terça-feira, 16 de março de 2021

(DES)RESPONSABILIDADE DO GOVERNO NA LIMITAÇÃO DOS CONTRATOS SUCESSIVOS NO SETOR DA EDUCAÇÃO

Foto de: Um Olhar Povoacense

(Des)responsabilidade do Governo na limitação dos contratos sucessivos no setor da educação – a criação das normas em regulamento de concurso assume-se inoperante para alcançar os fins que a Diretiva Comunitária traçou, não reflete justiça, não é integradora e não é geradora de estabilidade


Tendo o Sindicato Democrático dos Professores dos Açores (SDPA), em audição na Comissão Especializada Permanente de Assuntos Sociais (CEPAS) da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA), emitido parecer acerca da Proposta de Decreto Legislativo Regional n.o 2/XII - Quarta Alteração ao Regulamento de Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário da Região Autónoma dos Açores, formulada pela Secretaria Regional da Educação (SRE), vimos, na presente data, dar nota pública da posição do SDPA.

Entende o SDPA que quaisquer alterações que venham a ser preconizadas para o regime de recrutamento e seleção de pessoal docente da educação pré-escolar e ensinos básico, secundário e artístico, para o exercício de funções na rede pública do sistema educativo da Região Autónoma dos Açores deveriam ser enquadradas numa visão estratégica e integrada da educação e teriam, prioritariamente, que almejar a resolução da situação de precariedade dos docentes contratados, promover a sua integração nos quadros de escola e concretizar, de modo eficaz, a estabilidade do corpo docente em cada uma das escolas.


A alteração agora iniciada do Decreto Legislativo Regional n.o 2/2017/A, de 11 de abril, constitui no entendimento do SDPA uma oportunidade excecional para a resolução de um conjunto de problemas que têm sido recorrentemente suscitados pelo Sindicato, nomeadamente, a premência da definição de medidas e soluções normativas necessárias para evitar o recurso à contratação sucessiva a termo dos docentes de modo abusivo, a par da fixação e aumento da estabilidade do corpo docente, na linha das recomendações emanadas pelo Conselho Nacional da Educação (CNE), cf. Recomendação n.o 1/2016 “Como renovar o corpo docente e assegurar a passagem de conhecimento e experiência entre gerações?”, Recomendação n.o 3/2019 sobre “Qualificações e valorização de educadores e professores dos ensinos básico e secundário”, CNE (2020) Estado da Educação 2019 e CNE (2021) Parecer sobre Plano de Recuperação e Resiliência. É tendo por referencial este enquadramento que se permite o SDPA alertar para as questões que no processo legislativo agora encetado entende deverem merecer adequada ponderação. Desde logo, de entre alguns dos aspetos que merecem maior preocupação e reflexão temos a considerar: a educação como uma dimensão fundamental para o progresso social, todo o investimento que nela se realizar se refletirá em termos de evolução económica e social; a possibilidade de a Região Autónoma dos Açores (RAA) ser confrontada com a falta de professores e todas as dificuldades que daí resultam. Aliás, o mais recente Parecer do CNE ao Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), de março de 2021, insiste precisamente na necessidade de adoção de medidas prementes para a área da educação: “como a integração urgente de mais professores no sistema para obviar a falta que já se faz sentir, possibilitando ao mesmo tempo o rejuvenescimento do quadro e o aumento da estabilidade dos docentes nas escolas”.


Na linha do enunciado pelo CNE, atempadamente, tem o SDPA, apoiado nos dados referentes aos concursos de seleção e recrutamento do pessoal docente na RAA, alertado para a notória escassez de docentes que já se faz sentir nas escolas dos Açores. (Vede tabelas comparativas do número de candidatos aos concursos de oferta de emprego do pessoal docente da educação pré-escolar e ensinos básico e secundário, entre 2015/2016 e 2020/2021; número de candidatos disponíveis na lista de não colocações,

em 08/03/2021, e número de horários disponibilizados na Bolsa de Emprego Público dos Açores (BEPA), atualizada na mesma data). Cremos que será possível reverter a escassez de docentes e aumentar o contingente de professores qualificados se forem adotadas, no futuro próximo, medidas que tornem a profissão mais atrativa e valorizada, que promovam a integração e a estabilidade dos docentes e a criação dos incentivos à sua fixação.


No que se refere à contratação sucessiva a termo de docentes é omissa a Proposta quanto à definição do número limite de contratos e não é equacionada a questão fundamental, por não prever as medidas necessárias a evitar a sua utilização sucessiva de modo abusivo, como impõe o direito da União Europeia, através da Diretiva 1999/70/CE do Conselho, de 28 de junho de 1999, respeitante ao acordo-quadro CES, UNICE e CEEP.


