao Estado Novo, no decorrer das cerimónias da inauguração, concorrem para caracterizar o regime de ditadura que se vivia.

O facto da inauguração da estrada se ter realizado no Dia das Comemorações da Fundação e Restauração da Independência de Portugal não é um simples acaso. A causa nacional, a Restauração da alma de Prática e as comemorações frequentes marcam a ideologia política do Estado Novo.

A ação política de Salazar ficou marcada na memória do nosso povo, bem como na obra dos túneis, onde se encontram gravadas as legendas “Junta Geral” e “Dia das Comemorações”. Nesta perspetiva poder-se-á considerar os túneis como um marco histórico.

Chegados ao terminus deste estudo, lamentamos o facto de ao longo destes anos, os túneis da Ribeira Quente não terem sido alvo de reflexão para os estudiosos, uma vez que destinados a estrada, eles constituem peças únicas no país.

Finalmente, gostaríamos de lançar um repto a todas as entidades competentes, para que os túneis, como peças do nosso património, sejam preservados e valorizados, porque eles representam, mais do que a memória, a consciência de um povo.

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(1)        Diário dos Açores, 19 de Agosto de 1940 in Discurso da inauguração da estrada da Ribeira Quente.

(2)        Correio dos Açores, 23 de Junho de 1939, p. 1 e 4.
       
Fonte: Livro de Maria de Deus Raposo Medeiros Costa “Os Túneis da Liberdade”







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