sexta-feira, 24 de setembro de 2021

TRIATO DO DIVINO ESPÍRITO SANTO - LOMBA DO BOTÃO, FREGUESIA DE POVOAÇÃO

Foto de: Um Olhar Povoacense

"O TEATRO, A CASA OU O IMPÉRIO DO ESPÍRITO SANTO


O Espírito dificilmente se representa. «É o Espírito Santo – Deus, misericórdia», como se reza diante da coroa. Já nos evangelhos aparece «como» pomba, «sob a forma» de línguas de fogo. Nunca é tal qual o que se vê. É sempre menos e inadequado o que se vê. Também na cultura e religiosidade açorianas está presente sob a forma de Império, de coroa, de cetro, de bastão, de bandeira, de menino e de pobre. Porque O vestiu de prata e flores, foguetes e arraiais, alfenim e massa cevada (e sovada), carne, pão e vinho é que o Espírito Santo é conhecido por todos os açorianos, sendo ignorado noutras paragens do universo católico.


O ritual e simbólica do Império não são uma mímica para ridicularizar quem quer que seja ou para destituir poderes legitimados, apesar da crítica social que os festejos encerram, com as suas hierarquias e oficiais próprios. Tudo é feito com seriedade, sem vergonhas ou falsas imitações de presunção ou provocação, respeitando os papéis de todos os intervenientes. Assim é a tradição imperial, sem apropriações indevidas, com propriedades e lideranças demarcadas.

Foto de: Um Olhar Povoacense

Quando dizemos «Império» nos Açores queremos referir-nos à dinâmica em si mesma que engloba a prática e os festejos, quer no culto e na caridade; quando dizemos «império» referimo-nos ao local onde decorrem os festejos (grupo central), também em forma de teatros (grupo oriental) ou casas do Espírito Santo (grupo ocidental).


Podemos encontrar uma inspiração remota para a construção dos teatros e impérios no Livro de Ezequiel (48, 30-35) quando se fala das doze portas de Jerusalém, quatro para cada lado. De umbreiras abertas, passou a usar-se portas e janelas, por razões de conveniência e sanidade pública. O império nunca está montado ao nível do solo, por apresentar uma quadro diferente do existente e para proteção de tempestades existenciais. O Livro do Apocalipse (21, 10-16) volta a falar de «uma muralha grossa e alta, com doze portas», três para cada lado, com doze pilares. A nova Jerusalém havia de ser quadrangular, com o cumprimento igual à largura. Estariam estes textos nas mentes dos arquitetos populares açorianos?

Foto de: Um Olhar Povoacense

O Espírito Santo manifesta ser do seu agrado a prestação de tal culto, como vemos por inúmeros testemunhos e abundantes narrações de milagres. Estes querem claramente mostrar que o Espírito Santo quer ser adorado com a festa do Império, pela razão de nela se incluir as esmolas e jantar aos pobres.


A comunidade que vive a prática do culto do Espírito é um modelo indireto de crítica social. A realidade do Império é relevante pelos apelos que faz: a memória espiritual que se mantém viva, como, aliás, é função própria do Espírito – Paráclito, recordar (avivar) tudo quanto Cristo disse e ensinou; a evocação simbólica do modo de entender o serviço em termos de simplicidade e inocência; a partilha dos bens com os pobres e marginalizados da sociedade, onde a pobreza não é sinónimo de carência, mas de partilha, multiplicação e abundância. Estas festas proclamam a dignidade de toda a pessoa, sobretudo das crianças e dos pobres, como diz o próprio ato de coroar.

Foto de: Um Olhar Povoacense

As festas ao Divino Paráclito têm sentido como reação à despersonalização e desenraizamento trazidos pela globalização, ao assistirmos a um movimento de procura e defesa das raízes culturais e religiosas mais profundas das nossas identidades. Não há fundamentos para afirmar a sua natureza pagã, a não ser a pretensão de justificar um neo – paganismo ou secularismo prático.


O proveito cultural destas festas é a sua transição para a vida, como seja o exercício da justiça e do poder, o menino e a inocência, a bondade e a partilha. Assim, as festas do Espírito Santo podem levar a um processo de conversão e mudança, na ordem religiosa, moral, intelectual e social. Na sua simplicidade, estas festas constituem uma resistência crítica e profética ao poder político e económico, e são como que uma reserva histórica do pensamento utópico, poético e evangélico.

Foto de: Um Olhar Povoacense

O culto do Espírito Santo pode servir de pedagogia na perspetiva do dom e da justiça. Enquanto outras manifestações estão associadas à penitência e à dimensão individual do sujeito, neste culto as promessas são fruto do que se dá, partilha e recebe, sonhando com um mundo de abundância e justiça, sinal messiânico do Reino de Deus, sob a presença e soberania do Espírito.


Hélder Fonseca Mendes"


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