No respeito pela Diretiva, obviando os sucessivos contratos de trabalho a termo através da definição de um limite temporal de contratos, foi aprovado o Decreto-Lei n.o 83-A/2014, de 23 de maio de 2014, para o território continental e, em 2015, similar diploma surge para a Região Autónoma da Madeira, através do Decreto Legislativo Regional n.o 5/2015/M, de 10 de julho de 2015, estabelecendo-se no n.o 2 do artigo 42.o que: “Os contratos a termo resolutivo sucessivos celebrados com o Ministério da Educação e Ciência [a Secretaria Regional de Educação da Madeira] em horário anual e completo, no mesmo grupo de recrutamento, não podem exceder o limite de 5 anos ou 4 renovações”. Acresce que o Regime de Recrutamento e Mobilidade do Pessoal Docente do Ministério da Educação, na prossecução da vinculação do pessoal docente com contrato a termo resolutivo na carreira docente, traduziu-se numa melhoria das condições previstas no Decreto-Lei n.o 28/2017, de 15 de março, que altera a disposição legal “A sucessão de contratos de trabalho a termo resolutivo celebrados com o Ministério da Educação na sequência de colocação obtida em horário anual e completo, no mesmo grupo de recrutamento, não pode exceder o limite de quatro anos ou três renovações” para a alteração, atualmente em vigor, ao Decreto-Lei n.o 132/2012, de 27 de junho, ao mencionado artigo, conforme constante da Lei n.o 114/2017, de 29 de dezembro, no seu artigo 315.o - “A sucessão de contratos de trabalho a termo resolutivo celebrados com o Ministério da Educação na sequência de colocação obtida em horário anual e completo, no mesmo grupo de recrutamento ou em grupos de recrutamento diferentes, não pode exceder o limite de três anos ou duas renovações. (sublinhado nosso)


Por conseguinte, considera este Sindicato que na Região Autónoma dos Açores foi protelada a concretização deste princípio, conforme estipulado no artigo 44.o do Estatuto do Pessoal Docente na Região Autónoma dos Açores, na redação que lhe é conferida pelo Decreto Legislativo Regional n.o 25/2015/A, de 17 de dezembro, e no artigo 148.o do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.o 7/2009, de 12 de fevereiro e no artigo 60.o do anexo da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Lei n.o 35/2014, de 20 de junho, que determinam que a integração do trabalhador contratado a termo, em lugar de quadro vinculativo, ocorra na sequência de três contratações, com a dotação, nas escolas do setor público da Região Autónoma dos Açores, de lugares de quadro correspondentes às contratações sucessivas.


Tem vindo reiteradamente a denunciar este Sindicato a situação de incumprimento da Região Autónoma dos Açores (RAA) do disposto no artigo 5.o do Anexo aprovado pela Diretiva, sendo esta a única região do país sem o enquadramento devido à limitação da contratação sucessiva, no âmbito laboral de educadores de infância e professores.


Não reflete esta Proposta a fixação do prazo máximo de duração dos contratos a termo sucessivos celebrados pela administração educativa regional com o pessoal docente nem, também, garante a correspondente integração dos professores e educadores de infância que cumpram os requisitos para concorrerem em primeira prioridade aos concursos externo de quadros de escola e/ou quadros de ilha.


Analisadas todas as circunstâncias da situação em que se inscrevem os trabalhadores docentes na RAA, não se pode ignorar que a concretização das disposições necessárias às medidas de integração peca por tardia, como melhor o demonstra a existência de um abuso persistente nos numerosos contratos a termo resolutivo sucessivos nos concursos de oferta de emprego para contratação. Quando analisadas as condições de emprego dos docentes que trabalham nas escolas públicas do sistema educativo regional com contratos a termo, comprova-se a existência desses abusos ao verificar-se a duração média de 14 anos de prestação de serviço docente, em alguns casos, de modo ininterrupto.


Com enorme sentido de responsabilidade, ponderação e rigor, persistiu o SDPA em demonstrar a pertinência da inclusão de um maior número de docentes elegíveis e a integrar os quadros dos sistema educativo regional, designadamente, através de um estudo que apresenta o número de docentes contratados nos anos escolares entre 2014/2015 até 2020/2021, comprovando factualmente que se atendermos ao último triénio e ao menor número comum de docentes contratados, por grupo de recrutamento, seriam admitidos nos quadros 468 docentes. Contrariamente à pretensão deste Sindicato de que se deveria estabelecer a proporcionalidade de correspondência de vagas disponíveis na justa medida do número de docentes que reúnam as condições de elegibilidade, aquilo que resulta para a integração dos docentes sucessivamente contratados na RAA é uma diminuição na fixação do número de lugares de

quadro.


