quinta-feira, 30 de junho de 2022

TOMBOU UM GUERREIRO

Estava eu internado no H.I.A. em Lagoa a 24/05/2022 entre a 2ª e 3ª hora da tarde sinto um toque forte na janela do quarto como se uma ave em pleno voo batesse contra o vidro e seguisse caminho.  


Pelas 5 horas da tarde minha mulher foi visitar-me como habitualmente. Sabes quem morreu hoje da Lomba do Botão? Gil Mota, rematou ela!

  • Porra, Gil!... exclamei eu! (Como quem diz: a nossa geração está a bom partir - ontem o padre Octávio, hoje tu e amanhã eu!...).

Morreu um amigo, faleceu um homem sério, sucumbiu um homem bom, despediu-se da lei da vida um homem justo, tombou um guerreiro!


Foi guerreiro na sua profissão de contabilista - começou como empregado e acabou como patrão;


Foi um guerreiro na política partidária dentro do PSD;


Foi um guerreiro na agricultura, onde também desenvolveu atividade;


Finalmente foi um guerreiro na atividade sócio-religiosa na Igreja de N.ª Sr.ª de Fátima e parte dessa atividade que vou resumidamente descrever.


Por meados dos anos setenta do século passado criou-se um movimento pró-independência e legalização da Igreja de N.ª Sr.ª de Fátima composto por jovens, homens feitos e anciãos existentes nas Lombas do Botão e Pomar, liderado por Gil Mota. (Gil da Conceição Costa Mota, de seu nome completo)


Uniram-se as duas Lombas com o objetivo de criar uma freguesia, chamada de N.ª Sr.ª de Fátima e, com a constituição de uma paróquia do mesmo nome. Foi um processo complicado com altos e baixos, aonde tivemos muitas boas vontades a ajudarem-nos.


Processo civil completo e dizem-nos que seria difícil a sua aprovação visto termos uma população diminuta e em declínio, fraco comércio e indústria praticamente inexistente, agricultura pouco desenvolvida, mas para reforçar o pedido de constituição de freguesia apresentamos a constituição de paróquia simultaneamente.


Desde a fase inicial tivemos muitos inimigos no processo internamente e externamente. Dos internos convém referenciar as "agulhas ferrugentas" no dizer da Irmã Maria de Jesus a seu primo Gil, que tivesse muito cuidado com essas "agulhas" porque elas existiram desde o início da construção da Igreja e existirão sempre.


Passemos à fase religiosa - construção de paróquia - os principais inimigos foram precisamente os três padres da Vila da Povoação que fizeram tudo para levarem o processo ao fracasso e conseguiram-no, escrevendo "uma página negra" na vida da Igreja de N.ª Sr.ª de Fátima. Embora a parte financeira já estivesse perdida para a paróquia de N.ª Sr.ª Mãe de Deus, ninguém gosta de ficar mais pequeno. 


Nesse período Gil Mota foi presidente da comissão fabriqueira da Igreja de N.ª Sr.ª de Fátima em processo inteiramente democrático, derrotando os adversários com uma retumbante vitória, cuja estratégia eleitoral concebida por mim e que ainda hoje sorrio quando recordo essas eleições.


Ao fim de 8 meses demitiu-se deixando 80 contos como fundo de maneio, visto ter começado do zero. 80 contos hoje é apenas 400 euros, mas naquele tempo era uma "pipa de massa"!


Gil Mota sempre actuou com ímpeto para os problemas, chegando a perceber-se nele um revolucionário com os objetivos sempre para a frente. De igual modo existia nele uma força oculta que o puxava para trás donde eu nunca cheguei a perceber.


Fez parte dos Órgãos Sociais do Centro Social existente na Igreja de N.ª Sr.ª de Fátima até à data da sua morte.


De tudo isto passa-se para o início da 3ª década do século XXI e vê-se Gil Mota como destacado membro cooperador no embelezamento da Igreja de N.ª Sr.ª de Fátima com o assentamento dos azulejos, configurando-se uma importante implementação de arte sacra.


Desde a mensagem de Fátima, através da citação do terço, do milagre do sol, até à atividade bíblica de São José e de Jesus (Jesus está subentendido neste quadro) ao sermão de Santo António aos peixes, descrito nos sermões do padre António Vieira.


O cristão deleita-se através da mente no embelezamento navegando de quadro para quadro, provocando manifestações emocionais de vária ordem:


  • José Cabral Carreiro chora ao contemplar a arte sacra da Igreja;
  • Maria, mulher de José Francisco Duarte chora com grande emoção;
  • Dr. João Manuel Pacheco chora ao entrar na Igreja e vai ajoelhar-se por trás do Padre Octávio, batendo-lhe nas costas e diz-lhe: Parabéns, ainda bem que isto foi feito no teu tempo;
  • Salomé Costa, morava no n.º 148, hoje mulher bem abastada, chorou compulsivamente;
  • Maria Ilda Ponte, em desabafo a uma amiga da Lomba do Alcaide diz-lhe: a nossa Igreja está muito linda, não digo nada para eles não ficarem com o "cú no ar".

E, quantos não serão aqueles que ficaram com o nó na garganta de emoção e nunca chegaremos a saber?


Parabéns ao Padre Ricardo e à equipa de sacerdotes que chefiou por terem concebido arte sacra provocadora de emoções fortes aos cristãos que a contemplam.


