terça-feira, 21 de março de 2023

HISTÓRIA DA POVOAÇÃO: A AUSÊNCIA DO PADRE ERNESTO DA POVOAÇÃO ENTRISTECEU OS POVOACENSES (1926)

Fora o Padre Ernesto Jacinto Raposo, cometido de prolongada doença nervosa. E o seu estado de profunda depressão física, exigia absoluto repouso, além de especiais cuidados médicos.

Estes, aconselhavam como boa terapêutica, uma viagem até aos Estados Unidos da América do Norte.

O Prelado Diocesano, D. António Augusto de Castro Meireles, embarcara para lá, havia pouco tempo, no dia 22 de abril do ano de 1926.

Punha-se, portanto, o problema da sua ausência. Coadjuvava-o, o Padre José de Paiva Amaral. A doença, acentuava-se, dia a dia, para pior, até que o senhor Padre Ernesto resolve partir para a América, à procura de melhoras. E lá vai.

Ao chegar a New-Bedford, hóspede de Monsenhor Pacheco Vieira, procura, logo, o seu Bispo.

D. António Meireles ao vê-lo, exclama, admirado:

- “O senhor Padre Ernesto por aqui?!...” a que ele responde, sorridente:

- “É verdade. Venho pedir a V.ª Ex.ª autorização para ir à América tratar-me…”

O inteligente Prelado sorriu-se, achando imensa graça aquela extravagante maneira de pedir e concedeu-lhe a autorização indispensável, acrescentando:

- “Com uma condição:

Que estivesse o tempo necessárioe voltasse, de novo, para a Povoação.”

E assim aconteceu. Por lá andou dilatado tempo – aproximadamente dois anos – visitando todas as paróquias de micaelenses, nomeadamente, todos os povoacenses.

E por toda a parte, sempre o mesmo. Tinha de pregar. E pregou vezes sem conta. E visitou vários Estados norte-americanos.

O tempo corria e já na Povoação surgiam ressentimentos por uma tão prolongada ausência…

Houve quem aventasse:

- “O senhor Padre Ernesto já não se importa com a gente…”

E outros:

- “Desgostou-se da Povoação…”, “Não quer saber dela…”

E ainda:

- “Já não volta cá!”

E em todas estas afirmações transparecia certa mágoa que bem se lhes lia nos corações principiando a ser feridos pela dúvida.

Não era verdade.

O senhor Padre Ernesto, também andava acicatado pelas saudades da sua querida Povoação e da sua gente. E dizia, então, assim:


“- Não sei porquê!?... Tenho visto muitas carastantas caras!… Mas só as da nossa gente acho graça. São lindas!... Frescas, alegres!...”

 

E continuava, num crescente de entusiasmo:

 

- “Que belas as caras frescas das nossas lindas raparigas!... até os nossos rapazesacho-os diferentes de todos os outros…”

 

Por alturas do ano de 1928, anuncia o senhor Padre Ernesto o seu ansiado regresso à Povoação.

Grande alegria invade, então, todos os povoacenses. Uma grande receção vai ser preparada. E lá estavam, à entrada da Vila, as autoridades administrativa e judicial, todos os funcionários públicos, e os seus inúmeros amigos e uma mole imensa de povo, conjuntamente com a banda de música Lyra de Euterpe.

De todas as varandas pedem colgaduras e o caminho por onde vai passar está todo juncado de flores até à sua residência.

Uma grande girandola de foguetes anuncia a sua chegada.

Mãos juvenis, entregam-lhe um lindíssimo ramo de flores e recebe, ali, os primeiros cumprimentos das autoridades.

Primeiramente, o Presidente da Câmara; depois, o Juiz da Comarca e o Delegado do Procurador da República; os amigos e ao som da música e sob uma chuva ininterrupta de palmas de mistura com pétalas de flores, atravessa o senhor Padre Ernesto a parte central da Vila, a caminho de sua casa, seguido desta enorme multidão.

Aí, novamente, os seus íntimos saúdam-no em vibrantes explosões de alegria.

Cá fora, o povo bate palmas e vai-se comprimindo, cada vez mais. Parece não ter fim aquela expressiva manifestação de apreço.

Como é natural, ele traz estampado, evidentes sinais de fadiga. A seu lado, ficara um velho e dedicado amigo, Horácio Enio de Amaral e Serra a quem, em confidência sorridente, perguntara:

- “Ainda haverá mais algum número do programa para cumprir-se?”

Era bem o regresso do seu velho e tão conhecido bom humor…

Transcrito por: Pedro Damião Ponte

Fonte: Livro de Francisco Botelho (1958) | O Padre Ernesto Jacinto Raposo (1875 – 1940) Primeiro Ouvidor da Povoação (Subsídios para a sua biografia e história do concelho)

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