Entende o SDPA que deverá o número de vagas para provimento do pessoal docente com contrato de trabalho a termo resolutivo ser estabelecido em paralelismo com o restante pessoal da Administração Pública Regional.


A este propósito, pronunciou-se, oportunamente, em novembro de 2019, acerca da Proposta de Decreto Legislativo Regional que visava aprovar o Orçamento da Região Autónoma dos Açores para o Ano 2020, remetendo o competente parecer à Comissão Permanente de Economia (CPE) da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA), nos termos que a seguir se transcrevem:


« (...) vem esta associação sindical emitir parecer negativo à Proposta apresentada “procedimentos concursais interno e externo de provimento de pessoal docente previstos para o ano escolar 2020/2021, dever ser aberto um número de vagas não inferior a oitenta” (...) no que se refere às matérias supra elencadas, devendo, em consequência, essa Comissão emitir parecer no sentido de dever ser expurgada a norma do artigo 47o e pugnar para que o número de vagas dos procedimentos concursais de provimento de pessoal docente previstos para o ano escolar 2020/2021 seja estabelecido, para o pessoal docente com contratos de trabalho a termo resolutivo, em situação de equidade com todo o restante pessoal com relação jurídica de emprego público titulada por contrato a termo resolutivo ou nomeação provisória que tenha desempenhado ininterruptamente funções nos órgão e serviços da Administração Pública Regional para quem a integração está definida no cumprimento de dois anos de contratação, cf. n.o 1 do artigo 8.o da Proposta de Decreto Legislativo Regional - Orçamento da Região Autónoma dos Açores para o Ano 2020.»


O SDPA discorda com o teor da Proposta, especificamente, no articulado que define a forma como se efetua a aplicação da integração dos professores e educadores de infância.


O SDPA não pode aceitar a proposta da equação de como se quer processar a integração dos docentes sucessivamente contratados na Região Autónoma dos Açores.


O SDPA não pode concordar com as soluções encontradas. Ora vejamos, ao aplicar-se a integração através de quadros de ilha, nada se acrescenta e ainda se trazem algumas desigualdades. Quando se propõe a criação de quadros de ilha está-se a dissimular os quadros de escola sabendo-se que em cinco das ilhas dos Açores: Santa Maria, Flores, Corvo, Graciosa e Faial existe apenas uma única escola, portanto uma unidade orgânica corresponde a um quadro de escola e não a um quadro de ilha da rede de estabelecimentos públicos do sistema educativo regional. A fórmula de cálculo do número de vagas de quadro é aferida por estabelecimentos de educação ou de ensino de igual forma, portanto, nada mais se está a fazer do que trasvestir quadro de escola em quadro de ilha e quadro de ilha em quadro de escola.


O SDPA entende que se devem manter os quadros de escola. A não ser assim, em termos metodológicos, estar-se-á a conferir um tratamento diferente a situações iguais, ao se fixar uma norma/determinação que confunde quadros de ilha com quadros de escola. Aliás, dita o direito que a lei tem de ser abstrata e universal e não se estará a atender a esse direito consagrado. Significa isto dizer-se que um docente que é colocado num quadro de ilha onde só tem uma escola fica nesse quadro de escola e um docente que é colocado numa ilha onde tem várias escolas pode ficar em qualquer uma das escolas. Pugna este Sindicato para que todos os docentes sejam tratados de igual modo, em equidade, indiferentemente da ilha onde estejam integrados e a exercer as suas funções docentes.


Ora, a Proposta agora apresentada não contempla medidas suficientes e eficazes para garantir a prossecução do propósito da integração dos docentes e de reduzir a precariedade laboral do setor da educação nos Açores, o que, bem vistas as coisas, até poderá prolongá-la e resultar em maior instabilidade pessoal e profissional dos docentes sucessivamente contratados que têm estado há demasiado tempo a servir a Região.


No entendimento do SDPA a Proposta assume-se inoperante para alcançar os fins que a Diretiva traçou, não reflete a justiça, não é integradora e não é geradora de estabilidade e, por isso, não se poderá concordar com a solução encontrada.


A Direção, aos 16 de março de 2021


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