Igualmente parabéns à comissão zeladora da Igreja de N.ª Sr.ª de Fátima pelos resultados obtidos na referida arte sacra, entre outras coisas.


O processo de legalização da Igreja de N.ª Sr.ª de Fátima está em fase de conclusão no civil. Foi iniciado pela comissão zeladora anterior e continuado pelos atuais tesoureiro e contabilista.


À procura da independência da paróquia de N.ª Sr.ª Mãe de Deus, embora a Igreja esteja situada no território dessa paróquia, procura-se adquirir um título para a Igreja e N.ª Sr.ª de Fátima e para isso constituiu-se um movimento composto por Mariana Chaves, Eduarda Pereira, Manuel Franco, António Tiago e Deotília Pinarreta. Em audiência com o Sr. Bispo cessante pediram-lhe que fosse atribuído o humilde título de curato. O Sr. Bispo recusou a atribuição de curato por ser demasiado antigo e em desuso e que iria encontrar uma solução. Terminou o mandato nos Açores e não deu qualquer resposta, apesar de ter sido incitado a fazê-lo. Porquê?


A solução parece estar no título Santuário - Santuário de N.ª Sr.ª de Fátima dos Açores - embora falte algumas coisas à Igreja como por exemplo a sua expansão para o exterior da própria Lomba do Botão: 


1 - Estou a referir à transmissão da missa e atos religiosos para os nossos emigrantes através dos meios electrónicos existentes;


2 - Este processo de assistir à eucaristia será cada vez mais posto em prática no futuro. Há duas gerações havia 8 sacerdotes na Ouvidoria da Povoação - hoje temos 3 padres no ativo. Provavelmente dentro de uma geração teremos 1 sacerdote para toda a Ouvidoria e dentro de 2 gerações talvez nenhum.


No entanto, a atividade religiosa não parará e estou convencido que se purificará, eliminando-se várias externalidades. As Igrejas serão administradas por leigos e na parte cultual por diáconos quando os houver e por ministros da comunhão. A confissão dos pecados será feita coletivamente através da televisão. As Igrejas serão apetrecharas de fundos de maneio consideráveis, através dos leigos, tal como a Igreja de N.ª Sr.ª de Fátima tem atualmente, aonde poderão fazer as obras de beneficiação que aparecerem, bem como terem uma atividade social mais evidente, nomeadamente adesão à Caritas e ao Banco Alimentar;


3 - A função prevista no ponto n.º 1 poderia ser desempenhada por Anita, filha de Gil Mota, com uma equipa de apoio logístico e de substituição. É uma tarefa difícil, porque gerir bem uma mini estação de conteúdos religiosos não é fácil - desperta invejas e ambições desmedidas de alguns que até pagariam para desempenhar tais funções;


4 - Anita, se resolveres avançar eu digo-te onde estão os recursos para financiar a compra de equipamentos para o efeito;


5 - os Pastorinhos - no segundo ano de trevas, os Pastorinhos e N.ª Sr.ª saíram à rua numa carrinha a percorrer a Lomba do Botão. Foram precisamente as netas de Gil Mota com uma prima, que personificaram os Pastorinhos - a 4ª geração da Igreja de N.ª Sr.ª de Fátima;


6 - Os Pastorinhos representam aquilo que há de melhor na criançada - a educação e santidade religiosas. Faziam as suas orações e depois iam brincar, diz as suas biografias. Não há nada no presente que ilustre melhor a educação e formação religiosas das crianças como é o exemplo dos Pastorinhos;


7 - Foi uma felicidade o principal benemérito da Igreja de N.ª Sr.ª de Fátima - Sr. Martinho Cabral, abastado emigrante no Canadá que financiou a aquisição dos Pastorinhos, entre outras coisas;


8 - Cada vez mais se vai perdendo o interesse pelas atividades religiosas chegando ao ponto de até as catequistas estarem faltando como é o caso da rica e orgulhosa Lomba do Loução que para completarem a educação religiosa dos seus adolescentes vêm para a Igreja de N.ª Sr.ª de Fátima para terem catequese;


9 - Só que o percurso dos Pastorinhos e de N.ª Sr.ª de Fátima nas carrinhas deve expandir-se na fase inicial para todas as Lombas e Vila e posteriormente às restantes 4 paróquias da Ouvidoria de Povoação;


10 - A data do percurso logo que se encaixe do 13 de maio ao 13 de outubro - qualquer data serve.


Ao lado da capela foram plantadas duas azinheiras. Quem efetuou os trabalhos foi Dionísio, humilde camponês de profissão que quando acabou os trabalhos disse; isto já deveria ter sido feito há mais de cinquenta anos. Pois é, nestas coisas de fé e do sobrenatural, gente pequenina consegue ver e sentir aquilo que "grandes tolos" não conseguem ver ou sentir.


Quando a Igreja de N.ª Sr.ª de Fátima tiver um título e espero bem que seja o de Santuário, sugiro que o primeiro Reitor seja o padre Octávio Medeiros, a título póstumo, já que a ideia de Santuário foi dele.


Gil, como partiste e não nos despedimos, despeço-me com um abraço amigo até à eternidade.


À família enlutada os meus sentidos pêsames.


Povoação, sexta-feira, 24 de junho de 2022.


José António Medeiros Teves 


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