segunda-feira, 3 de outubro de 2022

QUASE METADE DAS ESPÉCIES DE AVES DO MUNDO ESTÃO EM DECLÍNIO E UMA EM CADA OITO AMEAÇADAS DE EXTINÇÃO

O mais recente  relatório Estado das Aves do Mundo 2022 pinta a imagem mais preocupante até agora do futuro das aves e de toda a vida na Terra. Quase metade de todas as espécies de aves estão em declínio, e muitas populações estão gravemente reduzidas. Segundo o relatório, publicado pela BirdLife International, uma em cada oito espécies de ave está atualmente ameaçada de extinção. A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), membro da BirdLife International em Portugal, salienta que a situação no nosso país é igualmente preocupante.


Publicado de quatro em quatro anos pela BirdLife International, este relatório resume o que as aves nos dizem sobre o estado da natureza, as pressões a que está sujeita, as soluções implementadas e as que são necessárias. O atual relatório conclui que uma das mais importantes ações necessárias é a conservação, proteção e gestão efetiva dos locais mais críticos para as aves e a biodiversidade.


“Uma das ações que este relatório identifica como mais urgentes é proteger as áreas importantes para as aves e a biodiversidade – áreas como o Estuário do Tejo, que é crucial para milhares de aves a nível internacional, e que está seriamente ameaçado pelo proposto aeroporto do Montijo”, diz Hany Alonso, técnico da SPEA e coordenador de alguns dos censos de aves que fornecem dados para análises como este relatório.


Atualmente, quase metade das espécies de ave do mundo estão em declínio, com apenas 6% a aumentar. Embora os dados de tendências a longo prazo nas populações de aves sejam mais completos para a Europa e América do Norte, há cada vez mais evidências de que os declínios estão a decorrer por todo o globo, desde espécies de floresta e zonas húmidas no Japão até rapinas no Quénia. Em Portugal, os dados mais recentes (relativos ao período 2007-2018) indicam que há 53 espécies de aves em declínio, enquanto 38 estarão a aumentar e 32 estão estáveis. No entanto, para 63 espécies no nosso país não há informação sobre o estado das suas populações, e outras 52 têm tendência incerta – uma situação preocupante que demonstra a necessidade de maior monitorização para serem recolhidos dados que permitam uma boa avaliação o estado das espécies.


Para além de evidenciar os dramáticos declínios de populações de aves no mundo, o Estado das Aves do Mundo 2022 detalha também os fatores que levam a essas perdas:


As alterações climáticas são também uma ameaça considerável, que já está a ter impactos devastadores nas aves do mundo. 34% das espécies ameaçadas já estão a ser afetadas, e prevê-se que o nosso clima em mudança venha rapidamente a tornar-se um problema ainda maior.


A exploração madeireira e gestão florestal insustentáveis são também ameaças significativas, com a perda de mais de 7 milhões de hectares de floresta todos os anos a impactar metade de todas as espécies de aves ameaçadas.


Na Etiópia, a perda de prados para a agricultura desde 2007 causou uma redução de 80% no número de Cotovias-de-Liben– uma espécie endémica, que não existe em mais nenhum local do mundo.


O aumento da mecanização, o uso de agroquímicos e a conversão de prados e pastagens permanentes em áreas de cultivo causou um declínio de 57% nas aves de ecossistemas agrícolas da Europa, desde 1980.


A expansão e intensificação agrícola é a maior ameaça às aves do mundo, afetando 73% de todas as espécies ameaçadas. Esta é também a maior ameaça às aves em Portugal, causando declínios acentuados de espécies como o sisão, a águia-caçadeira (ou tartaranhão-caçador), e os picanços.


A reunião da Convenção de Diversidade Biológica (CBD COP15) que decorrerá no final deste ano será um momento crucial para as aves e para toda a natureza, com os governos a reunir para finalizar e adotar a Global Biodiversity Framework.


“As aves contam-nos sobre a saúde do nosso ambiente natural – se ignorarmos as suas mensagens pomo-nos em risco a nós próprios. Muitas partes do mundo já estão a sofrer com incêndios extremos, secas, ondas de calor e inundações, à medida que os ecossistemas transformados pelo ser humano têm dificuldade em adaptar-se às alterações climáticas. Embora a pandemia COVID e a crise económica global tenham desviado a atenção da agenda ambiental, a sociedade mundial tem de manter o foco na crise da biodiversidade”, diz Patrícia Zurita, CEO da BirdLife International.


O Estado das Aves do Mundo 2022 também mostra as soluções necessárias para lidar com a crise da biodiversidade, muitas das quais estão a ser implementadas em alguns lugares do mundo. É fundamental salvaguardar e proteger locais importantes para a natureza, restaurar ecossistemas danificados, e combater ameaças cruciais às aves e à biodiversidade.


Uma das ações mais urgentes é conservar, salvaguardar e gerir os locais mais críticos para as aves e biodiversidade – Áreas Importantes para as Aves e a Biodiversidade (IBAs, na sigla em inglês), mais de 13600 das quais foram identificadas pela BirdLife International. As IBAs são o cerne de uma rede mais alargada de Áreas Importantes para as Aves e Biodiversidade, e estão cada vez mais a ser consideradas para a designação de áreas protegidas. Estas são particularmente importantes para garantir que os esforços de expandir as áreas protegidas para cobrir 30% da área terrestre e marinha da UE sejam direcionados para os locais mais importantes.


Apesar do estado preocupante do mundo natural, as aves dão-nos motivos de esperança. Mostram que com ações efetivas, as espécies podem ser salvas e a natureza pode recuperar. Desde 2013, 726 espécies de aves globalmente ameaçadas beneficiaram diretamente de ações dos parceiros BirdLife, e mais de 450 IBAs foram designadas como áreas protegidas graças aos esforços dos membros da BirdLife. Exemplos disso no nosso país são o priolo, ave que só existe na ilha de São Miguel, Açores, e que a SPEA conseguiu salvar da extinção, e o caso da Zona de Proteção Especial de Aveiro-Nazaré que foi classificada em 2015. Desta forma colmatou-se uma falha existente pois as áreas de alimentação e descanso da pardela-balear (ave marinha mais ameaçada da Europa) na costa portuguesa não estavam cobertas pela rede de áreas protegidas. Desde 2008, essas áreas estavam identificadas como IBAs, um trabalho que decorreu no âmbito do Life IBAs Marinhas, que ajudou a identificar as Áreas Importantes para as Aves nos ecossistemas marinhos.


As aves mostram que estamos numa crise de extinções, com pelo menos 187 espécies que se confirma ou suspeita, se tenham extinguido desde o ano 1500. Não podemos negar que a situação é negra, mas sabemos como inverter estes declínios.


“A investigação da BirdLife International mostra que entre 21 e 32 espécies de aves se teriam extinguido desde 1993 se não fossem os esforços de conservação para as salvar. Espécies como o priolo nos Açores ou o condor da Califórnia já não existiriam fora de museus se não fossem os esforços da SPEA e das muitas organizações na parceria BirdLife e mais além. A natureza consegue recuperar, mas temos de lhe dar essa oportunidade”, diz Hany Alonso.

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